Articulando o jogo: Estrela Vermelha x Hajduk Split (19/05/1990)

Wendel Osbalde de Noble
Blog De Bate e Pronto
10 min readApr 26, 2018
Estrela Vermelha x Hajduk Split (19/05/1990)

Contexto histórico

O futebol iugoslavo sempre forneceu enormes talentos ao futebol mundial, desde os períodos mais longínquos do esporte. De participação marcante na primeira Copa do Mundo, em 1930, quando foi às semis do torneio, voltou à uma Copa em 1950, numa década em que marcou talvez a melhor geração de futebolistas do país, que garantiram presença nas 3 edições do mundial no período, entretanto sem obter resultados contundentes, o que viria a ocorrer na década de 60, que já começa com o ouro dos Jogos Olímpicos de Roma e o vice na Eurocopa, ambos ocorridos no ano de 1960, com times que marcavam a transição já para uma nova geração que ainda viria a alcançar um quarto lugar no mundial de 1962. Entretanto, a não classificação à Copa do Mundo de 1966 fez com que uma nova geração tivesse oportunidade de mostrar seu valor na Eurocopa de 1968, embora mais uma vez batessem na trave no torneio continental. Daquele time, o principal jogador iugoslavo da história, Dragan Dzajic, já desfilava seu talento pelos campos do futebol.

Assim, os iugoslavos se colocavam no mundo do futebol como uma potência, principalmente no que tange aos talentos por lá revelados, sendo considerado o “Brasil da Europa”. E os anos 80 viriam a reforçar tal ideia. É bom que se diga que entre a segunda metade dos anos 60 e a primeira metade dos anos 80, os iugoslavos ainda tiveram ótimos jogadores, mantendo o nível de produção de atletas. Mas a segunda metade da carismática década de 80 trazia valores que tinham a possibilidade de elevar o patamar do país no futebol, equiparando ao nível dos anos 50.

Expoentes da ótima geração iugoslava, em ordem: Darko Pancev, Dragan Stojkovic, Robert Prosinecki e Dejan Savicevic (Foto: crvenazvezdafk.com)

À época, todas as nações iugoslavas entregavam muitos valores aos clubes, todos jovens, alguns sendo ainda promessas e outros já certezas de futuro brilhantes. Muitas dessas jóias atuavam em dois clubes: Estrela Vermelha e Hajduk Split. O Estrela, maior clube iugoslavo daquele momento e de toda a história, era recheado de jogadores de todas as regiões, que enviavam representantes de qualidade pra todos os setores: a defesa com o bósnio Sabanadzovic e o romeno, de ascendência sérvia, Miodrag Belodedici; o meio com o croata Robert Prosinecki e o sérvio Dragan Stojkovic; o ataque com o montenegrino Dejan Savicevic e o macedônio Darko Pancev. Já o Hajduk contava com uma base praticamente toda croata, mas que não deixava nada a desejar àquele esquadrão do Estrela: Slaven Bilic, Nikola Jerkan, Igor Stimac, Robert Jarni, Aljosa Asanovic e o maior destaque daquela equipe, Alen Boksic, que teriam um futuro brilhante, principalmente pela Seleção Croata, durante as boas campanhas da equipe durante os anos 90.

Aljosa Asanovic (Foto: premierfootballcards.com)

O jogo: primeiro tempo de encher os olhos

Em maio de 1990, essas duas equipes se enfrentavam para decidir quem seria o vencedor da Copa da Iugoslávia da temporada 1989/1990. Naquele momento, o Estrela dominava o quadro nacional, enquanto o clube croata, que compunha junto com seu adversário, mais Partizan e seu rival local, Dínamo Zagreb, o quarteto de grandes da Iugoslávia. Naquele momento, o Hajduk tentava se estabelecer no topo país, ficando em terceiro lugar no Campeonato Iugoslavo em duas temporadas seguidas (1988/1989 e 1989/1990). Portanto, a decisão da Copa reunia dois dos melhores clubes do país do momento, com duas equipes muito jovens e muito promissoras. O que se esperava era uma partida muito movimentada e de bom futebol, o que de fato ocorreu. O sábado ensolarado de 19 de maio na capital iugoslava, reservava uma bela exibição das duas equipes no Partizan Stadium, do rival do Estrela Vermelha.

Embora o favorito fosse o time da capital, foram os croatas que tiveram a primeira boa chance, logo aos 3 minutos, quando Jerkan lança Drazic pela ala esquerda que cruza pra cabeçada de um ofensivo Jarni, obrigando Stojanovic a fazer uma defesaça no canto inferior direito, cena que se repetiria bastante naquela tarde.

Dois minutos depois, o talento do Estrela começa a emergir. Após bela tabela entre Pancev, Stojkovic e Savicevic, o sérvio cruza errado nas mãos do goleiro do Hajduk. Já aos 12, o Estrela mais uma vez chega tabelando ao gol dos croatas, passando pelo pé de Savicevic, Prosinecki e Stosic, que encontra Stojkovic no fundo pra colocar na área em busca de Savicevic. O montenegrino domina sozinho após furada da zaga, mas perde o tempo da batida e é cortado pela defesa.

O Estrela Vermelha fazia jus ao que dele se esperava e exercia sua superioridade na base das trocas de passes e posse de bola, muito por conta do trabalho dos técnicos Prosinecki e Stojkovic, que controlavam o jogo pelo meio, sem dar muito a bola para ataques do Hajduk e buscando sempre chegar com contundência ao gol croata.

Mas o Hajduk não se eximia de buscar o jogo e tentava assustar os sérvios, mesmo que de forma mais individual, considerando a qualidade de seus ótimos jogadores. Numa dessas tentativas, aos 12 minutos, Hadziabic erra o cruzamento e Sabanadzovic recupera a bola, entregando-a para Savicevic armar o contra ataque. Ele sai em disparada pelo meio e dá passe primoroso para Pancev, que com total liberdade pela esquerda, avança em diagonal rumo ao gol defendido por Pudar. O arqueiro não sai do gol pra abafar o atacante e deixa o canto esquerdo exposto para o artilheiro do Campeonato Iugoslavo daquela temporada. Não deu outra: 1 a 0 para o Estrela Vermelha.

Darko Pancev (Foto: twitter.com)

A partir desse momento, o Estrela fica ainda mais à vontade no jogo e o talento de seus craques aflora. Aos 14 minutos, troca de passes até que a bola encontra Stojkovic pelo meio que dá de letra para Prosinecki. O croata avança pelo meio e desfere uma bomba de direita do meio da rua, passando com perigo próxima à forquilha da trave de Pudar. Em seguida, Savicevic domina bola apertada pelo meio, mas resolve levantando a bola e dando um chapéu humilhante em Stimac, que se obriga a fazer a falta. Era evidente o nervosismo do jovem time croata frente ao talento do time da capital.

Robert Prosinecki (Foto: kurir.rs)

Mesmo assim, a valentia do Hajduk era evidente e aos 20, Celic arranca pelo meio fazendo fila, deixa 3 jogadores do Estrela pra trás e finaliza com perigo por cima do gol defendido por Stojanovic, mostrando que ainda tinha muita bola a ser jogada naquele sábado.

Logo em seguida, o Estrela tem falta na intermediária de ataque e Stojkovic cobra com maestria, obrigando o goleiro Prudan a fazer uma defesaça, colocando para escanteio.

O jogo se seguiu sem muitas chances pra qualquer dos lados, com um Estrela tentando chegar de forma mais organizada, estabelecendo a posse de bola em seu favor, com boas trocas de passes, principalmente pelo meio. O Hajduk tentava de forma mais direta e objetiva, com condução de bola, o que não vinha surtindo efeito tão positivo.

Aos 33, Pudar inicia ataque lançando Jerkan pelo meio, que dá passe para Jelicic arrancar. O camisa 7 deixa o marcador na saudade e cruza rasteiro por trás da zaga para a chegada de Asanovic, que finaliza abafado pela saída Stojanovic em seus pés, impedindo o gol numa ótima defesa. Já ao fim do primeiro tempo, os croatas tentam chegar mais uma vez, desta vez pelo meio, na base da raça de Jarni, que vence dividida e sai cara a cara com Stojanovic. O goleiro se agiganta mais uma vez e faz ótima defesa em forte finalização do ponta esquerda.

Nos acréscimos, o Estrela faz pressão e sai com Savicevic pela direita em velocidade, que cruza para Pancev finalizar sem muito ângulo, colocando pra fora, antes do fim da primeira etapa.

O primeiro tempo que viu ótimas chances pra ambos os lados, se encerra também com os ânimos acirrados. O cartão pra Jelicic por entrada dura em Sabanadzovic é simbólico de um final um tanto quanto nervoso. Apesar das duras divididas, o que há mais a se destacar é o ótimo futebol apresentado e as boas chances perdidas pra ambos os lados, além da concluída pelo Estrela, com Darko Pancev. O destaque pelo lado croata é o amarelado Jelicic, que com muita velocidade e bons dribles conseguiu levar muito perigo ao gol do seguro e também de grande primeiro tempo, Stojanovic. Boksic, muito marcado, pouco fez no primeiro tempo. Como dito, o jogo coletivo do Estrela Vermelha, que consegue se manter com a bola a partir de ótimas trocas de passes sempre buscando Stojkovic e, principalmente, Prosinecki, que dita o ritmo de jogo. Defensivamente o time é tão efetivo quanto na frente, deixando pouco espaço pra que o Hajduk evolua, o que faz com que o time croata se obrigue a tentar jogadas individuais, com algum sucesso em determinados momentos, graças a qualidade de seu quarteto ofensivo, composto por Jelicic, Jarni, Asanovic e Boksic. Entretanto, o romeno Belodedici, com a ajuda de Sabanadzovic, oferece muita segurança ao setor.

Segundo tempo: tensão e poucas chances

O segundo tempo teve começo e término semelhantes: morno e com algumas duras entradas. Apesar das duas mexidas do treinador do Hajduk Split, Luka Peruzovic, que promoveu as entradas de Goran Vujevic e Bernard Barnjak, nada de efetivo mudou e o time croata ofereceu pouco perigo à meta do Estrela, com exceção de um escanteio em que Jerkan finalizou sem direção após alçada de bola na área, logo no início.

O Estrela, mais entrosado e com mais talentos em campo, levou mais perigo em finalizações de Pancev, batendo cruzado da esquerda após lindo lançamento de Stojkovic que o encontrou livre pela esquerda, mas acabou desperdiçando. Além desse lance, Juric acertou a trave, após tentativa falha de linha de impedimento da defesa do Hajduk, que deixou o lateral livre pela direita para avançar e bater cruzado, sem chance para o goleiro croata, que só restou torcer pra que a bola não entrasse. Por fim, na última chance clara do jogo, Savicevic desperdiçou na pequena área um ótimo cruzamento de Stojkovic, colocando por cima do gol uma chance claríssima de ampliar o marcador e dar mais tranqüilidade aos sérvios, embora o Hajduk tivesse voltado pouco inspirado dos vestiários.

O fim da partida e o futuro

Jogadores do Estrela comemoram o título (crvenazvezdafk.com)

Ao fim, o resultado permaneceu com a vantagem mínima no placar pro Estrela, que se sagrou campeão da Copa Iugoslava pela décima segunda vez. O Hajduk, segundo maior campeão da competição, ficou com o gosto amargo do vice, embora conseguisse a vingança no ano seguinte, ao derrotar o mesmo Estrela na final e alcançando seu décimo título da competição, se confirmando como segundo maior campeão do torneio, naquela que foi a última edição da Copa Iugoslava, que já via sua dissolução chegando junto com o colapso da ala socialista do mundo.

O Estrela Vermelha, embora derrotado na copa nacional, venceu o grandioso Milan na final da Liga dos Campeões da Europa, na primeira edição do formato que ainda vige para este torneio. O time era basicamente o mesmo da final de Copa da Iugoslávia do ano anterior, com a adição de Sinisa Mihajlovic.

Infelizmente, aquela geração grandiosa, que já havia obtido a classificação à Eurocopa de 1992, acabou sendo excluída da competição antes de seu início, graças à imposição da UEFA devido à guerra que se instaurou no país naquele momento. Com a suspensão, a Iugoslávia também não participou das eliminatórias da Copa do Mundo de 1994, limando as chances dessa ótima geração fazer alguma campanha em nível mundial de maior impacto. Embora tenham disputado a Copa do Mundo de 1990 e feito bom papel, as duas competições seguintes prometiam muito mais.

No entanto, a geração croata acabou trazendo algumas glórias pra região, ao ir às semis da Eurocopa em 1996, obtendo um honroso quarto lugar, além do terceiro lugar na Copa do Mundo de 1998, com muitos destaques de ambas as equipes da decisão de Copa Iugoslava tema dessa postagem. Por outro lado, a nomenclatura Iugoslávia ainda participou de algumas competições, como a Copa do Mundo de 1998, quando alcançou as oitavas de final do torneio, com os já veteranos Savicevic e Stojkovic como destaques daquele time, que à época reunia apenas jogadores sérvios e montenegrinos, a parte do nome e da bandeira que carregavam.

Alen Boksic em ação pela Seleção Croata em 1997 (ogol.pt)

Ficha completa

Estrela Vermelha 1 x 0 Hajduk Split
Data: 19/05/1990
Estádio: Partizan Stadium
Árbitro: Goce Popev

Estrela Vermelha: Stevan Stojanovic; Goran Juric, Slobodan Marovic, Miodrag Belodedici, Ilija Najdoski; Refik Sabanadzovic, Vlada Stosic, Robert Prosinecki e Dragan Stojkovic; Dejan Savicevic e Darko Pancev. Técnico: Dragoslav Sekularac.

Suplentes: Marko Simeunovic, Dusko Radinovic, Dragan Kanatlarovski, Vladan Lukic, Mitar Mrkela.

Hajduk Split: Ivan Pudar; Mili Hadziabic, Slaven Bilic, Igor Stimac, Darko Drazic; Nikola Jerkan, Dragutin Celic, Aljosa Asanovic, Josko Jelicic e Robert Jarni; Alen Boksic. Técnico: Luka Peruzovic

Suplentes: Mladen Pralija, Grgica Kovac, Goran Vucevic, Damir Jurkovic, Bernard Branjak.

Substituições: Igor Stimac por Goran Vucevic, aos 10 minutos do 2ºT e Josko Jelicic por Bernard Barnjak, aos 36 do 2ºT, pelo Hajduk Split.

Gol: Darko Pancev, aos 12 minutos.

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