Os essênios e a comunidade de Qumran

Giovanni Alecrim
De casa em casa
Published in
4 min readMay 19, 2021

Quando o radicalismo religioso leva ao deserto

Plínio o Velho, morto em 79 d.C., destaca o ascetismo e a rigorosa exigência moral como primeira e evidente característica deste grupo: É um povo único em seu gênero e admirável no mundo inteiro, mais do que qualquer outro: sem nenhuma mulher e tendo renunciado inteiramente ao amor; sem dinheiro e tendo por única companhia as palmeiras. Dia após dia esse povo renasce em igual número, graças à grande quantidade dos que chegam. Com efeito, afluem aqui em grande número aqueles que a vida leva, cansados das oscilações da sorte, a adotar seus costumes (Naturalis historia V, p. 71–73).¹

Movimentos messiânicos existiam aos montes na Palestina dos séculos II e I a.C., até mesmo aqueles que se isolavam e não se misturavam com o resto da sociedade. Os essênios constituíram uma comunidade reconhecida em seu tempo por historiadores como Plínio o Velho, Fílon de Alexandria e Flávio Josefo, que estimou em 4.000 o número deste grupo judeu com características bem peculiares, tais como a vida fora da sociedade, em vilas isoladas, bem fechadas, com disciplina rígida e adoção de práticas como o princípio da comunhão de bens, o celibato — algo novo no judaísmo de então — a observância de regras rituais de pureza, como vestes brancas, alimento em comum preparado segundo regras muito precisas e banho ritual. Tais práticas eram vividas em perfeita sintonia com a Lei e dispensava a necessidade de sacrifício no Templo. Teologicamente falando, criam na intervenção divina futura por meio de um ou mais messias que traria a paz definitiva aos eleitos.

De onde vêm os essênios?

Esta pergunta possuía uma série de especulações até meados do século passado, quando, em 1947, um achado arqueológico muda completamente a história da pesquisa bíblica. Em Khirbeth Qumran, uma localidade às margens do Mar Morto, foram descobertos documentos e objetos datados do século II a.C. ao século I d.C. A pesquisa acerca destes achados continua, o que temos de informação precisa é que ali havia um ajuntamento humano que viveu entre 140 a.C. a 68 d.C., quando foram destruídos pelas legiões de Vespasiano, no quando da revolta judaica. Nas grutas vizinhas foram descobertos os manuscritos escondidos em potes de barro, provavelmente para proteger dos ataques romanos. Dentre os achados, cópias de textos bíblicos que, até então, só tinham manuscritos que datavam da idade média. Além de textos bíblicos, foram encontrados comentários a vários livros da Bíblia Hebraica, cópias de textos judaicos não canônicos, coleção de hinos, orações e escritos relativos à vida da comunidade, entre eles o “Regra da Comunidade”.

A comunidade de Qumran lança luzes sobre os essênios e sua origem. O que se tem de registro, hoje, é que tal comunidade foi uma divisão do movimento dos essênios, que surgiram dos movimentos apocalípticos desencadeados pelo Livro de Henoc, se apresentando como um grupo de oposição radical à dinastia asmoneia. Este grupo, separatista, pode ser considerado filho direto da tradição teológica do Livro de Henoc. No movimento essênio, posturas mais radicais ainda levam um grupo a se retirar para o deserto, guiados pelo “mestre da justiça”, cuja autoridade sobrepões, para eles, a do sumo sacerdote. Nos textos de Qumran o “mestre da justiça” é o guia espiritual da comunidade e o sumo sacerdote é um “sacerdote ímpio”. Na linguagem dos textos de Qumran, seus membros são os “filhos da luz” em constante conflito com os “filhos das trevas”, conflito este que só terminará com o advento do Ungido de Deus.

Conclusão

Ao longo desta aula, e da anterior, você deve ter notado alguns temas e termos bastante conhecidos por nós, cristãos. Os temas são comuns, a linguagem é muito próxima da usada por João em seus textos, não raras são comparadas as atividades de João Batista e Jesus com os essênios e a comunidade de Qumran, não há, no entanto, dados suficientes para se dizer que um influenciou ou fez parte do outro. Podemos dizer, com certeza, que as práticas dos primeiros cristãos não constituíam uma novidade, uma reinvenção dos ritos e condutas dos judeus, mas sim a ressignificação do universo judaico à luz dos ensinos e práticas de Jesus de Nazaré.

¹MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017

O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 19 de maio de 2021

Índice das aulas

O índice é atualizado no artigo da primeira lição.

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Giovanni Alecrim
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