RAIO X: GIANCARLO DE SISTI, O PIÃO ITALIANO

Igor Giantomaso Desiderio
Blog De Bate e Pronto
10 min readApr 3, 2019

Posted on March 23, 2019by Mauro Vaz

O homem que fazia Rivera e Mazzola jogar

Quem viu jogar Giancarlo De Sisti, sabia que o baixinho era um verdadeiro maestro dentro das quatro linhas, que tinha como objetivo e prazer fazer seus companheiros jogar. Era chamado de diretor, um camisa 10 atípico, vinha de trás e conhecia cada centímetro do campo, um jogador acima da média, alguns atestavam (claro que caricatamente) que o meia nunca havia errado um passe em sua carreira. Ídolo na Roma, fez os torcedores Giallorossi chorarem em sua saída, foi para Fiorentina, onde certamente viveu seu melhor momento até retornar a Roma. Pela Seleção Italiana, De Sisti jogou 29 partidas e marcou 4 gols.

A escola com Schiaffino na Roma

De Sisti pela Roma (foto: asroma.hu)

Nascido no bairro Quadraro em Roma, sua caminhada começou no pequeno Forlivesi (clube nomeado assim em homenagem a Mario Forlivesi, jovem jogador da Roma que faleceu aos 18 anos, vitima de meningite). Em 1960 ingressou nos juniores da Roma, por lá recebeu o apelido carinhoso de “Picchio”, pião em português.

“Um apelido que recebi desde criança. Em Roma eles costumavam brincar com essa brinquedo, que é de forma cônica e a corda era torcida e girada. Eu sempre corri muito, é um apelido que eu gosto, os companheiros da Roma Juniores me deram e foi adotado pelo público de Roma.” disse De Sisti em entrevista.

Depois de um ano nas categorias de base do clube da capital, De Sisti subiu para o time principal, e lá se mostrou empenhado a seguir os passos de ninguém menos que Juan Alberto Schiaffino, o craque uruguaio campeão da Copa do Mundo de 1950.

“Campeão Mundial, meu Mestre. Quando veio a Roma viu em mim um menino que podia trabalhar, eu tinha os requisitos que ele considerava fundamentais, o que considero fundamental no meio-campista. Um meio-campista deve conhecer a arte e os mecanismos para fazer o jogo se mover o mais rápido possível, para filtrar e preparar a ação. Ele me ensinou truques e deu sugestões úteis para minha vida ”, Picchio sobre Schiaffino.

Com apenas 17 anos, veio a estreia no time principal, foi na extinta Inter-Cities Fairs Cup, competição que reunia clubes europeus e precursora da Taça UEFA, em jogo contra o Colonia da Alemanha, válido pelas quartas de final. Era o segundo jogo, o primeiro os italianos havia vencido os alemães por 2×0, mas justamente na estréia de De Sisti, o resultado foi negativo, e os Giallorossi sairam derrotados pelo mesmo resultados, 2×0. Haveria então um jogo desempate, onde a Roma venceu por 4×1. Alfredo Foni técnico da Roma na época, não escondia sua confiança e aposta no jovem De Sisti.

De Sisti aos 20 anos, titular da Roma (foto: alchetron.com)

Após a competição e já com seus 20 anos era titular incontestável de um time recheado de astros entre eles Manfredini, Nicolè, Angelillo e Sormani. Em ótima companhia, Picchio em 1964 conquistou seu segundo título pelos profissionais e a primeira Coppa Italia da Roma. A final foi disputada contra o Torino, em dois dois jogos, o primeiro jogo em casa, o time de Giancarlo não saiu do 0x0, no segundo jogo em Torino, os visitantes conseguiram a vitória aos 40 minutos do segundo tempo, em um bela tabela de De Sisti e Tamborini, De Sisti é derrubado na entrada da área, mas a bola sobra para Nicolè, que supera Lido Vieri, goleiro do Torino. E assim, o capitão Giacomo Losi, ergue o primeiro troféu da competição conquistado pela Roma.

Com a saída de Alfredo Foni, e a troca frequente de técnicos, algumas decisões foram tomadas, e a chegada de Juan Carlos Lorenzo como novo comandante da equipe, fez os torcedores da Roma nunca esquecerem um dos acontecimentos mais sombrios da equipe. Interessada no retorno financeiro, a diretoria da Roma aceitou vender De Sisti, que já era um dos principais nomes da posição no cenário nacional.

Picchio na Fiorentina (Foto: anotando futbol.blogspot.com)

Chegada e idolatria na Viola

Haviam dúvidas, e os nomes de Lodetti (já conhecido meia do Milan) e De Sisti, 22 anos apenas, estavam em pauta na Fiorentina. Na época o técnico Giuseppe Chiappella optou por Picchio, então o meia pegou a estrada de Florenza rumo a Viola. A despedida do clube de coração não foi fácil, nem para os Giallorossi e muito menos para De Sisti.

“Fui para a Fiorentina com lágrimas nos olhos. Eu sai da minha casa, tinha minha namorada, meus amigos, a Roma, tudo em Roma… Quando eu cedi chorei, mas não sabia que encontraria um lugar onde as pessoas me adotassem” relembra Picchio.

Dentro de campo, De Sisti continuou provando sua eficiência, qualidade, técnica e simplicidade. O time era formado por uma grande maioria de jovens jogadores, como Luciano Chiarugi, Claudio Merlo e Ugo Ferrante. Logo na sua chegada, De Sisti notou que se tratava de um time competitivo, jogando ao lado de um dos maiores ídolos da Fiorentina, o suéco Kurt Hamrin, o resultado não poderia ser diferente, mais um título na carreira do meia italiano. Mais uma Coppa Italia, dessa vez vestindo o roxo, em uma partida difícil contra o Catanzaro, a Viola venceu com um gol de Bertini, em um pênalti aos 14 minutos da prorrogação. Naquele mesmo ano o meia conquistou mais um título, a extinta Mitropa Cup, em partida única vencida por 1 a 0 contra os eslovacos do Jednota Trenčín.

Em seu segundo ano em Florenza, a primeira convocação para a Squadra Azzurra. Em jogo pelas qualificações para Eurocopa contra a singela seleção do Chipre, o resultado foi 5×0 para os italianos. Logo na sua terceira partida pela seleção, uma final de Eurocopa, contra a poderosa Iugoslávia de Dragan Džajić, Ilija Petković e Dragan Holcer. Na primeira partida da final, De Sisti ficou no banco de reservas, na segunda, atuou, e mais uma vez mostrou sua qualidade dando a assistência para o segundo gol da partida, anotado por Anastasi. Final de jogo, 2×0 para Itália, que se tornava pela primeira vez — e única até agora — campeã da Eurocopa.

E a boa fase de Picchio parecia não ter fim. O ano de 1969 também trouxe um gosto doce para o meia, a Fiorentina deixou para trás o vice-campeão Cagliari e conquistou o título da Serie A. As atuações de De Sisti se mantinham em alto nível, era considerado o marionetista da equipe, onde fazia os bonecos (companheiros) jogarem, o que levou a ser convocado para a disputa da Copa do Mundo de 1970.

Copa de 70: do céu ao inferno

De Sisti em partida memorável contra Alemanha (foto: ilmamilio.it)

Aos 27 anos, De Sisti chega a sua primeira Copa do Mundo, na fase de grupos, a Itália passa em primeiro do grupo 2, com apenas uma vitória e dois empates. Depois de passar pela fase de grupos, Riva e Rivera decidiram entrar em campo, e massacraram o México, 4×1 nos donos da casa. O que aguardava na semifinal Picchio e seus companheiros, era a forte candidata ao título Alemanha de Beckembauer, Overath, Seeler e Gerd Müller. Uma das partidas mais eletrizantes de Copas do Mundo, a semifinal entre Itália e Alemanha em 70, é conhecida até hoje como: O Jogo do Século. E não é para menos, ao total foram cinco gols marcados na prorrogação, você não leu errado, CINCO GOLS NA PRORROGAÇÃO. No tempo normal, 1×1, com uma bela enfiada de bola de De Sisti, a Itália saiu na frente aos oito minutos de jogo com Boninsegna. Mas o craque alemão Karl-Heinz Schnellinger marcou nos acréscimos do segundo tempo, levando o jogo para a prorrogação.

Jogadores cansados, caibras e enrolação é o que mais se vê em prorrogações, mas nesse dia a dose de adrenalina foi alta, e em 17 minutos foram cinco gols. A disputa era acirradíssima, quando aos seis minutos do segundo tempo da prorrogação, Rivera, que havia entrado no intervalo marcou o gol que classificou a Azzurra para a final.

O time italiano chegou a final visivelmente cansado após a longa semifinal vencida na prorrogação, para enfrentar o que muitos dizem ser a maior seleção de futebol de todos os tempos, o Brasil de 1970. Com Pelé, Jairzinho, Gérson e cia, o que se viu na partida foi um banho tático e físico em campo. O mesmo placar imposto pelos italianos sobre os mexicanos na quartas, tornou a aparecer, mas dessa vez com derrota, um esmagador 4×1 deixou De Sisti e seus companheiros com o segundo lugar na competição.

“Jogar contra o Pelé que eu acho que é o maior da história do futebol é emocionante. Sobre aquela final, difícil dizer se poderia ter sido diferente: o Brasil era muito forte, mas estávamos cansados ​​e tivemos algumas mudanças táticas forçadas” Picchio sobre a final de 70.

Fim de ciclos e retorno para casa

Após o término da Copa do Mundo de 1970, De Sisti ficou mais 4 anos na Fiorentina, até se desentender com Luigi Radice, técnico da Viola. Cansado do ambiente do clube, De Sisti mesmo com 31 anos, tinha mercado, e o primeiro clube interessado foi a Inter de Milão, mas a vontade era de retornar ao seu clube de coração.

E foi o que ocorreu, em uma transferência controvérsia, que envolvia valores altos e o atacante Renato Cappellini. O que era considerado arriscado para um jogador com idade avançada. Mas foi dentro de campo que Picchio deu a resposta, fazendo o que sabia de melhor. Em seu primeiro clássico frente a Lazio, o baixinho marca e leva a torcida Curva Sud a loucura, ao término da partida a torcida ofereceu um capacete a Picchio pelo gol marcado. A partir daquela partida, o time giallorossi iniciou uma subida vertiginosa, e alcançou o terceiro lugar na Serie A, o que não ocorria há 20 anos.

Foram mais cinco anos, desde sua volta a Roma, desde então sem outras convocações e nenhum título conquistado desde seu retorno, e tudo isso não mudou em nada sua história e idolatria no clube. Deixou a carreira de jogador, e também seu nome marcado no Hall da Fama da Roma.

Nem tão fora das quatro linhas

Depois de pendurar as chuteiras, De Sisti tentou a carreira como treinador, primeiro ao lado do amigo Nils Liedholm, que treinava a Roma, ficou ao lado do sueco até terminar o curso de treinador. O primeiro time que treinou? A Fiorentina! Assumiu a Viola em 1981 na zona de rebaixamento, conseguiu levar o time ao quinto lugar. Na segunda temporada levou o time ao segundo lugar da Serie A, deixando escapar o título na última rodada, quando empatou em 0x0 contra o Cagliari. A Fiorentina ficou um ponto atrás da Juventus, campeã daquele ano. Participou ainda do filme italiano “L’allenatore nel pallone”, ao lado de Carlo Ancelotti, Francesco Graziani entre outros. Permaneceu no comando da Viola até 84, quando um granuloma periapical o fez dar um tempo na carreira de técnico (a época muito se falava que De Sisti estaria com um abscesso cerebral, o que logo foi refutado).

Já recuperado, Giancarlo tentou continuar a carreira de técnico, assumiu a Udinese em 86 na primeira temporada salvou o time do rebaixamento, na temporada seguinte o clube acabou rebaixado para a Serie B. Em 1991 assumiu a Seleção Militar Italiana, e venceu a Copa do Mundo Militar daquele ano. O Ascoli foi seu último e derradeiro trabalho como treinador, assinou com o clube em 1991, após algumas derrotas, e um possível cenário de rebaixamento os protestos começaram, e foram pesados onde uma grande bomba de papel explodiu em frente à porta da casa de De Sisti. Além da bomba, muitas ameaças telefônicas também ocorreram. Três dias depois, Picchio foi demitido pelo presidente Costantino Rozzi, que chamou Massimo Cacciatori, que não evitou o rebaixamento.

“Uma bomba de papel explodiu em minha casa e fui forçado a andar escoltado, desde então eu não treinei mais” relembra De Sisti do ocorrido.

Deixando de lado a carreira de treinador, De Sisti foi contratado como diretor das camadas jovens da Lazio em 2001, ficando até 2004 no cargo. Em 2009, De Sisti foi nomeado embaixador da juventude e escola pela FIGC (Federazione Italiana Giuoco Calcio), cargo que ocupa até hoje.

“Faço parte desse grupo de ex-campeões convocados pela federação para promover a cultura esportiva e as regras do esporte entre as crianças. Uma tarefa difícil, mas muito fascinante, que se aproxima muito do meu jeito de ser” afirmou Picchio sobre a função.

Frequentemente Picchio faz participações em programas de radio e TV, muitas vezes comentando jogos (inclusive até jogos da La Liga), e ainda é escritor da Ordem dos Jornalistas Italianos. Uma coisa é certa, Picchio dedicou e ainda dedica sua vida ao futebol, sempre correto, simples mas cerebral. Até hoje é amado por torcedores da Roma e da Fiorentina.

Não conhece o jogador? Dá uma conferida no video abaixo:

Texto de Mauro Vaz.

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Igor Giantomaso Desiderio
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SP/Tricolor, Louco por futebol e co-fundador do De Bate e Pronto.