Papo sem Chuteiras: Adílio

Um dos grandes ídolos flamenguistas da história bateu um papo raiz com o De Bate e Pronto

Lucas Parolin
Blog De Bate e Pronto
7 min readOct 1, 2018

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O torcedor flamenguista certamente não tira Adílio da cabeça, seja por seu gol na final do Mundial de 81, pelo gol na final do Campeonato Brasileiro de 1983 ou até pelo famoso “gol ioiô” contra o Vasco na final da Taça Guanabara de 1982.

Hoje um senhor de 62 anos, o ex-meia com mais de 20 anos de aposentadoria no futebol falou com o De Bate e Pronto sobre os mais variados assuntos, desde as memórias do Mundial, da fama de goleador (que o impulsionou a 12º maior goleador da história da Gávea), de passagens por outros clubes e até de sua tentativa de virar deputado federal. O meia mostrou ímpar simplicidade e objetividade — qualidades também presentes em seu futebol. Confira abaixo:

O menino da Gávea já não é mais tão menino, mas é ainda muito querido (Foto: Terceiro Tempo)

DBeP: Você é um dos maiores ídolos da história do Flamengo. Como é a sua relação com o clube hoje em dia? Você costuma frequentar o estádio em dias de jogo, por exemplo?

Adílio: Hoje em dia, sou funcionário do clube. Na parte social, ainda cuido de uma associação de jogadores, a Flamaster, onde estão envolvidas todas as gerações que passaram pelo Flamengo. Quanto aos jogos, vou sempre com toda a família!

DBeP: A torcida se lembra de você com muito carinho. Um torcedor que entrevistado pelo blog disse que você “jogava sem ficar olhando pra bola, com altivez e grande estilo. Um maestro numa orquestra muito afinada.” O que receber um elogio desses significa pra você?

Adílio: Significa muito. No começo da carreira, vêm as comparações com outros grandes jogadores e aí você vai adquirindo o estilo próprio, onde a melhor performance é o caminho. Ouvir isso me dá uma sensação que o trabalho foi bem realizado!

DBeP: Você tentava imitar algum grande jogador da sua juventude?

Adílio: Claro que sim, sempre tentei imitar. Lembro-me de ouvir os jogos do Santos pelo rádio . Eu imitava os dribles de Pelé e suas arrancadas passando por todo mundo até chegar ao gol. Imitava também as matadas no peito de Silva Batuta, os dribles curto de Dirceu Lopes e a ginga de Paulo César Caju.

DBeP: Apesar de jogar no meio-campo, você era goleador — tanto que até hoje é o 12º maior goleador do Flamengo. Você também marcou muitos gols decisivos, como o na final do Campeonato Brasileiro de 83 e na própria final do Mundial de 81. O que fazia de você um jogador com faro tão artilheiro? Você jogava sempre pensando no gol? A vontade de fazer gol aumentava nas finais?

Adílio: O pensamento era primeiro achar um jeito de deixar alguém na cara do gol, e depois fazer penetração para chegar até o gol através de tabela. Em finais, a concentração aumentava, pois a única oportunidade tinha que ser aproveitada. Concentração, velocidade de raciocínio, oportunismo e a habilidade de antever lances sempre foram base pra definir uma partida: era só acreditar!

Campeão Mundial (Foto: Torcida Flamengo)

DBeP: Vamos falar agora do seu maior título: o mundial de 81. Como foi aquele dia? Muito frio na barriga e ansiedade? Como foram as horas antes do jogo contra o Liverpool?

Adílio: O título mundial foi o dia da realização que coroou todo um trabalho onde se definiu a geração que impulsionou o fortalecimento do futebol brasileiro. Antecedendo o jogo, todo o grupo estava ansioso e sabedor que trabalhamos muito pra chegar até ali. Nada ia nos parar de realizar os nossos sonhos. Sabíamos que o Liverpool era um time fantástico, mas a nossa fome era maior. Isso foi visto no primeiro tempo: mostramos aplicação tática, determinação, posse de bola, e, mais importante, vontade de vencer. Isso eliminou tudo que antecedia o jogo, era só pensamento positivo! Resultado: campeão mundial!

DBeP: Você, claro, fez um dos gols daquela final. Qual é a sensação de fazer um gol numa final de Mundial?

Adílio: Vejo desta maneira: fui abençoado por Deus. Aquele garoto que pulou o muro pra entrar no seu clube de coração marcou o segundo gol na final do Mundial! Só podia estar escrito. Cumpri minha missão!

DBeP: Aquele time de 81 era muito unido, né? Fale um pouco da amizade entre vocês.

Adílio: Nossa amizade era simples, familiar. Quando se fala de um, mencionamos o nome de todos. Tudo era feito em grupo. Por isso que, quando se entrava em campo, o trabalho de posse de bola era perfeito.

Amizade com Zico extrapolou os campos (Foto: Lance!)

DBeP: Um dos seus melhores amigos pessoais é o Arthur Coimbra, o Zico. Como é ser um dos grandes amigos de um dos melhores jogadores da história do futebol mundial?

Adílio: Eu sou do tempo em que se falava em dupla com características que só podiam dar certo: Pelé e Coutinho, Tostão e Dirceu Lopes, Leivinha e César, Silva Batuta e Almir Pernambucano, Roberto Miranda e Jairzinho, Zico e Geraldo…é aí que eu entro, sintetizando o valor da tabelinha dentro e fora do campo e fortalecendo a amizade! Me lembro que dentro do campo, havia uma química que um completava o outro numa tabela, num passe ou num lançamento: o futebol-arte proporcionava isso. Fora de campo, sempre tivemos aquela amizade de irmão, porque a bola proporciona essa irmandade!

DBeP: Outro grande clube que você jogou foi o Coritiba. Como foram seus anos por lá?

Adílio: Foi uma passagem muito boa, onde tive a oportunidade de fazer outros amigos! A parte curiosa ocorreu antes de ir pro Coritiba: eu estava treinando entre os reservas do Flamengo e alguns jogadores estavam fazendo teste para entrar na equipe. Foi quando descobri o Milton [DBeP: ex-jogador que compôs o elenco da seleção brasileira nas Olimpíadas de Seul, em 1988]. Falei para os dirigentes do Flamengo sobre o bom jogador que ele era, mas eles não aceitaram. Eu então o levei para Curitiba, onde ele se tornou a grande revelação do Campeonato Brasileiro e foi até convocado pra Seleção Brasileira. Quando me ligaram do Flamengo novamente, só pude dizer que o Milton já estava negociado para um time italiano! [DBeP: Milton partiu para o futebol italiano em 1988 para defender o Como, depois foi jogar na Suíça e jamais retornou para um clube brasileiro]

Não foi só Flamengo: Adílio também jogou no Coritiba (Foto: Historiador do Futebol)

DBeP: Muitos argumentam que você teria agregado muito nas equipes que participaram das Copas de 78 e 82. Porém, claro, você não foi a nenhuma delas. Na verdade, você teve, no geral, poucas chances na seleção. Essa é uma frustração para você?

Adílio: Meu caminho era chegar na seleção brasileira e disputar uma Copa do Mundo. Em 78, me disseram que eu era jovem demais. Em 82, me falaram que se eu jogasse bem contra a Alemanha [DBeP: Adílio foi titular da seleção em um amistoso contra a Alemanha em 82, no Maracanã], estaria na Copa do Mundo. Joguei, fui o melhor jogador em campo e dei o passe pro Júnior fazer o único gol. Faltou alguém que confiasse mais em mim. Porém, fui campeão do mundo pela seleção brasileira no futsal na Holanda, então ficou tudo resolvido!

DBeP: Fale sobre a transição dos campos para as quadras e um pouco do título da Copa do Mundo de Futsal.

Adílio: A transição foi perfeita, acima do esperado. Lembro-me quando fui pra treinamento na quadra do Bradesco. Parecia que todo o time já conhecia a forma de jogar comigo, pois o futsal foi meu início no futebol e conduzir a bola partindo pro drible que sempre foi meu forte, tanto no campo e quanto no salão. Na questão física, lembro que o professor ficou surpreso com a minha condição, que também era o meu forte . Quando começou a competição, já vimos que a combatividade e o entrosamento da equipe nos levariam à final. Pegamos a Argentina na fase de grupos, passamos e sentimos que qualquer seleção que viesse no nosso nível de entrosamento já estaria em alta dentro da competição. Na final contra a Holanda, o fator-chave foi a atenção e determinação dentro de um espaço curto. O título veio pra divulgar o futsal para o Brasil e tenho muito orgulho de ter sido parte disso!

Adílio campeão do mundo de futsal e ao lado do ex-presidente da CBD e da FIFA, João Havelange (Fotos: acervo pessoal)

DBeP: Em 2010, você se candidatou ao posto de deputado federal e recebeu mais de 6,5 mil votos. Como foi essa experiência? Você voltará a se candidatar no futuro?

Adílio: O contato com o povo me emocionava a cada visita nas cidades. Uma que ficou marcada foi quando visitei uma casa de um flamenguista, toda decorada de Flamengo. Chegando lá, fomos atendido pela mulher dele que dizia que ele estava doente e com dificuldades de levantar da cama. Insistiram, dizendo que quem estava lá para vê-lo era “o Adílio do Flamengo”. Ao ouvir isso, ele se levantou, me abraçou, me agradeceu e ainda me trouxe refrigerante e água pegou. Ele até pegou peso, arrastando o móvel do lugar! Sua mulher ficou de boca aberta, sem entender da onde vinha aquela força que lhe impulsionou a fazer tal feito. Expliquei: “isso é Flamengo!” Portanto, valeu a pena pela experiência e contato com o povão! Porém, não penso em me candidatar outra vez.

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