Mulheres no jornalismo: do pioneirismo aos desafios atuais

De uma para todas
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4 min readMay 12, 2020

Aumento da participação feminina nos meios de comunicação é notável, mas os desafios relacionados ao gênero ainda persistem

Por Mariana Lopes Teixeira

A representação feminina no mercado profissional vem crescendo ao longo dos anos, fruto do histórico de reivindicações pelos direitos básicos que, durante séculos, foram negados às mulheres. No jornalismo não é diferente. Segundo uma pesquisa feita pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em parceria com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), as mulheres eram 64% das profissionais nas redações em 2012, o que revela uma tendência feminina na área.

As pioneiras do jornalismo feminino no Brasil

As primeiras participações da mulher na imprensa brasileira remetem ao século XIX. Em 1855, Joana Paula Manso de Noronha lançava o primeiro periódico escrito e dirigido por mulheres, chamado Jornal das Senhoras. Por volta de 1870, jornais como O Sexo Feminino e A Família trouxeram, dentre as suas discussões, a questão do voto feminino, o acesso da mulher à instrução, assim como ao trabalho.

De um modo geral, as representações da imprensa feminina brasileira do século XIX estavam articuladas em dois polos principais: um deles representados por periódicos que valorizavam a mulher em sua imagem de mãe-esposa, e o outro mais voltado à conquista de direitos e focado na emancipação feminina.

A primeira jornalista no Brasil que se tem registro trata-se de Maria Josefa Barreto Pereira Pinto que, em 1833, publicou o jornal legalista “Belona Irada Contra os Sectários de Momo”, criticando as ideias liberais defendidas pelos farroupilhas. Já a primeira mulher a se profissionalizar no jornalismo brasileiro foi Narcisa Amália de Campos que, em 1884, fundou o jornal quinzenal Gazetinha, que trazia como subtítulo “folha dedicada ao belo sexo”. Sua projeção nacional veio por meio de seus artigos que defendiam as mulheres e o fim da escravidão.

Outra figura importante do jornalismo feminino brasileiro foi Eugênia Brandão, a primeira mulher a trabalhar como repórter no país. Sua atuação na imprensa começou quando tinha apenas 16 anos, trabalhando nos jornais cariocas A Rua e Última Hora. Além disso, Eugênia chamava a atenção por usar trajes considerados masculinos, como terno, calça, gravata e chapéu de feltro, e por fazer parte dos círculos boêmios da cidade do Rio de Janeiro, tendo inclusive o hábito de fumar.

O feminino na imprensa brasileira: desafios

Apesar dos avanços da representatividade feminina no jornalismo, os direitos fundamentais para o exercício da profissão são impactados pelo gênero. Para a repórter carioca Fabiane Muniz, o principal desafio que a mulher encontra no jornalismo é o assédio sexual. “Em nossa profissão estamos em contato com diversas pessoas do sexo oposto, e, infelizmente, ainda acontecem algumas situações desconfortáveis”. Fabiane ainda argumenta que, em um panorama geral, a carreira jornalística, diferente de muitas outras, tem predominância feminina. Mas, percebe-se que a maioria dos cargos de chefia estão ocupados por homens. Segundo a pesquisa “Mulheres no Jornalismo Brasileiro”, feita pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), 65,4% dos cargos de poder, como editores, coordenadores e diretores, estão ocupados pelo sexo masculino.

Outro fator preocupante encontrado na profissão é a divisão do trabalho jornalístico conforme os antigos estereótipos, que levam a crer que os homens são mais aptos a trabalhar em áreas como esporte e tecnologia, enquanto as mulheres teriam afinidade com temas como comportamento, lifestyle, gastronomia e moda. Para a professora de jornalismo, Yasmin Gatto, esse pensamento se baseia em uma construção social machista que coloca o feminino em uma posição inferior, impondo que as mulheres não entendem de coisas para além daquilo que a sociedade as reserva. “É como se a mulher jornalista só pudesse cobrir pautas ‘leves’, enquanto as pautas ‘duras’, como política e economia, são feitas em sua maioria por homens baseados em um senso comum de que mulher não entende de política e nem de números”, argumenta.

As exigências de certos padrões estéticos também configuram-se como outro desafio. Cassia Rocha, estudante e estagiária em um redação online, expõe que, no caso do jornalismo, há uma questão muito grande que perpassa o profissional. “A função do jornalista é informar, e, no caso das mulheres, encontramos fatores estéticos. Elas sempre devem se apresentar bonitas, impecáveis e bem vestidas. Há uma cobrança estética muito grande, algo que não acontece da mesma forma com os homens”. Cassia ainda complementa que as próprias empresas criam padrões, chamados “padrões de qualidade”, com várias regras que, na maioria das vezes, são reflexos do machismo na área.

A falta de representação das mulheres negras na profissão se constitui como um fator preocupante. Segundo o Coletivo das Mulheres Jornalistas do SJPDF (Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal), das entrevistas para o levantamento “Desigualdade de Gênero no Jornalismo”, 86,4% afirmaram que jornalistas negras têm menos chances de serem promovidas em meios de comunicação tradicionais. Cassia Rocha relata que, por conta de sua condição racial, o racismo, para ela, é um obstáculo maior que o machismo. “A sociedade está evoluindo em relação a aceitação das mulheres em determinados espaços, mas quais são essas mulheres? Quase nunca são mulheres pretas. Foi designado para nós uma posição social que não se encaixa no jornalismo, e podemos ver isso também em outras profissões”, argumenta.

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