Violência doméstica em tempos de isolamento social

De uma para todas
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5 min readMay 19, 2020

Registros de violência doméstica disparam durante quarentena e aumentam riscos de feminicídio

Por Mariana Guedes

O isolamento social é uma medida essencial para reduzir a contaminação dos indivíduos pelo coronavírus (covid-19). Entretanto, um de seus efeitos colaterais é a potencialização de um problema antigo: a violência doméstica. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em um levantamento de 2019, 16 milhões de mulheres acima de 16 anos já haviam sofrido algum tipo de violência no Brasil, a maioria delas dentro de casa. Todavia, desde o início da quarentena a situação está se agravando, apenas no Rio de Janeiro houve um aumento de 50% dos casos, de acordo com dados do Tribunal de Justiça do Estado.

De acordo com Erika Carvalho, assistente social do Centro de Referência de Mulheres da Maré Carminha Rosa (UFRJ), a pandemia do covid-19 deu visibilidade a um fenômeno que já acontece há tempos. O fenômeno da violência já é considerado uma pandemia, mas é invisibilizado porque é naturalizado pela sociedade. Por acontecer no espaço doméstico, torna-se mais invisível ainda.

Segundo a especialista, são diversos os determinantes que dificultam a denúncia ou o compartilhar da situação de violência, porém aponta a vergonha como um dos principais fatores. “A mulher tem muita vergonha de contar o que acontece com ela porque tem medo de ser julgada, de ser criticada por amigos e familiares, também tem vergonha de expor o seu relacionamento”; bem como a dependência financeira: “Se a gente pensar que as maiores vítimas de violência são mulheres negras e periféricas essa situação da dependência econômica pesa bastante. Ainda mais caso ela não tenha condições de sair de casa para buscar um trabalho e não consiga colocar o filho na creche, por exemplo”.

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2019, apontam que 61% das mulheres que sofreram violência naquele ano eram negras. Erika também destaca que a relação das mulheres negras e periféricas com a segurança pública é diferente. “Muitas vezes elas até buscam a delegacia, mas são desencorajadas a denunciar ou são desqualificadas e acabam desistindo de denunciar esse agressor. Porque as instituições também reproduzem o machismo, reproduzem esse sistema de dominação patriarcal”, afirma.

A assistente social também ressalta a importância dos Centros de Referência de Mulheres, uma vez que fornecem à elas um acompanhamento sistemático por profissionais do serviço social e da psicologia, e alguns também possuem orientação jurídica. O Centro no qual Erika atua, no Complexo da Maré, além de ser uma política pública, também é um projeto de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesse espaço, além dos acompanhamentos psicológico e social, também são realizadas atividades em grupos e oficinas como as de cine-debate e letramento. “Quando elas se encontram com outras mulheres que estão passando ou passaram pela mesma situação, elas se fortalecem porque percebem que não estão sozinhas, que existem outras mulheres, outros casos como os delas”, diz Erika Carvalho.

Tipos de violência doméstica e familiar:

“A maioria das pessoas enxergam a violência contra a mulher apenas como agressão física, quando na verdade não é”, afirma a advogada Roberta Rossi. O Art. 7° da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) define cinco tipos de violência doméstica e familiar: a violência física, a violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial e a violência moral.

A violência física é a mais conhecida e entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade e saúde corporal da mulher. A violência psicológica está relacionada a condutas que causam dano emocional e diminuição da autoestima, por se apresentar muitas vezes como forma de ciúme ou cuidado, torna-se difícil identificá-la. Esse tipo de violência é expressa, por exemplo, no sentimento de inferioridade em relação ao companheiro, sentimento de incapacidade, sentimento de culpa pelas discussões e pelos problemas na relação, e também nas críticas frequentes à sua aparência e capacidade intelectual.

A violência sexual pode ser exemplificada em relações sexuais não desejadas, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; e também quando a mulher é impedida de utilizar algum método contraceptivo. A violência patrimonial acontece quando o agressor retém, subtrai, destrói parcial ou totalmente os objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da mulher, incluindo os destinados a satisfazer as suas necessidades. Por último, a violência moral, entendida por caluniar, difamar ou cometer injúria contra a mulher.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), durante o isolamento social também passaram a ser considerados como atos de violência: impedir que a mulher lave as mãos ou utilize sabonete e álcool em gel; disseminar informações erradas sobre o covid e o isolamento, como forma de controle; não permitir comunicação com familiares por redes sociais. Segundo a ONU Mulheres, devido à quarentena as mulheres que sofrem violência doméstica enfrentam obstáculos adicionais, por se tornar mais difícil fugir de situações violentas, acessar ordens de proteção e ter contato com familiares, amigos e vizinhos.

Como agir caso suspeite que uma mulher está sofrendo violência doméstica:

“As mulheres que estão em situação de violência precisam saber que não estão sozinhas, que têm com quem contar. Não silencie diante de uma situação de violência”, diz Erika Carvalho, que deu algumas dicas de como devem agir amigos, familiares e vizinhos de mulheres que sofrem violência. São elas:

Como buscar ajuda?

Ligar para canais de atendimento como o 180 (Central de Atendimento à Mulher), que funciona 24 horas; ou, em caso de flagrante, para o 190 (Polícia Militar). Outra alternativa é o atendimento pelo whatsapp, como o “Justiceiras”, que promove a assistência de profissionais da psicologia, assistentes sociais e orientações jurídicas; o telefone é: (11) 996391212. Também existem aplicativos como o “Mete a Colher”, o qual conecta mulheres que precisam de ajuda, apoio, com outras que desejam colaborar de forma voluntária. Por fim, o site “Tô com Elas (Mapa do Acolhimento)”, este oferece um mapa online com serviços públicos de enfrentamento à violência a fim de agilizar o encaminhamento para as mulheres em situação de risco durante a quarentena. Além desses serviços nacionais, é importante se informar sobre os demais canais de atendimento que estão disponíveis no estado onde reside.

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