Papo sem chuteira: Weligton

Muniz Junior
Blog De Bate e Pronto
11 min readMar 29, 2019

O eterno capitão, esse é o significado de Weligton Robson Pena de Oliveira para a torcida do Málaga, da Espanha. Paulista, Weligton nasceu em Fernandópolis, mas jamais imaginou que seu futuro seria muito longe do estado de São Paulo. Batemos um papo com o ex atleta, que revelou muitas coisas jamais divulgadas na imprensa, como sua quase vinda para o Corinthians, sua desafeto com Pelegrini, e claro, seu futuro no mundo da bola: Confira a entrevista na íntegra

DBeP: É difícil falar sobre sua carreira e não falar sobre um clube em específico, o Málaga. Tens 17 temporadas como profissional e 10 delas foram em La Rosaleda. O que o Málaga representa pra você?

Weligton: Agradeço a todos os clubes que passei durante minha carreira, mas realmente o Málaga tem um espaço especial. Com o futebol de hoje um jogador permanecer por 10 anos seguidos no mesmo clube é realmente uma coisa rara. O Málaga será sempre o clube do meu coração.

fonte: goal.com

DBeP: Você começou nos anos 2000, pegou a mudança de uma era futebolística e viu o futebol se expandir de uma maneira surreal. As mudanças dentro de campo também ficaram evidentes, com a exigência e cobrança ao extremo e com o futebol se transformando em um negócio com salários astronômicos, atletas como referência em praticamente tudo. Como foi se adaptar a essa mudança?

Weligton: O futebol passou a ser cada vez mais exigente já não deixando espaço para os boleiros (risos). Hoje o futebol te obriga a dar o melhor de você, também é verdade que perdeu um pouco do brilhantismo quando passou a ser negócio.

DBeP: Em 2007 você desembarca na Espanha encontrando um Málaga abatido após a queda na La Liga. Um ano antes você estava no Grasshopper disputando uma Europa League. O que te fez escolher o Málaga?

Weligton: Confesso que a escolha não foi tanto pelo clube, mas sim a certeza de que não queria seguir mais na Suiça. Tanto eu como minha família não nos adaptamos ao clima daquele país. Também futebolisticamente não via uma futuro promissor naquela liga (somente 10 clubes na primeira divisão)

fonte: natter football

DBeP: Em 2010 o Málaga recebe um grande investimento e Al Thani se sagra o presidente do clube. Grandes reforços chegam ao clube, como Júlio Baptista, Maresca, Caballero, Demichelis e em especial (falaremos sobre ele mais tarde) o treinador Manuel Pellegrini. Como vocês, jogadores permanecentes do clube lidaram com essa mudança institucional? Em algum momento você teve receio de ser negociado?

Weligton: Essa é uma pergunta muito bacana e vou contar algo que poucas pessoas sabem. Houve muitas contratações após a chegada do sheik, como você mesmo citou. Tivemos uma reformulação muito grande no clube. Todos os atletas do ano anterior corriam sério risco de não permanecer e foi o que aconteceu com muitos companheiros. Tivemos atletas com o contrato encerrado, atletas vendidos e muitos atletas emprestados, tudo isso porque a qualidade do clube subiu e junto com isso veio a pressão pelo fato de termos um investidor no clube. Tudo isso fez com que a expectativa em cima de nós jogadores fosse a mais alta possível. Meu caso foi muito especial e peculiar, o Pelegrini queria trazer Gabriel Milito, que estava prestes a sair do Barcelona, zagueiro também canhoto e que jogava na minha posição. Então eu já havia ouvido rumores por parte da imprensa, companheiros e até pelo próprio treinador. Mas coincidência ou não, na mesma semana o ex atacante Gil (com passagens por Goiás, São Paulo, Botafogo) começou sua carreira como empresário, e ele me chamou, com a possibilidade de retornar ao Brasil e atuar pelo Corinthians, mas a transferência teria que ser sem custo algum, então eu teria que falar com o clube, porque naquela época eu tinha mais 2 anos de contrato e não sabia se conseguiria sair. Durante o final de semana, jogamos em casa e empatamos em 1x1 com o Athletic Bilbao. Nesse mesmo dia, o Pelegrini me chamou para uma reunião em sua sala afim de mostrar o gol de empate do Bilbao, e nós sempre treinamos que não podíamos entrar na área até que o adversário cobrasse a falta. O gol foi no 2° pau, e eu estava no 1°, ou seja, a falha foi do Demichelis, mas ele acabou me culpando. Nesse momento nós discutimos, ele falou que não contava comigo e que falaria com a diretoria, que não precisaria treinar mais porque não vestiria mais a camisa do Málaga. Assim que a reunião acabou, peguei meu telefone e liguei para o Gil, expliquei a situação e falei: “Gil, estou livre. O treinador não conta mais comigo”. O Gil prontamente me disse: “fechado, vou ajustar as coisas pra sua viagem e encaminhar tudo para que você possa atuar pelo Corinthians”. A noite o Gil me liga desesperado, dizendo que a negociação havia sido cancelada. Imagina como fiquei!? Desesperado, nem dormi aquela noite pois sabia que certamente estaria desempregado. No dia seguinte, como não tinha nada definido fui para o treino normalmente e o Pelegrini me chamou na sua sala novamente. Ele começou dizendo que deveríamos fazer as pazes porque ele falou com a diretoria e a mesma lhe respondeu que eu era um jogador imprescindível ao clube, e que eles não me deixariam sair. Nesse momento nos acertamos e continuei meu trabalho, segui como titular e continuamos nossa jornada.

fonte: ogol.com.br

DBeP: O grande objetivo do presidente e obviamente dos atletas era fazer com que o Málaga disputasse uma competição européia, e um ano depois vocês estavam disputando a Champions League. Os reforços? Saviola, Roque Santa Cruz, Toulalan, Isco, Monreal, Lugano, Joaquin, etc … Foi o melhor grupo que você já fez parte? Como era integrar esse elenco recheado de excelentes jogadores?

Weligton: Realmente o presidente fez um investimento inicial com a compra do clube e algumas outras coisas. Tudo isso somou mais de 160 milhões de euros e se criou uma expectativa muito grande na cidade, na imprensa, nós já éramos vistos como um clube grande, que buscava objetivos mais alto. Mas também foi um pouco peculiar porque no ano anterior da classificação da Champions ficamos três meses sem receber. Alguns jogadores quiseram entrar na justiça pra pegar o passe livre, e depois de tantas reuniões a gente chegou num acordo com a diretoria, renegociamos essa dívida e decidimos lutar dentro de campo, porque a única forma de sair daquela situação difícil eram com os resultados, e foi isso que aconteceu, nós jogadores e o treinador nos empenhamos e nos dedicamos somente ao futebol e então conseguimos entrar nas preliminares da Liga dos Campeões. Perfeitamente, enfrentamos o Panathinaikos, passamos e conseguimos a inédita tão sonhada classificação para a Liga dos Campeões. Em relação a contratações de jogadores foi algo bonito e muito especial. Eu particularmente via jogadores tão famosos pela pela televisão e de repente você começa dividir vestiário com eles, então sem dúvida foi uma satisfação muito grande e um aprendizado incrível.

fonte: telegraph.co.uk

DBeP: 22 de Agosto de 2012, O Málaga recebia o Panathinaikos pelos play-offs da Champions League e você, juntamente com o seu clube estreavam na competição. Como foi esse momento?

Weligton: Cara, imagina!? Você está em um clube onde normalmente briga para não cair. Apesar do Málaga ser considerado um clube grande estava passando por momentos de dificuldade. Então nos últimos anos, sempre que subíamos, o objetivo sem dúvidas era primeiro permanecer na elite, e você não só permanecer como se classificar para uma champions enfrentando um clube do tamanho do Panathinaikos é uma emoção muito grande, com certeza aquele dia foi de arrepiar.

DBeP: Invicto na fase de grupos (3V e 3E) em um grupo com Milan, Zenit e Anderlecht. Remontada diante do Porto nas 8° e uma eliminação que veio nos 3 minutos finais contra o futuro vice-campeão do torneio (Borussia Dortmund).Infelizmente você estava suspenso e não jogou aquele jogo no Signal Iduna Park. Mas como foi ser eliminado daquela forma tão traiçoeira?

Weligton: Foi maravilhoso, uma sensação diferente. Tem clubes que são feitos pra essa competição: Real Madrid, Barcelona, Atlético de Madrid … Então imagina um clube pequeno, que nunca sonhava com isso entrar numa fase de grupos da Liga dos Campeões e contra os adversários que você mesmo citou: Milan, Zenit … E conseguir passar da fase de grupos foi algo espetacular, maravilhoso. Encaramos o Porto, clube que já conhecia muito bem pelo fato de atuar 3 anos em Portugal (Penafiel), então sabia do potencial do clube. O jogo de ida acredito que foi o pior jogo da minha vida em termos táticos e técnicos, não conseguimos dar 3 passes seguidos durante os 90 minutos, parecia um treino ataque/defesa, e saímos vivos do Dragão, com o resultado de 1x0 e dependendo só da gente em casa. E em casa conseguimos fazer valer o nosso mando e passamos. Contra o Borussia, eles deram um banho tático e técnico na gente, se fossemos para o vestiário tomando 3x0 não seria nenhum absurdo e mesmo assim conseguimos um bom resultado. Infelizmente tive que ficar de fora devido a suspensão. Como era um momento único, no dia do jogo todos viajaram, até mesmo quem estaria de fora da partida. Foi bastante engraçado porque ficamos no lado da bandeirinha de escanteio do outro lado onde nosso banco de reservas estava posicionado então tínhamos que atravessar praticamente toda a arquibancada, isso demorou uns 15 minutos e lembro como se fosse hoje, os meus amigos do Brasil mandando mensagens parabenizando pela classificação e o impossível aconteceu. Acho que foi a pior derrota que tive como profissional. Porque foram dois gols escandalosos, a sensação mesmo, usando todas as palavras é de roubo, viemos pra casa indignados e até hoje essa espinha está guardada.

fonte: band.uol.com.br

DBeP: Para administrar um clube com tantos craques, é preciso um treinador competente e cascudo. Pellegrini foi esse cara, e mais do que isso. Bom, você sabe muito mais do que eu, então por favor, quem foi Pellegrini para o Málaga e o que ele representa para você?

Weligton: Pra mim foi especial, talvez jogadores como Júlio Baptista, Joaquín, Demichelis já estavam acostumados com esse nível de treinador. Como disse, tive um começo conturbado até porque ele já veio com um projeto na cabeça de formar o time dele, de contratações … Treinador desse nível, quando aceita um projeto é porque nesse projeto inclui contratações de certo peso. Então acredito que ele previa contratar um jogador pra minha posição e acredito que aí ele foi pego de surpresa porque graças a Deus tinha uma instabilidade, meu nome aqui dentro e o clube nunca abriu mão de contar com os meus serviços. Mas depois, ao final da sua trajetória o próprio Pelegrini me deu os parabéns e disse que a dupla Weligton/Demichelis foi umas das melhores duplas de zaga que ele teve durante toda a carreira, então isso pra mim marcou bastante e me enche de orgulho. Aprendi muitas coisas com ele, se Deus quiser no futuro a minha intenção é ser treinador e com certeza parte do que eu sei devo muito ao Pelegrini.

DBeP: Um ano após aquela campanha, ouve uma reformulação no elenco e muitos atletas deixaram o clube. Você também pensou em sair? Ouve alguma oferta de algum clube europeu ou até brasileiro mesmo?

Weligton: Falamos sobre isso até hoje, é como você receber uma ferrari e não ter condições de mantê-la, e assim aconteceu com o Málaga, acho que foi um planejamento errado em gastar todo o dinheiro nos dois primeiros anos e depois abandonar essa injeção de investimento. Eram jogadores que tinham salários astronômicos e o clube não gerava essa renda pra poder sustentar tudo isso. Então chegou um ponto onde se tornou insustentável e o Málaga teve que começar a abrir mão desses jogadores. Eu sempre tive um sonho de poder atuar em um clube grande no Brasil, temporada após temporada eu tinha a vontade de regressar, mas aqui sempre tive boas condições, bons contratos. Durante esses anos contruí uma linda família com minha esposa e duas filhas e também acompanhando a situação que o Brasil atravessava e atravessa té hoje em questões de educação e segurança a vontade de permanecer acabou pesando e optei por seguir aqui, e graças a Deus não me arrependo, tive oportunidade de ir para outros clubes, mas eu e minha família estávamos tão bem que decidimos criar raiz e permaneci nesse clube, marquei meu nome na história desse clube e serei lembrado pra sempre.

DBeP: Durante 3 temporadas você formou uma dupla espetacular com Martín Demichelis. Foi o melhor companheiro que você teve?

Weligton: Foi especial porque vivemos o melhor da história do clube, na minha opinião o que mais me marcou foi quando subimos para a 1° divisão, pra mim o acesso foi mais importante do que disputar a Champions League. Então acredito que o companheiro que mais me marcou foi o português Helder Rosário.

DBeP: Na temporada 16/17 você deixou o futebol. Anos depois o Málaga novamente caiu para a LaLiga 1|2|3! Hoje ocupa a 4° colocação e conta com bons desempenhos individuais como Adrián González, Gustavo Blanco e Harper por exemplo. Quais os pontos ainda precisam ser melhorados para uma possível promoção do Málaga para a temporada 19/20?

Weligton: Somos sérios candidatos a retornar a LaLiga, porém é muito difícil, acredito que quanto menor a divisão, maior as dificuldades em questão de campo, viagens, torcidas (apesar que a segunda divisão aqui na Espanha é melhor que muitas primeiras em vários países). O Málaga fez um time pra subir, mas a segunda divisão é bastante equilibrada, há bastante equipes com o mesmo objetivo, mas estamos vivemos, estamos a poucos pontos da zona de classificação e acredito que o Málaga retornará sim a primeira divisão, que é o lugar onde nunca deveria ter saído.

DBeP: Quais são seus planos a médio/longo prazo com o futebol? Pretende trabalhar no Málaga por muitos anos ou pretende fazer algo aqui no Brasil?

Weligton: (risos) Essas são as perguntas que faço pra mim mesmo depois que deixei o futebol. Há momentos onde quero ser treinador, outros momentos onde quero ser diretor, outros momentos onde quero ser empresário … Mas uma coisa é certa, o meu futuro passa pelo futebol, isso é impossível, é algo que amo de paixão e que quero fazer o resto da minha vida. Agora, depois de encerrar a carreira eu dediquei minha vida a minha família antes de começar uma nova etapa. Estou estudando, aqui são 3 níveis para ser treinador, fiz 2, me falta o último. Fiz o curso de diretor esportivo, e também tenho a possibilidade de montar uma agência de representação de jogadores, então está tudo sobre a mesa, vamos ver o que Deus tem preparado pra mim.

Confira alguns momentos de Weligton com a camisa do Málaga:

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Muniz Junior
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Pai da Melina, Co-fundador e Apresentador no GreNal Total. Analista de desempenho pelo @futebolinterativo.