Raio-X: Fabio Quagliarella, o homem do queijo

Gols, queijos e uma história digna de filme

Adriano L. Motta
Blog De Bate e Pronto
9 min readMay 1, 2018

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78 quilos de queijo não são suficientes para definir o impacto de Fabio Quagliarella no mundo do futebol, especialmente no seu país natal, a Itália. Ídolo de Udinese e Sampdoria, sempre lembrado por seus bonitos gols com a perna esquerda. Salvou equipes do rebaixamento, as levou mais longe do que poderiam e foi protagonista de bons momentos no belpaese. Mas quando teve a chance de realizar o sonho de ser um Maradona, terminou como um Higuaín. Ficou curioso? Então senta que lá vem história.

Quagliarellazinho, Galli e o 27
A história de Quagliarella profissionalmente começa em 14 de maio de 2000, quando um franzino jovem de 17 anos entra em campo por apenas 25 minutos na vitória por 2x1 do seu time, Torino, contra o modesto Piacenza, que hoje se encontra na terceira divisão do futebol italiano. Naquele ano, essa foi sua única participação em uma campanha ruim que culminou com o rebaixamento da equipe de Turim, à época o terceiro rebaixamento da equipe.

Mas para explicar o resto de sua carreira, vamos voltar um pouco mais no tempo. Iremos diretamente para 1994, ano em que Roberto Baggio na marca da cal isolava a esperança de um título mundial do seu país. Quagliarella, com apenas 13 anos deixava a família (natural da comuna de Castellamare de Stabia, na região metropolitana de Nápoles) para trás e rumaria às categorias de base do Torino após declinar uma oferta da Juventus, por conta das melhores condições que o Toro lhe oferecia.

Destaque nas categorias de base do Torino e já famoso pelos potentes chutes com a perna esquerda, era figurinha carimbada nas convocações das seleções de base italianas. Ao todo foi chamado em 26 oportunidades. Lá, ficou bastante próximo de um defensor chamado Nicollò Galli. Filho de Giovanni Galli, famoso ex-goleiro do Milan na década de 80, o jovem zagueiro já se colocava como uma das maiores promessas da Itália e do Arsenal, clube para o qual havia sido vendido em 2000. O futuro promissor, porém, foi abreviado após Galli falecer em um trágico acidente de carro em 2001, quando atuava por empréstimo pelo Bologna.

Como forma de homenagem ao amigo, Quagliarella passou a vestir o número 27, que lhe acompanha desde então. “O 27 foi de Niccolò Galli, jogamos juntos no Sub-18. Apenas uma semana antes daquele trágico acidente, estávamos em Bari e é por isso que uso esse número desde então, em honra a um grande amigo”, conta Fabio em entrevista à SKY Sports.

Rodando a velha bota
Após sua estreia profissional em 2000, nos dois anos seguintes Fabio não ganha muitas chances, entrou em apenas 4 partidas nesse período. Para desenvolvê-lo, decidem colocá-lo para empréstimo. Ele foi parar no Florentia Viola (ex e futura AC Fiorentina). Naquele ano, a Fiore estava em sua primeira temporada após a refundação e disputava a Serie C2, equivalente à quarta divisão da Itália. Na Viola, não conseguiu muito espaço e participou pouco da campanha que levou a Fiorentina à terceira divisão nacional, atuando em 12 jogos e marcando apenas 1 gol. Tão decepcionante que o empréstimo foi encerrado em janeiro, antes mesmo da temporada terminar. Após o tempo mal sucedido em Florença, o Torino empresta Quagliarella novamente, dessa vez para o Chieti Calcio, que disputava a Serie C1, a terceira divisão italiana.

No pequeno Chieti, com mais espaço para jogar, Quagliarella começou a mostrar seu potencial. Apesar de não ter tido grande impacto logo na sua chegada, contribuiu com 2 gols nas primeiras 10 partidas. Na sua única temporada inteira pela equipe de Arezzo, em 03/04, mostrou qualidade. Marcou 17 gols em 32 partidas, número expressivo para um jovem. Dentre esses gols, os mais famosos (também os únicos em vídeo) foram em uma partida onde marcou 2 gols de falta contra o Benevento. Durante sua estadia de um ano e meio, ele se transformou no grande líder da equipe. Esses gols colocam Fabio como o sétimo maior artilheiro da história do Chieti e um dos nomes mais famosos a jogarem por lá.

Quagliarella em 2004: destaque no acesso do Toro

O bom desempenho com o Chieti fez o Torino integrá-lo no elenco que disputaria a Serie B 2004/2005. Não foram anos fáceis para o Toro. O time amargava sua terceira participação consecutiva na segundona e também passava por uma forte crise financeira, o que dificultava grandes investimentos no elenco. Ainda assim, naquele ano o Torino fez uma grande campanha e terminou na segunda colocação. Dessa vez, Quagliarella despontou como um dos protagonistas da campanha. Atuou em 34 jogos e fez 7 gols. Nos playoffs de acesso, mostrou seu poder de decisão e marcou o gol que classificou o Toro à final. Na decisão, Fabio não saiu do banco e o Torino perdeu a partida.

Serie A, aqui vamos(ou voltamos) nós
A crise financeira na qual estava o Torino se agrava e o time acaba falindo. Os jogadores ficaram livres para assinar com qualquer outra equipe. A Udinese viu a oportunidade e logo assinou um contrato com Quagliarella. Mas como parte do pagamento de uma dívida da equipe de Udine, o cedeu por empréstimo ao Ascoli. Naquele ano, o time do Ascoli não era lá grandes coisas e Quagliarella chegava para ser membro importante do time e uma das esperanças da equipe para escapar da queda. Dito e feito: Fabio foi o líder dessa surpreendente esquadra, anotando 3 gols na temporada e conduzindo a grande surpresa da competição, que terminou em uma honrosa décima posição, a melhor obtida pelo clube. Depois dessa grande temporada, a Sampdoria compra metade do passe de Quagliarella junto à Udinese. Na Samp não começou como titular, porém aproveitou-se da longa suspensão de Fachi e assumiu a posição para não sair mais. Começava a mostrar também o que viria a ser sua marca, os gols bonitos. Teve de pucheta, bicicleta… naquele mesmo ano, após marcar um dos gols da derrota bluechiratti para a Udinese por 3–2, foi premiado com 78 QUILOS DE QUEIJO por uma loja de Gênova, um para cada quilo do Quagliarella. Daí ficou conhecido pela torcida como “o homem do queijo”.

Na Udinese: consolidação como craque

No fim daquele ano, Sampdoria e Udinese, donas de metade do passe do jogador, não se entendem sobre a continuidade dele na Samp. Para encerrar a briga, o time de Udine resolve pagar e comprar a outra metade do passe. Depois de dois anos de ter assinado com a Udinese, finalmente Fabio jogaria com a camisa bianconeri. Lá, sucesso de novo: Quagliarella se firma como um dos melhores jogadores do campeonato. Faz 12 gols em 39 jogos e ajuda a Udinese a chegar na Taça UEFA em seu primeiro ano de clube. Já no segundo ano, mantém o bom desempenho, marcando 13 gols e 7 assistências em 37 jogos pelas competições italianas. Na Europa, a Udinese, que contava com nomes como Handanovic e Di Natale vai longe e só para nas quartas de final, perdendo para o Werder Bremen. Quagliarella faz uma Taça UEFA mágica e termina a competição com 8 gols, terceiro maior artilheiro daquele ano.

Sonho e pesadelo
Esses níveis de atuação chamaram a atenção do Napoli. “É como eu sempre imaginei. Entraria como reserva. Sentiria a ansiedade do público antes de entrar em campo. Não restaria muito tempo, era uma partida importante. Então, eu faria o gol — daqueles decisivos. Como Maradona fazia”, sonhava Quagliarella quando criança. Como a maioria dos garotos de sua região, seu desejo sempre foi vestir a camisa Napolitana. Quando tinha 7 anos, ia ao San Paolo ver Maradona jogar, daí nasceu sua paixão pelo futebol. Teve a chance após o Napoli pagar à Udinese 16M de Euros por seu passe.

No Napoli, o sonho de uma vida

Saiu da região de Nápoles menino e voltou com status de craque, capitão da equipe. Fez boa temporada no geral, com 11 gols e 6 assistências. Logo virou ídolo da torcida, por sempre beijar o escudo da equipe após fazer um gol. Jogar pelo seu time de coração o encantava. “Fiz o sonho virar realidade e a cada gol que eu marcava, estava fazendo aquele sonho ser ainda mais real. Era como se um fã descesse da Curva e marcasse um gol pelo time. Era o melhor sentimento”.

O que parecia ser uma longa e feliz passagem foi surpreendentemente interrompida: apenas uma temporada depois de chegar, Quagliarella foi vendido à rival Juventus pelo mesmo valor que o Napoli havia pago no ano anterior.

Foi o ápice de seu pesadelo. Após sair do Napoli, sentiu o ódio da torcida do clube que sempre amou. O San Paolo, que sempre lhe acolheu, passou a vaiar seu nome. “Para os torcedores do Napoli, passei de ídolo a traidor. As pessoas não gostavam mais de mim”. Um Higuaín antes do Higuaín. O que ninguém sabia era que, na verdade, Quagliarella havia sido arrancado do seu sonho.

Quagliarella sempre foi muito ligado à sua região de nascimento e frequentemente ia lá rever os amigos — quando assinou pelo Napoli, foi morar lá em definitivo. Durante uma de suas visitas a Castellamare de Stabia, que fica a 13 km de Nápoles, ainda quando Quagliarella jogava pela Udinese, alguém descobriu seu número de celular e começou a mandar mensagens com alguns códigos estranhos. “Nós começamos a receber mensagens criptografadas, apenas uma sequência de letras e números: ABC 37 12. ABCD 37 27 12. Pareciam códigos”, conta um dos amigos que também ficou sob a mira do stalker. Com medo, eles trocaram de celular e as mensagens cessaram.

Tempos depois dessa primeira mensagem, o stalker retorna. Já que na pequena Castellamare Fabio era rei, o stalker passou então a mandar cartas para sua família. Nas primeiras, haviam fotos de meninas menores de idade nuas e acusando Quagliarella de ter dormido com essas garotas. E um mais um monte de cartas contendo diversas histórias, incluindo acusações de que ele era frequentador de orgias. Você pensa que parou por aí? Não! Em uma das cartas endereçada ao pai de Quagliarella, continha a foto de um caixão com a imagem de Quagliarella dentro dele com um texto dizendo ”Filho de Vittorio(pai de Quagliarella) será morto.”

Na metade final de sua primeira temporada com o Napoli, o stalker deixa de mandar suas cartas ameaçadoras para a família e as direciona para um dos amigos de Quagliarella. Também passa mandar uma cópia para Alberto de Laurentiis, o presidente do Napoli. Nesse momento, as relações com o clube ficam mais complicadas. De Laurentiis deixa de falar com Fabio e seu desempenho pelo clube cai vertiginosamente. Apesar disso, fez parte do elenco que jogou a Copa de 2010, atuando em apenas metade de uma partida, mas fez gol e deu assistência, na derrota por 3x2 contra a Eslováquia.

Depois de toda essa confusão, o Napoli vende Quagliarella repentinamente para a rival Juventus. Como ninguém soube dessa história à época da negociação, Fabio se tornou alguém odiado em Nápoles ainda hoje, sete anos depois. Assim que anunciaram sua saída, os torcedores do Napoli passaram a queimar suas camisas e a encher suas redes sociais de ameaças. Ainda assim, mantém o amor pelo Napoli e voltaria vestir a camisa azul se tivesse a oportunidade.

Na Juventus foi onde conseguiu seus títulos relevantes: 3 títulos italianos e 2 Coppa di Itália. Mas sempre atuando como reserva ou rotacionando entre os titulares. Até teve bons números, com 30 gols em 102 jogos com a Vechhia Signora. Em 2014, foi vendido ao Torino, retornando ao time que o revelou após 10 anos desde a última passagem. Nas duas temporadas que jogou pelo Toro, continuou mantendo a média de 13 gols por temporada, além de mais 6 assistências nos dois anos. Nada para celebrar nem para esquecer.

Panela velha é que faz comida boa

35 anos e 20 gols em 2017/2018: Vacilou, é rede

Do Toro fez um outro retorno, dessa vez à Sampdoria, clube onde já havia se destacado anteriormente. Lá, onde ainda joga, a panela velha ainda faz comida boa. Já balançou as redes 20 vezes nessa temporada, mais do que em qualquer outra na carreira.Esse número o coloca em 12° lugar na premiação da chuteira de ouro da UEFA, à frente de nomes como Dybala e Aubameyang. Em janeiro deste ano, após guardar um de pênalti contra a Roma, ultrapassou David Trezeguet e se tornou o 44° maior artilheiro da história da Serie A, com 126 gols em toda sua carreira, a apenas um de alcançar Shevchenko e subir para a 43° colocação. Enquanto houver bambu tem flecha e se você vacilar, o velhinho sonhador Quagliarella ainda irá marcar.

Nota do autor: As aspas não identificadas do Quagliarella e dos amigos dele presentes no texto foram retiradas de uma entrevista concedida por ele em 2015 à Bleacher Report, onde ele conta o caso completo. Aspas traduzidas de modo livre pelo autor do texto.

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Adriano L. Motta
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Tiozão de 19 anos e corneta de marca maior. Fanático por esportes, Bukowski, Aviação e descobrir novas coisas.