Papo sem chuteiras: Perdigão

Lucas Aron Nogas
Blog De Bate e Pronto
12 min readApr 17, 2018

Cleilton Eduardo Vicente, você conhece este nome? Não? Talvez conheça o seu apelido: Perdigão. Sim, o volante campeão do mundo pelo Internacional em cima do Barcelona de Ronaldinho deu uma entrevista exclusiva para a gente e nos contou sobre diversos assuntos interessantes da sua carreira dentro e fora de campo.

O “piá” Curitibano que sonhava em ser jogador de futebol e, como poucos, teve grande êxito em sua carreira. O jovem Perdigãozinho, apelido que ganhou devido ao seu pai trabalhar em um frigorífico da marca Perdigão, com algum tempo se tornaria um volante de grande qualidade técnica e campeão de tudo, assim como o seu espelho, o atacante Tostão.

Oriundo do Boqueirão, bairro da Zona Sul de Curitiba, o jovem Perdigão demorou um pouco para despontar no cenário nacional, passando por diversos clubes do Paraná, Santa Catarina e, por fim, o Rio Grande do Sul. Em sua fase mais vitoriosa da carreira, não fez feio, sendo um dos protagonistas no título da Libertadores da América e do Mundial de Clubes pelo Internacional. Nada mal, não é?

Acompanhe abaixo a entrevista exclusiva feita pela equipe do De Bate & Pronto com o ídolo colorado e grande mestre na arte da resenha, o grande Perdigão!

Foto: Eduardo Deconto/GloboEsporte.com

DBeP: Antes de começar falando do campo, gostaria de fazer uma pergunta sobre o seu passado. Como era o Perdigão torcedor quando “piá”, como pequeno coxa-branca? Você ia aos jogos do seu time do coração? Participava da torcida?

Perdigão: Eu não sei quem falou pra você, se você viu em alguma matéria, mas eu era Coxa mesmo. Quando eu era pequeno, o Pinheiros e Colorado (hoje Paraná Clube) ainda existiam, daí tinha o Coxa e o Atlético e eu acabei torcendo pelo Coritiba. Eu ia direto (aos jogos), quando tinha condições a gente ia. Mas ia DAQUELE jeito, né. Entrando escondido pela porta dos ônibus, furava catraca, chegava no Couto com meus amigos e pedia pra cuidar dos carros na rua. Tinha um lugar, que muita gente que não tinha dinheiro pra pagar a entrada pulava, era um canto onde hoje em dia tem a churrascaria do Couto, a gente pulava e caia dentro do banheiro. Era bem arriscado, mas era interessante, brinca o ex-jogador sobre suas aventuras de quando invadia o estádio.

DBeP: Nessa época de garoto você devia ter diversos jogadores em que você se espelhava, certo? Quais eram seus ídolos de infância? E você conseguiu jogar com algum deles?

Carlos Alberto Dias nos tempos de Paraná — Foto: Antonio Costa

Perdigão: Gostava do Tostão, tinha uma qualidade acima da média. Daí depois, comecei a gostar também do Carlos Alberto Dias. Anos depois ainda tive a oportunidade de jogar com ele no Paraná.

DBeP: Entrando na sua vida de jogador. Como foi esse início, final da década de 90? Você dava início a sua profissão em um momento de grande mudança no futebol do Estado. O seu time, o Pinheiros, estava em um momento de fusão com o Colorado, virando a máquina tricolor da década de 90. Como foi estar envolvido nesse grande momento do futebol paranaense?

Perdigão: Na verdade, nessa época que teve a fusão dos dois times, eu havia saído do Pinheiros, por motivos pessoais e aí eu fiquei quase um ano fora. Quando eu voltei, já havia acontecido a fusão, daí eu voltei pra lá. A maior diferença era que os grandes jogadores da época gostariam de vir jogar aqui. Era um clube que ficou visado, os holofotes estavam nele, principalmente com as conquistas que estavam vindo. Mas na verdade, na minha época, eu e o pessoal, o nosso sonho era jogar bola, não havia uma grande pretensão de nada. A gente gostava de se divertir, mas com o tempo, a coisa começou a ficar mais séria né. Mas o tempo de Paraná foi importantíssimo pra mim, foi um tempo de aprendizado que eu tive e acabei pegando muitas coisas boas naquele tempo de tricolor.

DBeP: Após essa ascensão estadual, você foi para um rival do Paraná, o Atlético. Como foi essa mudança? Ouve muita rejeição na época por parte da torcida? E você, como Coxa Branca, sentiu algum sentimento diferente ao jogar no rival? Ou quando deu início a sua carreira de jogador esqueceu essa coisa de torcedor?

Perdigão: Quando fui para o Atlético, foi uma situação bem inusitada, bem estranha. Eu estava com a seleção sul-americana de Junior, no Chile, e o meu pai vivia mandando mensagem falando sobre o Atlético, sobre a oportunidade de jogar lá, mas eu não acreditava muito não. Daí quando eu voltei — numa quinta eu acho — pensei, “vou tirar uma folga e volto na segunda”. Aí, um dia depois, o Paulo Miranda passou por mim de carro, buzinou e disse: “vamo treina!”. No início eu estranhei o chamado e disse que só ia na segunda. E ele, “não, agora não somos mais do Paraná, você foi vendido”. Daí meio sem entender nada, fui.

Já na questão de torcida não teve nada não. Pois mesmo trocando de time, eu era Curitibano, o pessoal não pegava no meu pé por ser do Estado. Se ser Coxa me atrapalhava? Não atrapalhou. Na época que subi pro profissional eu já larguei mão disso e comecei a torcer pelo clube em que eu atuava, acabei deixando a minha paixão pelo Coritiba de lado e me tornei Tricolor da Vila, tanto que continuo sendo até hoje.

DBeP: Li que entre 98 e 2000 você jogou fora do país, no Belenenses, né?! Como foi essa experiência?

Perdigão: É, na verdade eu fui em 98. Fui para o Belenenses, de Portugal. Um clube maravilhoso de Lisboa. Um clube centenário, maravilhoso mesmo. Antes do Boavista ser campeão, era o único time tirando os três maiores, Sporting, Porto e Benfica, a ser campeão da Liga. E foi um grande aprendizado, eu tinha 20, 21 anos, eu era moleque. Era um momento importante da carreira, foi uma passagem bem bacana. Subimos o clube para a primeira divisão e foi uma experiência muito boa, com a cultura e tudo mais. Lá tive alguns imprevistos e eu não pude continuar, mas tenho até hoje um carinho muito grande por este clube que me ajudou muito.

DBeP: Voltando ao Brasil, finalmente chegamos na década mágica para você, eu imagino. O início dos anos 2000. Uma década com um início difícil em clubes de menor expressão e posteriormente obtendo uma sequência de sucesso com o Caxias, 15 de Novembro e posteriormente o Internacional.

15 de Novembro de Campo Bom — Foto: Reprodução

Falando primeiramente do 15, time que fez com que você saltasse de patamar indo para o Internacional. Qual a sua relação com o clube hoje em dia? Tem contato com os jogadores da época? Boa parte deles tiveram uma boa ascensão nacional e até internacional, por exemplo o Ediglê com você em 2006.

Perdigão: Ah, o XV foi um divisor de água na minha carreira. No início eu fiquei meio receoso de ir, pois o pessoal tinha aquele medo do Gauchão por ser um campeonato mais de pancada, mais pegado e eu fiquei meio assim por ser um jogador mais técnico. Mas acabei indo e tive uma boa relação com o time, com a torcida e com a cidade. Também tive uma boa história na questão futebolística lá. Infelizmente não conseguimos coroar o trabalho de 2004, saindo na Semifinal da Copa do Brasil pro Santo André, que viria a ser campeão em cima do Flamengo. Já no meu segundo ano, em 2005, a gente chegou muito próximo de conquistar o título do estadual, mas acabamos perdendo a final para o Internacional. Hoje infelizmente, pelo que eu sei, o clube não disputa mais competições federadas.

Quanto aos atletas daquela época, eu tenho contato sim. Temos um grupinho do pessoal lá de Campo Bom. Eu, o Canhoto, meu compadre, sou padrinho de casamento dele, tem o Ediglê e o Edmilson que foram para o Inter junto comigo. Tem bastante gente, Maicon, Oscar. Praticamente todo mundo desses dois anos esta lá. Estamos vendo para organizar uma festa no fim do ano para relembrar esses bons momentos com o pessoal.

DBeP: Após este período de grande sucesso em um time de interior, você e alguns companheiros foram para um clube grande, que é o Internacional. Um sonho para diversos jogadores, principalmente os que atuam no Rio Grande do Sul. Como foi chegar naquele ambiente?

Perdigão: Quando você tá representando um clube com a grandeza do Internacional, já é motivo de festa, de orgulho. Saí de um clube gigante que é o Paraná, o qual tive uma excelente base lá e fui para o Atlético que é um grande clube. Eu tinha uma boa base, estava bastante rodado e cheguei no Internacional. Cheguei lá com 27, 28 anos, se não me engano. Com essa idade o jogador tá pronto, sabe o que fazer e quando fazer em uma partida.

DBeP: E outra, quando você chegou e conquistou tudo no inter. Quando foi que a ficha caiu pra você? “Pô, eu participei de uma conquista da América e Mundial”.

Fonte: GloboEsporte

Perdigão: A questão de ser campeão da América foi importantíssimo. Foi o primeiro título desse nível do Internacional. Posso até tentar te explicar como é a sensação, mas você não vai entender (risos). Todo mundo pergunta, mas só quem tá lá e sente, sabe como é. Não tem como explicar. Sensação única, você se sente “o cara” mesmo (risos). Todo mundo te ovacionando, te chamando, fazendo loucuras para chegar perto de você. O Mundial foi a mesma coisa, a gente estava muito confiante, em consequência disso fizemos um bom trabalho. Conseguimos um feito que era difícil de alguma equipe sul-americana conseguir. Depois do Corinthians em 2012, essa distância aumentou ainda mais e não vai ser fácil de fazer o que foi feito nos últimos anos pelos dois clubes. Mas enfim, a sensação é indescritível. Mas a melhor sensação mesmo é a recepção do torcedor colorado, é um carinho enorme até hoje. Não tinha um time melhor para conquistar todos esses títulos, pois o Inter é uma nação.

DBeP: Após essa passagem vitoriosa em território gaúcho, você participou de um Corinthians em reconstrução. O início de tudo que vemos hoje, um time que saiu de uma situação complicada e hoje se tornou um gigante brasileiro e bi-campeão do mundo. Como foi jogar num time com a grandeza do Corinthians em um momento em que vivia uma grande pressão? (Por estar na série B).

Perdigão: O sentimento era de jogar como sempre joguei. Eu era pago pra isso. Quando chegamos num clube, a gente conhece a história dele, tenta interagir e se adaptar o máximo possível ao estilo do time. Foi um momento complicado. Em 2007 o time caiu e sobrou poucos jogadores, Felipe, Dentinho, Lulinha e mais uns cinco. Todo o elenco foi renovado praticamente. E eles agiam (a torcida) como se a culpa fosse nossa, faixa de cabeça pra baixo, muitos protestos, aquele negócio de “tem que subir, senão…”. Enfim, pressão. Mas as coisas rolaram naturalmente, o grupo era bom. O clube deu todas as condições. A torcida era fantástica. Fizemos um belo trabalho em 2008, subimos o time de divisão, campeões brasileiros da série B, mas infelizmente perdemos na final da Copa do Brasil pro Sport. Mas, sem dúvida, foi um clube que me marcou bastante, só tenho a agradecer por ter jogador no Sport Clube Corinthians Paulista, que é um clube gigantesco.

DBeP: Perdigão, qual era sua relação com os treinadores? Com a torcida e jogadores era só resenha mas e com a chefia? Mesma coisa? Vi que você era o homem de confiança do Mano Menezes. Sendo comandado por ele no XV, Caxias e posteriormente no Corinthians. Qual a sua relação com o Mano, por exemplo? E falando mais especificamente sobre ele, você acha que foi injustiçado após aquela falha no jogo contra o Santos?

Perdigão: A minha relação com os treinadores sempre foi fácil de lidar. Era um cara que jogava muito, um cara do bem. Não reclamava de nada, se tivesse no banco eu estava feliz, se tivesse jogando eu estava feliz. Sempre procurando espaço, sempre querendo jogar.

foto: GazetaPress

A questão do Mano, eu não tenho nada contra ele. Ele segue o caminho dele, eu sigo o meu. Trabalhamos juntos em três clubes, como você disse. O que posso falar é que ele é um baita treinador em termos de qualidade de campo. Ele é um dos melhores que trabalhei. Mas, infelizmente, em relação ao extracampo… eu não tenho nada pra falar dele não. O importante é que quando ele precisou de mim, eu tive a disposição. Não atrapalhando ele em nenhuma situação. A relação é essa. Trabalhamos no XV, tivemos uma relação boa, depois no Caxias também, daí no Corinthians. O futebol é dinâmico, muita gente, a vida segue, ele na dele, eu na minha. O importante é que a carreira foi limpa desde o começo até o final.

A questão sobre o clássico contra o Santos, Perdigão não respondeu

DBeP: Bom, agora dando uma descontraída nessa questão de clubes, títulos e relações. Vamos falar sobre a questão da idolatria. Como é a sensação de ser ídolo em tantos times diferentes? Por exemplo Inter, Atlético PR e até o Paraná de certa forma.

Perdigão: Esse negócio de ídolo eu levo bem de boa. Eu não me acho ídolo não. Fiz um bom trabalho e é isso. Por exemplo: Inter e Grêmio; a torcida do Grêmio me respeita, eles têm um carinho por mim, a do Paraná, do Coritiba também. Acho que por ser um jogador cativante o pessoal acaba gostando mais de mim. Além da qualidade dentro de campo que também ajudava. Era um cara muito tranquilo, também nunca arranjei encrenca dentro ou fora de campo, acho que isso ajudou também.

DBeP: Como mencionou anteriormente, você teve também passagem pela seleção brasileira de base, qual o sentimento de vestir a amarelinha? E você ficou decepcionado de não ter sequência na seleção principal?

Perdigão: O meu convívio com a seleção foi desde os 14 anos. Desde o infantil, juvenil e o júnior. Só não peguei a principal mesmo. Eu tive uma vez num Mundial de Junior, na Malásia, em 1997. A gente acabou sendo eliminado nas quartas para a Argentina, que era uma seleção fantástica, com Riquelme, Cambiasso, etc. A gente também tinha um ótimo grupo, com Alex, Pedrinho, Fernandão, Odair, atual técnico do Inter, etc. Era uma geração fantástica. Infelizmente fomos uma geração que não conseguiu ganhar o mundial de Junior, que é um título de expressão. Mas sem mágoa nenhuma. Poder cantar o hino do seu país, saber que tá todo mundo ali dando força é muito especial. Pena que não peguei a principal, sem dúvida nenhuma deve ser uma sensação muito boa.

DBeP: Como penúltima pergunta, vamos fazer um bate-bola rápido sobre três assuntos. O primeiro é: houve algum time que você gostaria de ter jogado? No mundial, qual a melhor resenha que você teve? Foram as com Gabiru ou alguma com o Ronaldinho e os brasileiros que lá estavam. E a terceira é sobre os sul-americanos que você enfrentou. Qual foi o time mais “carniceiro” que você enfrentou?

Perdigão:

- Gostaria de ter jogado no Santos, né. Por toda essa mística que envolve ele. Também boa parte da minha família é Santista, meu pai, meus tios. E daí eu fiquei com aquela pulga atrás da orelha por não ter jogado lá.

- Teve uma história bem legal, com o Ronaldinho. Na final do Mundial, antes do jogo ele entra no vestiário e o vestiário para em choque. Ele cumprimenta todo mundo, me cumprimenta, chega no meu ouvido e diz: “Tinga falou que ‘cê’ é parceiro, cola em mim depois do jogo”. Fiquei em choque por alguns segundos, contei a história pra rapaziada, mas nem rolou nada no final das contas. Tô até agora esperando (risos).

- Sem dúvida o Boca foi um dos times mais difíceis que joguei contra. A Bombonera, a mística que envolve a camisa do Boca. Com certeza foi um dos times mais difíceis que enfrentei.

DBeP: Bom, finalizando a entrevista. Gostaria de saber quais são seus planos para o futuro. Eu e muita gente que estará lendo essa entrevista é seu fã e tenho certeza que gostariam de saber se você almeja trabalhar com o futebol ainda. Tem essa possibilidade? Em algum cargo interno, como técnico ou diretor de futebol.

Foto: GloboEsporte

Perdigão: Então, futebol não sai da gente. Ainda mais quem tem uma história nele. É difícil se distanciar dele. Como treinador eu acho difícil, não é o meu perfil. Fora de campo como olheiro tem umas coisas surgindo aí, mas a gente está pensando. “Tamo” indo aí, devagarinho. Uma coisa que eu faço é ajudar a molecada que vem me pedir uma força, pego essa molecada com qualidade e ligo para um pessoal que conheço pra tentar ajeitar, né. Mas é basicamente isso, se eu for fazer algo, será meio que nesse caminho mesmo. Mas né, nunca podemos dizer nunca, a oportunidade que vier tá aí pra ser analisada.

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