Mais 24 horas

Thais Pantaleão
(de)vagar
Published in
3 min readOct 24, 2020
Arte: Thais Pantaleão

Oi. Meu nome é Thais. Eu tenho 29 anos e sou viciada em convencer as pessoas de que faço uma quarentena que eu não faço, tudo online, intercalando um tweet lacrador do Quebrando Tabu, uma piadoca inteligente do Bolsominions Arrependidos e um boomerang na balada da cidade — que abriu com restrições na lotação, higienização impecável, uso de máscara obrigatório no intervalo entre os drinks e distanciamento de pelo menos um metro e meio antes de ficar bêbada e abraçar o dj… Alô, OMS, tâmo junto!

“Oi, Thais!”, lê-se como um pequeno coro de terapia em grupo, naquela esquema dos tubarões, comandados por Bruce, saudando a icônica Dory em Procurando Nemo.

Eu faço a quarentena e acredito 100% na ciência, só ando com a máscara para baixo do nariz porque se não os óculos embaçam. Eu também estou morrendo de saudades dos meus amigos, porque eu faço a quarentena, sabe… não vejo ninguém, é de casa para o trabalho e do trabalho para casa, mas preciso cuidar da minha saúde mental, o ser humano é um ser de natureza social, não dá para ignorar isso, se não a gente começa a psicossomatizar e acaba ficando doente.

Estou morrendo de saudade dos meus amigos, mas como faço a quarentena só saio uma vez por semana para ir naquela hamburgueria que só permite dez mesas ocupadas por vez, daí tem que ficar esperando do lado de fora, mas não é chato, a gente acaba fazendo amizade na fila de espera com 50 pessoas por 30 minutos.

Fico tanto em casa que acho que estou perdendo as minhas habilidades de interação, então precisei voltar a praticar, reinstalei o Tinder…

Mas fica tranquile, que as motivações são profissionais — preciso recuperar o tempo perdido e aproveitar o Retorno de Saturno para planejar meu futuro financeiro — só encontro um boy depois de ter certeza de que ele faz a quarentena bem certinha, como eu, só topo date em bar vazio e aproveito a conversa pra fingir que estou em uma entrevista de emprego na Era do Novo Normal, com distanciamento e máscara, e só vai para minha casa transar comigo os que eu percebo que usam álcool em gel pelo menos três vezes durante o date — e os que tratam bem o garçom, claro, princípios.

O normal é novo mas algumas coisas precisam ser feitas, também não dá pra noiar, afinal, “a man’s gotta do what a man’s gotta do” — mesmo eu sendo mulher. Então só faço o essencial para sobreviver e falo muito mal do governo, apesar de, às vezes, deixar o capitão bem orgulhoso com o discurso que eu comprei sobre manter a economia viva, a gente não pode deixar nenhuma franquia do McDonald’s fechar!

Meu nome é Thais, esse é o meu relato e, como vocês podem ver, estou a mais 24 horas sem tentar fingir que eu faço uma quarentena que eu não faço, porque na verdade eu faço. Gratidão.

(se for de sua vontade insira aqui um “Tchau, Thais” ou “Obrigada, Thais” em coro, não vou incluir oficialmente porque não tenho certeza de como terminam as reuniões de terapia em grupo, gostaria de ter ido a uma com intuito de pesquisa, para dar veracidade, mas não tenho saído muito)

*esta é uma história de ficção, qualquer semelhança é mera coincidência (não discuta), eu realmente sou a Thais e tenho 29 anos, mas faço a quarentena…

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