Raio-X: Eduardo Chillida Juantegui

Mãos destinadas a brilhar

Marc Van Faust
Blog De Bate e Pronto
5 min readAug 19, 2018

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Ao ouvir falar de Eduardo Chillida Juantegui provavelmente a primeira coisa que te dirão é: O futebol perdeu mãos que, por sorte, a arte ganhou. Eu, após ler e reler sobre esse artista renomado no mundo todo e sem querer discordar minimamente dessa afirmação, prefiro dizer que essas mãos estiveram sempre destinadas a brilhar.

Nascido em 10 de Janeiro de 1924 na cidade de Donostia-San Sebastian, capital da província de Guipúscola no país basco espanhol, Chillida tinha Don Quixote como um de seus heróis preferidos e era torcedor fanático dos “txuri-urdin”, os alvi-celestes da Real Sociedad.

Depois de se destacar jogando no campeonato local Benito Diaz, el tio Benito,técnico da Real, o convidou para fazer um teste. Um dia chuvoso, o campo todo enlameado e Chillida se viu ali, de frente aos atacantes do time que lhe disparavam chutes a torto e direito. Chegou em casa em estado deplorável, como ele mesmo relembrou em entrevistas. Dias depois recebia em casa a proposta para ser o goleiro do seu time do coração.

SONHO DE FAMÍLIA

Tornar-se titular da principal equipe da cidade aos 19 anos de idade já era uma grande responsabilidade e ter seu pai, Pedro Chillida, como presidente do clube deixava as coisas ainda mais eletrizantes para ambos. Um início irregular no campeonato poderia custar muito caro pois o sonho de Chillida pai era o de levar a equipe de volta à primeira divisão espanhola depois de 3 anos na segunda divisão.

Estréia com derrota perante ao Osasuña, fora de casa, por 3 a 2 deixou a todos com a sensação da dúvida. Essa porém foi se desvanecendo jogo a jogo graças as vitórias, incluindo duas goleadas por 8 a 2 contra o Sabadell e Ferroviária.

Nesse momento Chillida já se destacava por suas saídas arrojadas e firmeza debaixo das traves. “Toda vez que eu entrava em campo, durante o aquecimento eu me repetia seguidamente as medidas do gol.”

Chillida e seus companheiros de time começavam a sonhar com a promoção mesmo com seu pai sendo mais prudente com relação ao resto da temporada.

A Real Sociedad aquele ano terminou o campeonato em segundo lugar, garantindo assim a classificação para a primeira divisão com uma rodada de antecedência e a família Chillida enfim realizava seu sonho.

A HISTÓRIA PODERIA SER DIFERENTE

Após a temporada regular havia a disputa pelo título e a Real era uma das favoritas junto com o Sabadell e o Valladolid. E foi em uma partida contra o Valladolid que as mãos destinadas a brilhar , sem saber, teriam que se dedicar a outra arte.

A equipe de Valladolid perdia por 3 a 1 e insistia em cruzar bolas na área. Chillida, sempre firme, afastava de todas as maneiras o perigo até que Fernando Sañudo, principal atacante adversário tentou antecipar um desses cruzamentos e se chocou violentamente com Chillida que imediatamente deixa o jogo sentindo fortes dores no joelho.

Lesão no menisco e ruptura dos ligamentos o fazem deixar o futebol mesmo após 5 operações. A perna operada nunca mais foi a mesma e, após algumas tentativas frustradas de retorno aos gramados, Chillida abandona a carreira que havia apenas começado.

Mesmo jogando apenas 14 partidas os olheiros de Barcelona e Real Madrid já haviam notado a segurança e destreza do goleiro basco e os torcedores mais velhos de San Sebastian se lembram com muito carinho de Chillida.

A história poderia ser completamente diferente: Fernando Sañudo estava já em fim de carreira e resolveu voltar a morar em sua cidade natal. Ele costumava treinar por conta própria e somente jogar com o time de Valladolid. Ganhava seu salário e um adicional por quilometro rodado para jogar. Muitas vezes aconteceu de chegar atrasado e até perder jogos dada a dificuldade de se chegar às cidades .

Infelizmente, naquele 14 de fevereiro de 1943 Sañudo chegou em tempo para o jogo e a história assim se fez. Ao final da temporada Chillida já frequentava o Circulo de Belas Artes de Madrid e passava temporadas em Paris onde desenvolveu suas primeiras obras de arte.

Críticos e fãs gostam de destacar a presença de elementos futebolísticos em suas obras. Em “El Peine del Viento” por exemplo, fãs afirmam ser uma alegoria perfeita de um pênalti. Um pênalti visto através de seus olhos de goleiro. Representando o antes , o durante e o depois da cobrança de um pênalti.

El peine del Viento

Chillida morreu em 19/08/2002 após consequências de Mal de Alzheimer que lhe afligia a alguns anos. Casou-se com Pilar Bezunce, a qual cortejava desde os tempos de colégio, quando aos 16 anos ela lhe prometeu que aos 18 anos teria aceitado a sua proposta.

Pilar contava que, uma certa vez ao ser reconhecida como esposa de Chillida, um senhor começou a relembrar as grandes atuações de Chillida e exclamou: — Que grande goleiro o futebol perdeu!!

Pilar sorriu e disse: — que grande escultor que o mundo ganhou!!

“La portería es el lugar tridimensional del campo, es donde ocurren todos los fenómenos complejos del fútbol, cosas que tienen que ver con la geometría: por ejemplo, todas las salidas del portero en busca del que viene son para hacer más pequeña la portería; o lo del penalti, yo tenía la astucia de colocarme desplazado del centro y paraba penaltis por eso”. Eduardo Chillida, en la Revista de “El Mundo”, el 3 de agosto de 1997.

“O gol é o lugar tridimensional do campo, é onde ocorrem todos os fenômenos complexos do futebol, coisas que tem tudo a ver com a geometria. Por exemplo, todas as saídas do goleiro são para diminuir o tamanho do gol para os atacantes; No pênalti, eu tinha a astúcia de me colocar um pouco pro lado e pegava pênaltis por isso.”

Marc Van Faust

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