Raio-X: Jardel, o Super Mário

Victor de la Rocha
Blog De Bate e Pronto
12 min readDec 10, 2018

Ícone gremista e do futebol Português, atacante de área conquistou duas chuteiras de ouro.

Mario Jardel Almeida Ribeiro. No Brasil era Jardel e em Portugal Jardel ou “Super Mário”, devido à sua impulsão para o letal cabeceio. No Brasil era Jardel, era ídolo, era campeão pelo Vasco e Grêmio, em Portugal era ídolo, duas vezes vencedor da chuteira de ouro e adorado por duas das maiores torcidas do país. No Brasil também era um atacante acima do peso, se arrastando em campo e em Portugal era jogador de time sem expressão nacional e sem o brilho dentro da área. Como um jogador pode ter tantas facetas durante uma trajetória de vinte anos? Como ele pode ser multi campeão, multi artilheiro e depois ser contestado até pelas equipes menores do cenário brasileiro? Jardel foi tudo isso. E neste momento vamos tentar explicar os motivos tanto do brilho quanto de seus tempos apagados.

#Primeiros passos

Nascido em Fortaleza (18/09/1973) Jardel iniciava nos campos do Ferroviário-CE, aos 17 anos. Sua vida já começaria a mudar com a boa participação da equipe na Copa Macaé sub-17 de 1991, onde a equipe do “Ferrão” conseguiu um ótimo e surpreendente 5º lugar, ficando atrás apenas das equipes de renome no cenário nacional Flamengo, Cruzeiro, Botafogo e Vasco. Comandados pelo técnico Edmundo Silveira, a equipe jogou até o quadrangular que antecedia a semifinal, terminando com a melhor campanha dentre os desclassificados. O treinador Edmundo até hoje se orgulha por ter ajudado o menino Mario a aperfeiçoar uma técnica específica que definiria a sua carreira: o cabeceio.

Jardel em 1991, ainda jogador do Ferroviário-CE (Foto: Almanaque do Ferrão)

“Ele tinha uma coisa fundamental. Ele cabeceava forte e tinha coragem. Ele cabeceava sem direção, não tinha muito sentido. Eu fui goleiro e sei onde se posiciona para pegar cabeçada. Tem que aprender a se posicionar e tirar do goleiro. Eu fazia em média 200 cruzamentos para ele. Tirando do goleiro sempre. isso fez com que ele melhorasse” (Edmundo Silveira)

E seria no Vasco da Gama que Jardel começaria a ganhar destaque nacional. Ainda em 1991 o clube carioca, que havia vencido o Ferroviário no torneio de Macaé, mostrou interesse na contratação do jogador de área, contratando-o por 27.500 dólares. Pela equipe cruzmaltina foram dois anos jogando pela base e sendo bicampeão nacional de juniores e integrando a equipe da seleção brasileira campeã do mundial sub-21, disputado na Austrália. O retorno ao Rio de Janeiro não poderia ser melhor, quando Jardel assinou seu primeiro contrato profissional. Embora ainda atuando na equipe da base o clube já demonstrava extrema confiança em seu futuro.

Jardel pelo Vasco, 1994. (Foto: NetVasco)

O faro já aparecia em 1993, ainda na base, com as artilharias da Taça Belo Horizonte de Juniores (11 gols) e da Copa São Paulod e Juniores (9 gols), duas das competições mais tradicionais da base nacional, e ainda naquele ano seria integrado ao elenco principal e conquistando o Campeonato Carioca, embora reserva. Em 1994 o técnido Jair Pereira promoveu a titularidade de Jardel na reta final do campeonato estadual e não se decepcionou, vendo seu pupilo marcar 17 gols sendo dois deles na final contra o Fluminense. Com o título e a artilharia mais uma vez, Jardel despertava o interesse do Grêmio, que acabara de ganhar a copa do brasil e disputaria a Libertadores. Em primeiro momento o tricolor gaúcho contratou o jovem cearense por empréstimo.

#Tricolor dos pampas e a 16

O ano de 1995 guardava a glória para o ainda garoto Jardel, na época com 22 anos. Sob o comando de Felipão, Jardel pôde exercer seu ofício do cabeceio aos montes, com um time taticamente colocado para priorizar o ataque e as bolas na área. A velocidade de Paulo Nunes e os cruzamentos do Paraguaio Arce eram fundamentais para o sucesso do artilheiro num time que ainda tinha Carlos Miguel, Arílson, Roguer Machado, Dinho, entre outros. Ele marcaria 46 gols naquele ano, mostrando que realmente tinha o faro de artilheiro e que não era apenas uma promessa de categorias de base.

(Foto: idolostricolores.wordpress)

Jardel marcou 12 gols e foi, de forma isolada, artilheiro da Libertadores e participou de 13 dos 14 jogos da equipe. Um fato interessante sobre a campanha foi que na fase de grupos o tricolor ficou em segundo lugar, atrás do Palmeiras da “era Parmalat”, contando com estrelas como Roberto Carlos, Cafu, Antonio Carlos Zago, Alex Alves, Rivaldo e Müller. Na fase quartas de final o reencontro com o Palmeiras e o Grêmio aplicaria um sonoro 5x0 no jogo de ida, com direito a um “hat-trick” de Jardel. Jardel marcou gol nos dois jogos das oitavas de final, das quartas de final, em um jogo da etapa semi-final (o outro ficou em 0x0 com o Emelec-EQU) e também no primeiro jogo da final, contra o Atlético Nacional-COL, tornando-se ídolo do clube e imortalizando a camisa 16, até hoje lembrada pos seus feitos.

Ainda em 1995 o Grêmio precisava desembolsar a quantia de 1.25 milhão de dólares ao Vasco para que Jardel ficasse em definitivo na equipe do sul, valor considerado muito alto na época. O clube então lançou a campanha “Fica, Jardel!” mas a torcida não colaborou o esperado, arrecadando apenas 10% do valor. Coube então ao empresário gaúcho Jorge Gerdau Johannpeter investir na compra do jogador, em Agosto de 1995. Em Novembro o clube acertaria a venda de Jardel por 4.5 milhões de dólares, e 60 mil dólares de salário, para o Glasgow Rangers da Escócia. Sua última partida pelo time do Grêmio seria a final do mundial de clubes, contra o Ajax, porém problemas com a seu visto de trabalho o impediram de conseguir o passaporte europeu, fazendo com que a negociação fosse desfeita e ele retornasse em fevereiro de 1996, assinando um novo contrato após uma disputa com o Boca Juniors da Argentina por seu passe.

Em 1996 começava a temporada no Grêmio mas ainda sob os olhos de equipes europeias. Jardel participou da campanha do título do campeonato gaúcho daquele ano, sendo vice-artilheiro da competição com 11 gols e se despedindo do clube com outro “hat-trick” (entre esses gols um belo voleio), desta vez na final contra o Juventude. Final esta, aliás, que teve o placar agregado de 7x0 para o Grêmio e Jardel marcando 5 destes gols. Seu destino serie o Porto de Portugal, que pagava 1.8 milhão de dólares pelo atacante de apenas 23 anos. Este foi o valor oficial divulgado, mas pode ter chegado a 6 milhões.

Jardel marcou ao todo 65 gols pelo tricolor e é atualmetne o 21º maior artilheiro da história do clube, sendo 15 destes gols na Copa Libertadores, maior artilheiro gremista no quesito até hoje.

#Europa, recordes e títulos

(Foto: tribunadoceara.uol.com.br)

Sem modéstia, Jardel se considera o maior estrangeiro da história do clube do Porto e os números que antecedem essa declaração são admiráveis. Jardel foi tricampeão português 1996/97, 1997/98, 1998/98, duas vezes campeão da Taça de Portugal 1997/98 e 1999/00, além de uma Supertaça 1996/97. Quatro vezes artilheiro da liga nacional 1996/97 (30 gols), 1997/98 (26 gols), 1998/99 (36 gols) e 1999/00 (38 gols). Nas competições internacionais foram 15 gols em 24 partidas. Assim como no Grêmio havia Paulo Nunes, muito se credita o sucesso do camisa 16 ao entrosamento com o extremo-esquerdo Ljubinko Drulović. Essa quantia de gols lhe renderam uma Chuteira de ouro da Europa, uma de prata e uma de bronze. No Porto foram 168 gols em 175 jogos, uma média de 0,96 gols por jogo!

Imagem (www.pinterest.co.uk)

A temporada 2000/01 começava de forma nova para Jardel, quando o clube turco Galatasaray pagou a sua multa recisória e assinou por 4 anos com o atleta. Logo na estreia, cinco gols. Com 24 gols em 22 partidas na temporada, foi vice-campeão nacional e campeão da SuperTaça Europeia, com dois gols de Jardel e batendo nada mais nada menos do que o poderoso Real Madrid, que na época contava com estrelas como Roberto Carlos, Luis Figo, Raúl, entre outros. Ainda assim, logo após seu primeiro ano na Turquia, Jardel pediria para ser negociado. Ainda faltando 3 anos de contrato mas com repetitivas lesões e problemas extra-campo, assinava com outro gigante português: o Sporting Lisboa.

Imagem (www.forumscp.com)

Em seu retorno em Portugal, novamente a glória. Entre 2001 e 2003, levou o caneco do campeonato Português, da Taça de Portugal e da SuperTaça. Embora os números pelo Porto tivessem sido fenomenais, o melhor estava guardado para a temporada 2001/02 quando marcou incríveis 42 gols em 30 jogos, novamente levando o prêmio da chuteira de ouro européia.

Aqui, uma pausa para falar mais de números: apenas Jardel e Ronaldo são os Brasileiros que faturaram a chuteira de ouro da Europa, mas Jardel levou duas vezes. Também foi cinco vezes artilheiro do campeonato Português onde apenas outros três jogadores, entre eles Eusébio, conseguiram ser artilheiro em mais temporadas, e colocando-o em 6º maior artilheiro da liga Nacional.

Os números de Jardel entre Grêmio (BRA), Porto (POR), Galatasaray (TUR) e Sporting (POR):

1995 | Grêmio | 49 partidas | 46 gols
1996 | Grêmio | 18 partidas | 17 gols
1996/97 | FC Porto | 31 partidas | 30 gols
1997/98 | FC Porto | 30 partidas | 26 gols
1998/99 | FC Porto | 32 partidas | 36 gols
1999/00 | FC Porto | 32 partidas | 38 gols
2000/01 | Galatasaray | 24 partidas | 22 gols
2001/02 | Sporting CP | 30 partidas | 42 gols
2002/03 | Sporting CP | 19 partidas | 11 gols
TOTAL EM 9 ANOS: | 265 partidas| 268 gols

Jardel alimentava o sonho de vestir a camisa da seleção no mundial de 2002. A equipe era comandada pelo amigo Felipão e os clubes de maior expressão da Europa já sondavam o craque. A convocação não aconteceu, as sondagens não passaram de sondagens e Jardel declarou, no final de 2002, que estava com vontade de retornar ao Brasil. O destino seria o Grêmio, mas o alto salário não se encaixava nos moldes do tricolor, que passava por crise financeira.

#Declínio e peregrinação por clubes menores.

Sem clima no Sporting, assinaria sem custos com o Bolton da Inglaterra. Já fora de forma, disputou apenas 10 partidas e marcando apenas dois gols, um deles contra o Liverpool.

Na pausa do campeonato Inglês foi emprestado ao Ancona da Itália e, novamente sem se firmar, decidiu que era a hora de retornar ao Brasil. Em 2004 negociava com o Corinthians, mas sua forma física impediu a transação. Ainda pertencendo ao Bolton, treinou três meses nas dependências do Palmeiras mas sem atuar uma partida sequer. Livre no mercado, Jardel assinava então com o Newell’s Old Boys da Argentina, atuando em três partidas e colocando em seu currículo o Torneio Apertura.

Em 2005 foi para o Deportivo Alavés, então líder da segunda divisão espanhola, mas ainda com contrato vigente com o Newell’s, não chegou a atuar.

A saga continuava, Jardel não desistia de jogar e treinar. Embora sem a forma física que lhe rendeu todo sucesso de anos anteriores, treinou algumas semanas no CT do São Paulo até, em agosto de 2005, surgia o interesse do Nancy da França, onde Jardel treinou por três dias até que surgiu o clube turco Ankaraspor para contratá-lo. Era a volta ao futebol turco? Não. Jardel perdera o voo e o prazo para a inscrição no campeonato nacional.

Os últimos três meses de 2005 foram animadores para Jardel. Assinando um contrato curto com o Goiás, o clube esmeraldino conquistava a vaga para a Libertadores do ano seguinte, prorrogando o contrato de Jardel por mais um semestre. A campanha na Libertadores 2006 foi muito boa, com a melhor defesa da fase de grupos mas com a eliminação nas oitavas de final diante do argentino Estudiantes de La Plata.

Após a participação na Libertadores assinava com o clube português Beira-Mar. Parecia o local ideal para um renascimento, no país que lhe acolheu e viu a maioria de seus gols e ainda jogando ao lado de seu ex-companheiro de Grêmio Danrlei. Infelizmente não foi o que se viu, muitas lesões e apenas três gols em 10 jogos.

Em 2007 se aventurou no futebol do Chipre, o clube era o Famaguista. Foram três gols e o terceiro lugar no campeonato nacional, mas Jardel ainda levantaria uma taça por lá, a de campeão da Taça do Chipre. Ainda em 2007, no segundo semestre, Jardel jogaria na Austrália, no Newcastle United Jets.

Aos 35 anos Jardel não parava. Com um contrato de cinco meses com o Criciúma, entrou em campo e marcou em sua estreia! Mas era pouco, muito pouco para o craque da década anterior. O corpo não ajudava na performance, a vida pessoal não era a mesma e Jardel não conseguia mais jogar. Ainda depois do Criciúma, ele voltaria ao Ferroviário-CE, América-CE, Flamengo do Piauí, Cherno More da Bulgária, Rio Negro do Amazonas e Al-Taawon da Arábia Saudita. Aposentou-se na equipe saudita.

Jardel na despedida de Danrlei em 2009, seus últimos gols pelo tricolor (foto: ESPN)

Ídolo máximo gremista, por algumas vezes revelou que gostaria de encerrar a carreira no Grêmio. Não aconteceu. Em uma oportunidade o então presidente Paulo Odone afirmou que o Grêmio não era “spa para ex-jogador”. A torcida talvez concordasse com o presidente, mas nunca deixou de amar Jardel. Em 2009 em partida comemorativa da despedida do goleiro Danrlei, a equipe dos “campeões de 95” venceu os “amigos de Danrlei” por 4x3 e Jardel marcou duas vezes, ainda fazendo a torcida tricolor sorrir.

#Vida pessoal e política

Jardel era descrito com um ótimo jogador de grupo, amigo, brincalhão, sincero e humilde. Mas segundo Luiz Carlos Goiano, seu colega de quarto, evangélico, Jardel “não sabia discernir muita coisa”:

Ele frequentou nossas reuniões dos atletas de Cristo na concentração, mas não sabia discernir muita coisa. É pessoa muito querida, sem maldade, mas inocente demais. Ele orava com a gente, lia a Bíblia, mas, se alguém o chamasse para a noite, saía correndo

Talvez isso já fosse um sinal do que estaria por vir. Felipão e a comissão técnica sabiam das noitadas de Jardel, embora sempre sem atrasos para os treinos e tampouco sinais de embriaguez ou vestígios de drogas.

Jardel se casou em 1995 com a modelo Karen Matzenbacher. O Casal se conheceu na premiação dos melhores do futebol gaúcho e casou antes de rumar para o futebol Português.

Em solo português nasceram seus dois filhos, um deles, Mario Jardel Júnior, é jogador de futebol e hoje com 22 anos já tem incríveis 1.96 de altura e declara que “com a bola nos pés” é melhor que o pai. O garoto já coleciona algumas desavenças com comissões técnicas e atua em divisões inferiores do futebol.

As ótimas cifras oferecidas ao craque fizeram com que ele investisse em mansões em Fortaleza e Portugal. O Galatasaray pagou a multa recisória ao Porto e levou o ponta de lança para a Turquia. Aqui Jardel afirma que seus problemas com drogas se agravaram. Talvez por isso que ele tenha ficado apenas uma temporada e pedido para retornar ao futebol português.

Agora no Sporting Jardel levou seus irmãos para o velho continente. George chegou a jogar no Porto, César atuou no exterior e a irmã Jordana namorou um certo jogador da base do Sporting, chamado Cristiano Ronaldo.

Em entrevistas afirmou que os médicos do clube do Porto sabiam de seus problemas com cocaína. Os médicos rebateram que sempre mantiveram testes aos jogadores em seus retornos de férias e que isso nunca aconteceu.

Em Maio uma entrevista ao Esporte Espetacular da Globo externava o que já se especulava: cocaína e álcool. Ao analisar os números de jardel, estima-se que esse problema realmente tenha se agravado na Turquia e estancado em seu primeiro ano de Sporting, mas após isso o declínio era evidente. Ainda com idade para jogar futebol, seu corpo não acompanhava o ritmo e o que se viu foi um jogador cada vez mais pesado e incapaz de atuar.

Nesse momento Jardel, já em um segundo casamento, não tinha condições de manter seu padrão de vida anteriormente conquistado. Vendeu seus imóveis e investiu na carreira política. Em 2014 aproveitou a idolatria em terras gaúchas para se lançar candidato a deputado estadual. Foram 41 mil votos pelo PSD. E aqui a carreira dele teria mais um final melancólico.

Imagem (Divulgação)

Numa operação intitulada “gol contra”, em 2015, Jardel foi denunciado juntamente com outras 10 pessoas por extorquir funcionários, nomear servidores-fantasmas e desviar verbas públicas em benefício próprio. Por suas atividades incompatíveis com as de um parlamentar, foi pedido a cassação de seu mandato. Por unanimidade Jardel deixou de ser deputado, declarou que foi “mal assessorado”, pediu desculpas, se disse uma pessoa inocente e inexperiente.

Hoje Jardel reside em Fortaleza e leva uma vida mais simples e menos conturbada. Se diz livre de vícios e trabalha nas categorias de base do Tiradentes, time local. Virou empresário de jogadores em 2018, já nessa nova função pelo Tiradentes levou o jogador Dudu, de 17 anos, para testes no Grêmio.

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