O Sucessor: Alphonso Davies

Um prodígio canadense para substituir uma estrela do clube

Tom Camargo
Blog De Bate e Pronto
6 min readSep 3, 2018

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Curando cicatrizes

Nada na vida de Franck Ribery foi fácil. Nascido na periferia pobre de Boulogne-sur-Mer, a família de Ribery sofreu um acidente envolvendo um caminhão quando ele tinha apenas dois anos de idade. Seu cartão de boas-vindas de vivência foram 100 pontos e duas longas cicatrizes no lado direito do rosto e a impressão que nada se consegue sem sofrimento, marcas que carrega até hoje, com orgulho. Em uma entrevista à revista alemã SportBild anos depois, já astro do Bayern de Munique, ele relembra “aquilo me tornou mais forte para tudo que veio depois”.

Força que de fato precisou invocar. Seu trajeto ao alto escalão do futebol francês e mundial foi longo e árduo. Sua primeira tentativa em se firmar no futebol profissional no Lille, na época jogando na Ligue 2, terminou em fracasso, com os técnicos das categorias de base dizendo que, embora o ala fosse fisicamente apto a jogar na equipe, pecava fortemente em aspectos “acadêmicos e comportamentais”. Ribery teve que recomeçar do zero, retornando à sua cidade natal e peregrinando entre equipes do futebol de várzea francês enquanto auxiliava seu pai como pedreiro. Subindo degrau-por-degrau, Ribery eventualmente chegou ao Olympique Alès, da terceira divisão francesa, mas logo após sua primeira temporada o time declarou falência e foi rebaixado ao “Division d’Honneur”, equivalente à sexta divisão do campeonato nacional. Seu desempenho foi o suficiente para atrair os olhares do Stade Brest, equipe que havia enfrentado na terceirona. Philippe Goursat, técnico do Brest na época, clamou que Ribery tinha “talento o suficiente para jogar na Ligue 2, e aqui encontrará as condições para provar isso”. Ribery aceitou a proposta do Brest com um salário por volta de 250 euros por mês e provou que, de fato, era bom o suficiente para jogar na segunda divisão. Ou talvez ir um pouquinho além. O “scarface” de Boulogne-sur-Mer carregou a equipe até a segunda divisão logo em sua primeira temporada e foi contratado pelo Metz da Ligue 1. Precisou de apenas meia temporada para receber o prêmio de melhor jogador da liga e ser comparado a Robert Pirès, lenda da equipe. Buscando sempre mais, decidiu não renovar seu contrato com o Metz e partiu para o Galatasaray da Turquia, onde foi apelidado de “Ferraribery”, devido aos seus arranques pelo lado esquerdo do campo, e finalmente conquistou seu primeiro troféu, a Copa da Turquia, após despedaçar o eterno rival, Fenerbahce, por 5–1 na final.

‘Ferraribery’ voando na Turquia (Foto: Pinterest)

A história de amor com o Galatasaray terminou em drama quando Ribery forçou sua saída para jogar no Olympique de Marseille, dizendo que a equipe turca não havia pago seus salários e que havia sido ameaçado por agentes e dirigentes da equipe “armados com tacos de beisebol”. Foram três temporadas em Marselha, culminando no recebimento do prêmio de melhor jogador Francês do ano, quebrando a série de quatro prêmios consecutivos de um tal de Thierry Henry. Querendo chegar mais alto, o francês, desejado agora pelas maiores equipes do mundo, se juntou ao Bayern de Munique na temporada 2007/08. Logo em sua primeira temporada recebeu o prêmio de melhor jogador da Alemanha, sendo apenas o segundo estrangeiro a lográ-lo. Recheou suas prateleiras com oito taças da liga alemã, cinco Copas da Alemanha, uma Champions League e um Mundial. Presidente e figura mais emblemática da história do clube, Franz Beckenbauer clamou que “contratar esse francês foi como ganhar na loteria”. Agora aos 35 anos de idade, o futuro de Franck Ribery no gigante alemão é incerto e diversas contusões podem limitar sua longevidade em campo.

O ‘Scarface’ de Boulogne-sur-Mer brilhando em Munique (Foto: SportsFeed)

Menino-prodígio desde sempre

Alphonso Davies é talvez a promessa mais talentosa que já se viu na MLS e no futebol canadense como um todo. Atualmente jogador e astro do Vancouver Whitecaps, o ala de 17 anos está com sua passagem carimbada para Munique logo que completar 18 anos para se juntar ao elenco do Bayern.

Alphonso Davies em ação pelos Vancouver Whitecaps (Foto: TopDrawerSoccer)

Sua história começa bem longe da Alemanha ou Canadá. Nasceu em Buduburam, um campo de refugiados em Ghana após sua família fugir da violenta guerra civil na Libéria. Passou seus primeiros cinco anos por lá até que se seus pais conseguissem ser aprovados no cobiçado projeto de reassentamento no Canadá. Sua nova casa era a pacata Edmonton, no estado de Alberta. História comum na vida repleta de dificuldades de imigrantes, os pais trabalhavam longas jornadas enquanto Alphonso ia à escola e ajudava a criar os irmãos mais novos. Foi no colégio que o talento de Alphonso começou a chamar atenção. A professora Melissa Guzzo de educação física da Mother Theresa Catholic School lembra que “qualquer esporte que brincasse — corrida, basquete, qualquer um — ele era O cara”.

A professora então decidiu introduzir Alphonso a um programa chamado “Free Footie” que busca treinar jovens de bairros de renda baixa na região de Alberta sem dinheiro para pagar por equipamentos ou até mesmo o transporte público para treinar. Marco Bossio, técnico de uma academia de futebol local, viu Alphonso jogar em um campeonato do programa, reconheceu seu talento e o convidou ao St. Nichols Soccer Academy. Foi então que Alphonso percebeu pela primeira vez que talvez fosse capaz de se tornar um jogador de futebol. O próprio jogador relembra: “Honestamente, eu só tava jogando por diversão e para não me meter em encrenca. Eu não achava que eu era muito bom, mas quando comecei a jogar em campeonatos, pais, técnicos e colegas de equipe me diziam toda vez para não parar de jogar, que eu poderia ser algo especial e eu comecei a acreditar neles. Foi então que comecei a treinar muito mesmo para me tornar profissional”.

Davies vestindo as cores da pátria que acolheu sua família (Foto: ESPN)

O esforço rendeu e a carreira entrou em ascensão meteórica. Ala de extrema velocidade pela esquerda, como um tal francês acima, aos 14 anos se juntou às categorias de base do Vancouver Whitecaps. Se tornou o jogador mais jovem a jogar na United Soccer League, segunda divisão do futebol estado-unidense, aos 15 anos e o primeiro jogador nascido nos anos 2000 a jogar na MLS. Estreou pela seleção canadense com 17 anos em junho de 2017, contra o Curaçao, uma semana após receber sua cidadania canadense. Continuou fazendo história ao se tornar o jogador mais jovem a marcar pela seleção canadense quando guardou dois gols contra a Guiana Francesa pela Gold Cup e também o primeiro jogador nascido no século 21 a marcar em um dos principais torneios internacionais. Para completar seu pequeno livreto de recordes, se tornou a contratação mais cara a sair da MLS quando o Bayern de Munique o adquiriu do Vancouver Whitecaps por 13.5 milhões de dólares, podendo chegar a 22 milhões em bônus atrelados a performance.

Confira alguns do principais lances e marcos em sua jovem carreira:

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