O impacto do coronavírus na rotina das mães brasileiras

De uma para todas
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6 min readJun 3, 2020

Com a pandemia da covid-19, mães se desdobram para conciliar vida familiar, trabalho e adquirir renda extra

Por Mariana Lopes Teixeira

Com a inserção da mulher ao mercado de trabalho, a dupla jornada tornou-se constante. Acordar, preparar o café, levar os filhos à escola, ir para o trabalho (seja ele formal ou informal), sair do expediente, dar conta das tarefas domésticas, colocar as crianças para dormir e repetir a mesma rotina no outro dia. Segundo dados divulgados em 2019 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres dedicam em média 18,5 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, em comparação com 10,3 horas semanais gastas pelos homens. Com as restrições impostas para conter a pandemia, as responsabilidades estão ainda mais intensas.

O confinamento, além de realçar a desigualdade de gênero no que diz respeito à divisão do trabalho doméstico, também tem causado uma sobrecarga emocional principalmente às mães. Para a funcionária administrativa Francielli Mirante, conciliar o home office com a vida familiar está sendo o maior desafio de toda a sua vida. “Pelo fato de ter uma bebê de 2 aninhos, já tinha uma rotina completamente corrida. Mas, trabalhando fora, tinha os meus momentos (horário de almoço e de café), conversava com outras pessoas e conseguia conciliar alguns horários para me cuidar um pouco”. Ela ainda comenta que equilibrar a dupla jornada de trabalho durante esse período tem sido tarefa difícil. “Atualmente, não consigo momento (nem minutos) para mim, e tenho que fazer as atividades domésticas com mais frequência do que antes. E com isso, ainda dar conta do meu trabalho”.

A psicóloga Amanda Alves reconhece a sobrecarga emocional e de atividades sobre as mães e cita os principais impactos psicológicos que essa mudança brusca de rotina pode ocasionar. “Dentre eles estão a prevalência de respostas emocionais negativas, como: medo, raiva, tristeza, culpa, confusão, irritabilidade, humor baixo, ansiedade e insônia. Com isso, a pretensão a dependência do álcool, transtornos de estresse e crises de pânico”. Ela ainda comenta que devido a cobrança da sociedade para que a mulher seja mãe, esposa, profissional e cuidadora do lar, a prevalência da depressão em mulheres é muito maior do que nos homens.

As mães solo também são impactadas. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 31,8 milhões de famílias do país (45,3% do total) são chefiadas por mulheres. Elas, além de cuidarem dos filhos, precisam adquirir renda para o sustento da casa. Com a pandemia, as chefes de família foram economicamente impactadas. É o caso da autônoma Maria de Lourdes Florentino, que chegou a ficar 40 dias sem renda. “Trabalho como manicure e só agora estou conseguindo atender algumas clientes, pois não tinha como ficar parada. Como chefe de família a preocupação é inevitável”, conta.

Assim como Maria de Lourdes, muitas mulheres, sobretudo chefes de família, se concentram em empregos informais. Isso ocorre principalmente devido a discriminação por razões de gênero e por estarem sobrecarregadas com a questão materna e do lar. Um estudo da FGV (Faculdade Getúlio Vargas) mostra que há uma queda no emprego das mães ao fim da licença maternidade, especialmente se forem trabalhadoras com um nível educacional mais baixo. Com dificuldades em atuar no mercado formal, elas acabam buscando a informalidade, se tornando empreendedoras, prestadoras de serviços, cuidadoras, vendedoras e autônomas. Devido ao surgimento do coronavírus, esses setores foram, em sua maioria, afetados, fato que agravou social e economicamente as mães solo. Como solução, muitas buscam alternativas para adquirir renda extra ou dependem do apoio financeiro de amigos e familiares. É o caso da autônoma Débora Cristina Gomes, que trabalhava como diarista e agora necessita da ajuda de parentes e doações de amigos. “Como não posso sair para trabalhar, o sustento da casa está em torno da minha filha mais velha, enquanto eu ajudo a cuidar da minha neta”, diz.

Para amenizar a crise econômica causada pelo coronavírus, o Governo Federal criou o “coronavoucher”, denominação do programa emergencial de renda básica. Dentre os beneficiários desse programa estão as chefes de família, que irão receber o auxílio de R$ 1.200,00 por mês, dividido em três parcelas. Para adquirí-lo é necessário se encaixar nas condições de desempregada, autônoma, microempreendedora individual (MEI), não ter carteira assinada e ser contribuinte individual da Previdência, além de ter renda mensal de até três salários mínimos (R$ 3.135,00) ou por pessoa de até meio salário mínimo (R$ 522,50). Além disso, mães adolescentes menores de 18 anos também têm direito ao auxílio. No entanto, muitas provedoras do lar estão encontrando dificuldades para receber o dinheiro. A autônoma Maria Aparecida Ferreira, apesar de se encaixar nos pré-requisitos, conta que ainda não está recebendo o auxílio pois os dados aparecem como inconclusivos e está em análise pela segunda vez. Ela diz que o valor de R$ 1.200,00 é muito importante no momento. “Eu sou monitora de transporte escolar. Como não está tendo aula, então estamos parados. Com isso, a minha renda foi muito impactada e hoje faço salgados para vender”, conta.

Com o objetivo de auxiliar as chefes de família que se encontram em situação de vulnerabilidade, a CUFA (Central Única das Favelas) lançou o projeto “Mães da Favela”. Várias ações estão sendo feitas em 17 estados e no Distrito Federal, sobretudo nos locais que estão sendo mais atingidos social e economicamente pelo coronavírus.

Lisandra Félix: voluntária da CUFA-ES

Em que consiste o projeto “Mães da Favela”?

O projeto “Mães da Favela” é uma ação nacional da CUFA (Central Única das Favelas) que iniciou-se devido a pandemia. Ele surgiu a partir da percepção de que mesmo colaborando com várias doações para esses espaços, percebemos que dentro havia um público que sofria ainda mais: mães que ficavam com toda aquela “carga” de cuidar dos filhos que estavam em casa o dia todo, visto que as aulas foram suspensas. Elas também estavam passando pelo estresse de não ter recurso para o estudo regular dos filhos, por falta de internet e até mesmo de celular. Além disso, cresciam os gastos com coisas básicas do dia a dia, como o alimento. Então o projeto veio a partir dessa percepção sobre qual público estava sofrendo mais com a pandemia.

Quais ações vocês realizaram até o momento?

A primeira ação feita foi o auxílio do PicPay de R$ 120,00, dividido em duas vezes, que era voltado para as mães comprarem alimentos para dentro de suas casas, materiais de higiene e outras coisas, visto que, a partir dessa pandemia, como muitas delas trabalhavam de forma independente, elas passaram a não contar com recursos para adquirir produtos básicos. Depois, fizemos atendimento com o gás de cozinha e com cestas básicas e de café da manhã, tudo voltado para as mães.

Aqui no Espírito Santo já estamos na segunda etapa do “Mães da Favela” e procuramos atingir toda a Grande Vitória, Na primeira etapa também atendemos favelas de São José dos Calçados, no interior do estado.

Durante as suas ações como voluntária pelo projeto, houve alguma história/situação que te impactou?

Sim, diversas. Ainda mais por conhecer a realidade desses espaços. Na ação do gás, por exemplo, haviam mães, juntamente com a sua família, cozinhando no fogão a lenha devido a falta do gás de cozinha. E, principalmente durante esse período de pandemia e reclusão, as mães se sentem sem expectativas positivas para elas e os seus filhos. Muitas disseram que estavam sem alimento em casa.

Para quem se interessar em ser voluntário ou fazer uma doação, onde ou a quem procurar?

Toda pessoa que entende a importância do projeto é bem vinda para colaborar com o que puder. A ação “Mães da Favela” é uma parcela de força que podemos ter, atendendo algo que é emergencial e muito importante.

Quem quiser colaborar pode acessar o site e também as nossas redes sociais:

Site: maesdafavela.com.br

Facebook: CUFA-Central Única das Favelas

Instagram: @cufabrasil

Twitter: @CUFA_Brasil

Vakinha: http://vaka.me/974540

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