Papo sem Chuteiras: Roger Guerreiro

Com uma carreira atípica, Roger Guerreiro conta em entrevista ao De Bate e Pronto tudo sobre a sua carreira.

Hugo Castro
Blog De Bate e Pronto
10 min readSep 5, 2018

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Roger Guerreiro nasceu em São Paulo no 25 de maio de 1982 e ganhou notoriedade em 2008, quando decidiu representar a seleção polonesa.

Hoje, com 36 anos e já aposentado do futebol, Roger transborda calma e simplicidade apesar do enorme sucesso que teve na sua carreira. Começou no São Caetano, onde chegou à equipe profissional com 17 anos, passou por Corinthians e Flamengo e ainda viveu diferentes experiências na Europa.

Confira como foi nosso papo com o ex-jogador.

DBeP: Quais lembranças você tem de seu início de carreira no São Caetano?

Roger: Só tenho lembranças boas. O início foi muito difícil nas categorias base, até porque o São Caetano na época disputava a série A3 do Campeonato Paulista, não tinha estrutura e estava crescendo. Aos pouquinhos, fui crescendo com o time e com 18 anos subi à equipe profissional, participei do grupo da Libertadores em 2001 onde a gente perdeu para o Palmeiras nas oitavas-de-final. Sou muito grato ao São Caetano pela trajetória que tive lá, até porque foi o clube que me formou e os profissionais me acolheram muito bem, aquele timaço que tinha Ademar, Adãozinho, Esquerdinha, Cezar, Dinis, o Serginho, o Sílvio Luiz e todos me receberam muito bem da base. Sou muito grato a esse clube pela minha formação de atleta da categoria base até ao time profissional.

DBeP: Qual foi a sensação de deixar o clube onde se formou para jogar em um grande do futebol brasileiro?

Roger: A sensação foi única. Foi muito bom para a minha carreira, até porque o Corinthians é um clube grande no cenário nacional e até internacional e nunca neguei para ninguém que o Corinthians é o meu clube de infância. Então foi a realização de um sonho poder vestir a camisa do Corinthians. Cheguei para a equipe de juniores e no ano seguinte subi para a equipe profissional e esse passo foi a realização de um sonho de infância.

(imagem: scratchcorinthiano.blogspot.com)

DBeP: Foi no Flamengo, onde você jogou apenas uma temporada, que você considera que sua carreira decolou no futebol?

Roger: Eu tive bons momentos no Corinthians, onde joguei a final do Campeonato Paulista e vencemos o São Paulo por 3–2. Mas sim, foi no Flamengo que vivi o melhor da minha carreira no Brasil, jogando como lateral-esquerdo consegui fazer 13 gols na temporada, todos de bola rolando, e algumas assistências. Foi uma marca expressiva para um jogador de apenas 21 anos que estava encostado no Corinthians depois daquele episódio da Libertadores e chego no maior do Brasil que é o Flamengo e conseguir se destacar, com certeza foi disparado o melhor momento da minha carreira no Brasil.

DBeP: Em 2004/2005 você se transferiu para o Celta de Vigo, mas a experiência não foi perfeita. Como classifica essa passagem e quais foram as maiores dificuldades?

Roger: Foi uma ótima experiência. Não foi perfeita, mas foi muito boa porque fiz 15 jogos, 13 como titular na segunda metade da temporada da 2ª divisão do campeonato espanhol e conseguimos o acesso à primeira divisão. Foi um empréstimo de 6 meses, onde no final do empréstimo acabei voltando para o Corinthians porque o clube pediu a minha volta. No final do empréstimo, houve a chance de negociação para permanecer no Celta, mas o Corinthians, que era o detentor dos meus direitos pediu a minha volta e eu acabei voltando. Mas foi uma experiência muito boa, onde me adaptei bem numa cidade muito boa, em Vigo, os jogadores mais experientes também me receberam muito bem. A equipe era bastante experiente, alguns de seleção, como é o caso do Gustavo López da seleção argentina, o Pablo Contreras, zagueiro da seleção do Chile, o goleiro era o Pinto que posteriormente se transferiu para o Barcelona. Jogadores de grande nome no futebol e que me receberam muito bem e consegui ser titular nessa equipe, tendo sido para mim uma experiência muito boa e proveitosa.

DBeP: Você regressou ao Brasil ainda a tempo de fazer 21 jogos pelo Juventude. Depois, se transferiu para o Legia. Você sentiu que era o momento certo e o time certo para voltar à Europa?

Roger: Depois da minha volta do Celta para o Corinthians, eu acabei negociando a liberação do meu contrato e acertei com o Juventude, onde joguei a maioria dos jogos como titular, voltando a jogar a lateral e fazendo apenas um gol. Mas o objetivo foi alcançado, que era salvar o Juventude do rebaixamento do Campeonato Brasileiro. Quando surgiu a proposta do Legia, eu confesso que nunca tinha ouvido falar de futebol na Polônia nem pesquisado nada a esse respeito. Tanto que pedi para ir conhecer o clube antes de assinar o contrato e o clube prontamente atendeu ao meu pedido. Fui lá conhecer as instalações, gostei muito da cidade do clube e acertei o contrato com eles. Foi a melhor coisa que eu fiz, pois é um clube com uma grande estrutura, o maior clube da Polônia e fui muito feliz no tempo que passei no Legia Varsóvia.

(imagem: mercadodofutebol.net.br)

DBeP: Como você classifica os adeptos polacos? A sua família adaptou-se bem a esta nova realidade?

Roger: Na Polônia, eu só tenho boas recordações, tirando o frio que quando cheguei lá atingiu os 27ºC negativos, o maior dos últimos 40 anos na Polônia. Os fãs me receberam muito bem, a população em geral. Não teve adaptação familiar porque eu fui sozinho, na altura era solteiro, tinha 23 anos, então minha adaptação foi super-rápida, tanto ao clube como à cidade, tanto que nos primeiros jogos já tinha feito gol e assistência. Foram 3 jogos, o primeiro empate e depois duas vitórias seguidas, sou muito grato a tudo o que vivi na Polônia e sinto muita saudade dos fãs do Legia e, para mim, são os melhores com que convivi até hoje na questão de incentivar dentro e fora do campo, do reconhecimento e respeito que se tem com os atletas. Foi o melhor clube onde eu estive, o meu melhor momento na carreira, e também os melhores fãs.

DBeP: Depois de algumas temporadas em bom nível, surge o convite para jogar pela seleção da Polônia. Como surgiu esse convite? Foi uma decisão difícil de tomar, sabendo que depois disso não poderia mais vestir a camisa da seleção brasileira?

Roger: Esse convite foi pessoal do treinador Leo Beenhakker, tendo sondado primeiro o Jan Urban, treinador do Legia, que veio conversar comigo sobre a possibilidade e depois tive duas reuniões com o Professor Leo. Conversamos, eu pensei um pouco e confesso que não foi uma decisão difícil. Estava na Polônia, que na altura não tinha a visibilidade que tem hoje, e sabia que vestir a camisa da seleção brasileira, mesmo fazendo boas temporadas, seria uma hipótese remota. Eu já me sentia super adaptado ao país, ao clube e às pessoas, os fãs e adeptos de outras equipes já tinham um carinho muito grande por mim e então eu aceitei o convite. Senti-me muito honrado por ter recebido o convite, ainda para mais vindo do Professor Leo, um homem muito entendido de futebol que já foi coordenador do Ajax, treinador do Real Madrid. Não foi difícil de aceitar o convite de me tornar um cidadão polonês. Hoje digo que sou brasileiro de nascimento, mas polonês de coração.

(imagem: globoesporte.com.br)

DBeP: Depois da Polônia, a Grécia, onde os adeptos também são bastante fervorosos. Como sentiu essa mudança?

Roger: Os adeptos do AEK são muito intensos e foi um clube onde me senti bem recebido. Tive alguns problemas de ordem financeira como a falta de pagamentos, alguns problemas com um treinador tendo ficado alguns jogos de fora, com outro já joguei mais, tendo sido uma passagem de altos e baixos. Mas no final o balanço foi positivo, pois conseguimos ganhar a copa da Grécia, fomos campeões em 2010 e já fazia um bom tempo que o AEK não era campeão. Tive lá 4 anos, e como falei, tive momentos bons e momentos ruins, e a pior lembrança é a questão financeira, porque no final de contas fiquei quase 2 anos sem salário. Neste momento está rolando um processo judicial onde eu não sei se vou conseguir reaver esse dinheiro, mas enfim. Deixei amigos, ótimas recordações e sou um torcedor do AEK na Grécia. Sou muito grato aos fãs que sempre me trataram bem e nunca tive problema nenhum, apenas com algumas diretorias que passaram por lá.

DBeP: Você então regressa ao Brasil onde durante 3 anos joga em 3 equipes. Sentiu que era a altura ideal para regressar ao seu país natal?

Roger: Na verdade, hoje eu me arrependo de ter voltado, mas na época, depois de tudo o que tinha passado na Grécia, eu senti que poderia ser um momento de voltar, mas infelizmente logo que voltei tive uma lesão no joelho, rompi o ligamento colateral medial. Não precisei de cirurgia, mas fiquei quase 5 meses parado e depois rodei por algumas equipes menores. A gente fala que é o lado B do futebol, mas na verdade é o lado A, porque na verdade 90% dos clubes no Brasil são dessa maneira. Clubes pequenos, sem estrutura, que não honram os seus compromissos, não pagam os salários em dia, não dão uma estrutura adequada aos jogadores. Nesses últimos clubes onde eu atuei, eu vivi esse lado do futebol, mas procurei ser o mais profissional possível e joguei até onde deu. Eu digo que o futebol me parou porque até hoje eu recebo ofertas para voltar a jogar profissionalmente, mas depois de tantos calotes aí, tanta falta de pagamento, eu resolvi que era o momento de parar de jogar. Tenho algumas ações na justiça contra alguns clubes. Na verdade, desde que eu voltei ao Brasil, em todos não recebi salário e todos estão na justiça para eu buscar os meus direitos.

DBeP: Qual considera ser o melhor time onde jogou, onde tenha se sentido melhor?

Roger: Eu coloco dois times. O Flamengo aqui no Brasil e o Legia na Europa. Foram os dois times onde eu tive uma fase muito boa e consegui títulos e premiações individuais. Foram as duas equipas onde tive um grande destaque.

(imagem: colunadoflamengo.com)

DBeP: Durante sua carreira, qual jogador mais figura que se recorda aquele cara engraçado do grupo?

Roger: Cada time sempre tem um mais engraçado. No Legia dava muita risada com o Radovic, que hoje é capitão do Legia Varsóvia. Aqui no Brasil, o Ibson, com quem eu tinha muita amizade, sempre foi um menino muito engraçado também, gente boa. No Corinthians, o Renato Abreu. Cada time tinha um mais engraçado e graças a Deus nunca tive nenhum problema com nenhum jogador, sempre me dei bem com todo o mundo.

DBeP: No geral, acha que valeu a pena essa carreira por mercados mais alternativos?

Roger: Com certeza valeu, até porque eu joguei nos maiores clubes do país, o Celta é um grande clube na Espanha, o Legia é o maior clube da Polônia e o AEK é do top 3 da Grécia. Então, no geral, valeu com certeza. A gente sabe sempre que em algumas coisas podia ter sido melhor, tive algumas transferências quase concluídas para clubes maiores, mas enfim. Foi tudo de acordo com o que Deus quis. Fui muito feliz durante a minha carreira e durante a minha trajetória em todos os clubes por onde eu joguei.

DBeP: Fez vários jogos brilhantes ao longo da sua carreira. Consegue escolher um deles como o melhor ou mais marcante?

Roger: Escolho dois como os mais marcantes. Um deles o meu primeiro Fla-Flu, onde a gente estava perdendo por 3–1 e a gente virou para 4–3, eu fiz os gols do empate e da virada, tendo sido os meus primeiros gols da carreira profissional num Maracanã lotado, esses me marcaram muito. O outro é o jogo pela Polônia contra a Áustria, onde marquei o primeiro gol da história da Polônia numa Eurocopa. Foi um jogo que me marcou bastante também.

DBeP: Houve algum jogador que quando o viu pensou “este é craque”?

Roger: Com certeza que um deles é o Lewandowski. Acompanhei ele desde o começo, porque ele jogava no Legia B e às vezes vinha treinar na equipe principal e dava para ver que tinha DNA de craque, de matador só que o Legia não soube aproveita-lo bem e foi para outras equipas onde se destacou até chegar ao Bayern Munique.

DBeP: Roger, para finalizar a entrevista: o que o Roger Guerreiro leva do futebol?

Roger: Foi a realização de um sonho. Todo o menino ou 99% dos meninos pensam em ser jogadores de futebol e eu, entre muitos, consegui realizar esse sonho. Então, para mim, foi um sonho realizado. Tive uma carreira de muita aprendizagem, aprendi muito em todos os lugares e clubes que passei, tive lições que vou levar para a minha vida toda. É uma pena que a carreira é curta, muitas vezes devido a vários motivos, aí você não consegue uma estabilidade financeira ou coisa do tipo. Um jogador não tem aposentadoria. Um jogador quando está na Europa não tem carteira de trabalho assinada, então aqui para o jogador brasileiro isso é ruim. Quando encerra a carreira tem de trabalhar de outra forma, hoje tenho uma escolinha de futebol por exemplo. O importante são os aprendizados que a gente leva dessa vida e na vida de jogador de futebol com certeza a gente aprende muito e amadurece rápido. Então as duas coisas que ficam são o sonho realizado e as lições que aprendi e vou levar para minha vida toda.

(imagem: globoesporte.globo.com)

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