O Primitivismo como Inspiração para a Arte Moderna

Fernanda Yuukura
Deadlines
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3 min readSep 30, 2017
Máscara Songye em madeira, República Democrática do Congo.

Para se entender a Arte Moderna, é preciso também entender o contexto histórico em que estava inserida. A Europa do século XIX passava por uma situação social repleta de injustiças e pobreza, na qual refletia o modelo econômico capitalista e burguês ascendido pela Revolução Industrial. Logo, o trabalho manual sucumbiu às máquinas e a religião pela ciência, além dos padrões acadêmicos que enalteciam o virtuosismo e a habilidade artística. Qualquer tipo de arte que se opusesse a esses padrões era tido como inferior. Em contraponto a este panorama, artistas como Coubert combatiam esse modelo de cultura. O que, por consequência, acarretou perseguição e repulsa da burguesia e do status quo, já que estes artistas desempenharam um papel questionador e vanguardista.

O fenômeno do fetiche pelo primitivo que pairava na Europa em decorrência do espírito de aventura, que as Grandes Navegações trouxeram ao velho continente a partir do século XV, alimentou o desejo de encontrar uma linguagem e direção opostas à tradição que os vanguardistas tanto almejavam. Segundo eles, os povos “selvagens”, não europeus, por estarem mais próximos da natureza, conservariam uma força primordial que a “civilização” ainda não dominava por conta de seu refinamento cultural e do controle da razão. Essa força é conceitualizada, essencialmente pelo teórico e historiador alemão Johann Joachim Winckelmann (1717–1768), e definida pela estilização das figuras, frontalidade da representação, assim como uma certa rigidez dos corpos e simplificação dos objetos retratados. A “descoberta” da arte de civilizações ditas primitivas e o contato dos artistas ocidentais com ela serviram como catalizador e um terreno fértil para a revolução estética trazida pela Arte Moderna. As circunstâncias ou onde estas artes haviam sido feitas de pouco importavam aos artistas europeus. O foco era observar o caráter essencialmente visual e não literário que tais artefatos possuíam. Aos cubistas, por exemplo, a arte africana chamava atenção pelo rigor plástico e aos expressionistas pelo aspecto visceral:

“O interesse de artistas como Emil Nolde (1867–1956), Paul Gauguin (1848–1903), Henry Moore (1831–1895), Henri Rousseau (1844–1910), Paul Klee (1879–1940), Henri Matisse (1869–1954), Marc Chagall (1887–1985), Max Ernst (1891–1976), Joan Miró (1893–1983), Amedeo Modigliani (1884–1920), Pablo Picasso (1881–1973), Maurice de Vlaminck (1876–1958), entre tantos outros, por manifestações ditas “primitivas” coaduna-se com o desejo de buscar padrões formais e valores humanos alternativos ao racionalismo da sociedade europeia moderna e sua cultura.”.

Les Demoiselles d’Avignon Pablo Picasso, 1907. A simplicidade das formas influenciou drasticamente seu estilo de pintura, assim como em todo o seu trabalho subsequente.
Máscara africana e autorretrato de Picasso, 1907.

Sendo assim, a dialética do Primitivismo contribuiu na união gerada pelas oposições de elementos oriundos das artes ocidental e “primitiva”, rendendo frutos justamente pela função das diferenças. Acontecimento este sendo fundamental no surgimento de novos caminhos de uma arte rica e diversificada, além de tendenciar como primitiva ou arcaica toda e qualquer manifestação artística que carregasse valores estranhos ou adversos da visão eurocêntrica ou daquelas que sejam vigentes nas sociedades ocidentais economicamente avançadas.

REFERÊNCIAS

ARTE Primitiva. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3183/arte-primitiva>. Acesso em: 30 de Set. 2017. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978–85–7979–060–7

GARCIA, Angelo Mazzuchelli. Descobrimento e Primitivismo. Belo Horizonte: Estado de Minas, 6 de Junho de 1998.

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Fernanda Yuukura
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Designer, ilustradora, fotógrafa. Ao menos tentando.