Raio-X: Oliver Bierhoff - o terror da pequena área

Atacante se acostumou a estar no lugar certo na hora certa

Lucas Parolin
Blog De Bate e Pronto
8 min readDec 19, 2018

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O relógio de Wembley marcava os cinco minutos da prorrogação na final da Euro-96. Matthias Sammer faz a ligação direta entre a defesa e o ataque alemão buscado todos os 1,92m de Oliver Bierhoff. O atacante tromba com o zagueiro — pela milionésima vez em sua carreira — e escora para sua esquerda, onde a bola encontra o capitão Jürgen Klinsmann. Bierhoff se projeta para a área e recebe o cruzamento. Ele ginga de costas para o zagueiro, na posição de pivô, gira o corpo e chuta com a potente perna esquerda. A bola resvala em outro tcheco e engana o goleiro Petr Kouba. Gol de ouro da Alemanha, campeã europeia de 1996.

O nome de Oliver Bierhoff é conhecido por todo o mundo da bola por ser o primeiro futebolista a marcar um gol de ouro em um torneio internacional. Ainda por cima, o tento veio logo na prorrogação da final. Além disso, ele cansou de fazer gols na Serie A e foi um dos principais nomes do centenário do Milan. Ao redor do mundo, o alemão é até hoje sinônimo de um tipo de jogador cada vez mais raro no futebol: o camisa 9 trombador e fazedor de gols.

Início da carreira

Oliver nasceu no primeiro de maio de 1968 na cidade de Karlsruhe, no oeste da Alemanha. Filho de um famoso magnata da região, começou a carreira aos seis anos, nas categorias de base do modesto Essener SV. Em 1985, foi transferido para o Bayer Uerdigen, onde se profissionalizou no ano seguinte. A verdade é que Bierhoff demorou para alçar grandes voos em sua carreira. Em quatro anos, ele jogou por mais dois clubes da Alemanha (Hamburgo e Borussia Mönchengladbach) e totalizou apenas dez gols em 103 jogos.

Adeus, Alemanha

Bierhoff: um início modesto (Foto: Old School Panini)

Novos ares fizeram bem a Bierhoff. Na temporada 90–91, ele saiu da Bundesliga para atuar na Áustria pelo Salzburg. Não sabemos se a água austríaca é diferente, mas algo floresceu em Oliver imediatamente. Sua equipe pode não ter vencido o título nacional da liga naquele ano, mas seus 23 gols em 33 jogos já mostravam um jogador diferente daquele que atuava na Alemanha.

Alto, forte, porém não necessariamente habilidoso, Bierhoff era utilizado como um pivô do futsal. O alemão passava a maioria da partida de costas para a defesa, distribuindo a bola para seus companheiros chutarem ao gol. Porém, o que ele gostava mesmo era de receber altos cruzamentos, onde se destacava demais na disputa com os truculentos defensores. Um exímio cabeceador, Bierhoff se acostumou a levar a vantagem no posicionamento, chegando antes de seu marcador para colocar a bola para dentro. Além disso, o alemão foi abençoado com um potente chute de esquerda, uma grande arma para disparos de fora da área.

Ciao, Italia! Ciao, seleção alemã!

Uma parceria que deu certo (Foto: La Repubblica)

O ano na Áustria impressionou a Europa. Bierhoff já estava pronto para compor o elenco de uma equipe naquela que era a liga mais competitiva dos anos 90: a Serie A. A primeira parada foi o Ascoli, onde, no primeiro ano, pouco sucesso: a equipe foi rebaixada para a Serie B. No segundo ano, uma 6ª colocação, que fez com que o Ascoli permanecesse no segundo escalão do futebol italiano, mas uma ótima temporada individual de Bierhoff: 20 gols e a artilharia do campeonato. Após 117 jogos e 48 gols por lá, o atacante foi contratado em 1995 pela Udinese, que contava também com a chegada do inovador técnico Alberto Zaccheroni, que mudaria a vida de Oliver para sempre. O italiano implantou um ousado 3–4–3, o que impulsionou Bierhoff a 18 gols na Serie A. Um bom número pessoal que não se traduziu em campo: a equipe estacionou na 11ª posição.

O ano de 1996, porém, traria muitas emoções para Bierhoff — e faria com que o mundo começasse a prestar atenção no atacante de 27 anos.

1996 a 1998: Seleção, Eurocopa e Copa do Mundo

Difícil de marcar, mesmo (Foto: The Gentleman Ultra)

Em fevereiro de 1996, Oliver fez sua partida de estreia na seleção alemã, em um amistoso contra Portugal. No mês seguinte, marcou seus primeiros gols, com dois tentos contra a Dinamarca. As performances o credenciaram a fazer parte do elenco que viajaria à Inglaterra para a Eurocopa daquele ano.

Após jogar as duas primeiras partidas (a segunda como titular) e não marcar nenhum gol, Oliver viu toda a campanha alemã do banco de reservas. A equipe chegou à final contra a República Tcheca, o mesmo adversário da estreia. Bierhoff, com a camisa 20, mais uma vez começaria o jogo do banco e foi de lá que viu o seguro Matthias Sammer dar um imprudente carrinho em Karel Poborský dentro da área e cometer um pênalti, convertido por Patrik Berger aos 15 minutos do 2º tempo. Dez minutos depois, o técnico Berti Vogs lançou Bierhoff na esperança de gols e teve seu desejo realizado. Apenas três minutos após entrar, o atacante aproveitou o cruzamento de Christian Ziege e fez o que sabia fazer de melhor: se desprendeu do zagueiro, cabeceou a bola tirando do goleiro e correu para o abraço. Com 28 anos nas costas e menos de cinco meses de experiência com a camisa da Alemanha, Bierhoff mantinha o sonho do título europeu vivo para seu país.

Na prorrogação, a definitiva estampa na história. Um cruzamento de Klinsmann, uma gingada na frente do goleiro e uma pequena (e bem-vinda) falha do goleiro: foi o necessário para que Bierhoff passasse de um modesto atacante da Série A para uma estrela internacional.

Oliver comemora o gol mais importante de sua carreira (Foto: Goal.com)

O retorno de Bierhoff à Udinese, agora com status diferenciado, trouxe mais boas notícias. A equipe contratara o atacante brasileiro Amoroso para atuar ao seu lado. A dupla formaria, junto do atacante Paolo Poggi, um tridente muito temido nos campos italianos. Resultado no primeiro ano: a 5ª colocação para a modesta Udinese e 27 gols em 32 jogos para Bierhoff, agora respeitado mundialmente. Anos depois, Amoroso seria categórico: o “perfeito” Bierhoff foi seu melhor parceiro de ataque.

Tridente de respeito (Foto: CalcioMercato.com)

O bom desempenho continuou em 1997, inclusive na seleção. Em uma partida de Eliminatórias contra a Irlanda do Norte, a Alemanha estava perdendo pelo placar mínimo até os 25 minutos do 2º tempo, quando o técnico Berti Vogs (certamente, lembrado da final da Eurocopa) lançou Bierhoff. Mais uma vez, ele não decepcionou. Em sete minutos, Oliver marcou três gols, ajudou seu país a se classificar para o mais importante campeonato do futebol mundial. Este é, até hoje, o hat trick mais rápido da história da seleção alemã.

Na Copa da França, Bierhoff foi titular e marcou três gols, inclusive contra o México nas oitavas-de-final. Porém, pouco pode fazer contra a Croácia nas quartas-de-final. Ainda assim, teve tempo para mais boas notícias naquele ano: com a aposentadoria de Klinsmann, passou a ser o capitão da seleção alemã. Ainda em 1998, foi eleito o “Jogador Alemão do Ano” pela confederação.

Com o fim da competição na França, Bierhoff foi finalmente estrear em um time de ponta do futebol mundial. Após 86 jogos e 57 gols na Udinese, Bierhoff foi transferido para o Milan, junto de seu técnico Alberto Zaccheroni. Lá, se uniu à dupla de atacantes Boban e Weah e o meio-campista Albertini para fazer o ataque dos sonhos de todo Milanista naquele que era o centenário do tradicional clube italiano. O quarteto deu certo: eles conquistaram o título nacional e Bierhoff ainda foi mais uma vez o artilheiro do campeonato, com 22 gols, com direito ao gol do título contra o Perugia.

O primeiro (e único) título nacional de Bierhoff, no Milan (Foto: pesmitidelcalcio.com)

Começo do fim

Os próximos anos não seriam tão bons para Bierhoff. Apesar de ainda ser essencial na equipe de seu bom companheiro Zaccheroni, a chegada de um certo ucraniano em 1999 colocou seu status como titular em cheque. Aquele tal de Andriy Shevchenko de fato jogava muita bola. Em um primeiro momento, ele jogava ao lado de Bierhoff e Boban. Rapidamente, o goleador ucraniano se tornou o artilheiro da equipe na temporada, mantendo o mesmo patamar no ano seguinte. Em 2001, Carlo Ancelotti chegou ao Milan e foi crucial para a saída do alemão. Bierhoff deixou a Itália para o Monaco, na França, após 91 jogos e 38 gols.

O Monaco trouxe poucas histórias e nenhum título, mas Bierhoff ainda assim participou da Copa do Mundo de 2002, mesmo após o fracasso na Euro de 2000. Na Copa, foram quatro jogos, na reserva de Miroslav Klose, e um gol. Na final contra o Brasil, ele até entrou, na tentativa de encontrar um milagre a la 1996, mas nada feito. O vice-campeonato já estava de bom tamanho.

Logo após a Copa, Bierhoff se transferiu para o último clube de sua carreira, mais uma vez na Itália: o Chievo. Em sua última partida, contra a Juventus, ele lembrou a todos de seu faro de artilheiro. Na derrota por 4–3 para a Velha Senhora, Bierhoff marcou simplesmente todos os gols de sua equipe. Um fim de carreira digno para quem se especializou na arte de fazer gols.

Trabalho agora é fora dos gramados (Foto: NDTV Sports)

No período pós-jogador, Bierhoff se aventurou como técnico na França e atualmente comanda o Eupen, da liga belga. Além disso, ele fez parte do comitê organizador da Copa do Mundo na Alemanha em 2006 e atua até hoje nos bastidores da seleção, principalmente na parte de relações públicas.

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