A Lágrima é Salgada, parte 2

Débora Otoni
Debora Otoni
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5 min readOct 23, 2018

Antes de ler esse, leia esse aqui.

"Mãe, é normal o coração da gente doer?", foi com essa pergunta que Joaquim me deu "bom dia" hoje. Ontem nós nos despedimos da nossa querida Delzinha. Ela trabalhou com meus avós e depois na nossa casa mais de 20 anos. Conheceu a gente bem criança e conheceu as minhas crianças também.

Resolvi compartilhar essa história com vocês porque depois de ajudar várias amigas e conhecidas a passarem por perdas na família com crianças, ontem e hoje vivi isso dentro da minha casa. Espero que possa ajudar alguém que está passando por isso, ou que passou e não soube lidar.

Esse texto, parece um texto para mães e pais apenas, mas se você ler com suas lentes abertas para o inesperado as vezes pode aprender algo com ele também.

No sábado a noite recebi a notícia de que a Del tinha descansado. Ela ficou mais de dois meses entre UTI e semi intensivo, lutando contra uma infecção e outras mazelas mais. O remédio ou tratamento para resolver uma coisa piorava outra. E assim foram esses meses todos… até que sábado, 20 de outubro de 2018, ela deu o último suspiro.

Quando minha mãe avisou eu respirei fundo. As crianças estavam acordadas, vendo filme. Marcos estava com um amigo, gravando uma canção. Eu não sabia se o interrompia o que fazia. Coloquei uma água para ferver, precisava de café. Enquanto eu preparava o pó, a garrafa tive dificuldades para respirar. Coloquei as mãos no joelho e me curvei um pouco. Puxei o ar com muita força e chorei.

Foi um choro rápido. Logo me recompus e agradeci a Deus por todo o tempo que tivemos a Del, agradeci pela Del, por tudo que ela fez pra gente, por tudo o que passamos com ela… agradeci. Avisei a uma amiga que me ofereceu palavras de consolo. E tentava resolver como e quando ir a Vila Velha, onde seria o enterro.

Liguei para as meninas da agencia de viagem e consegui um vôo saindo no domingo pela manhã e voltando no mesmo dia a noite. Aí tive que interromper Marcos, dar a notícia, falar que iria e deixaria as crianças com ele. Tudo certo, fechei as passagens, respirei fundo, tomei meu café, comi minha rabanada, lembrei que tinha um vinho guardado…

Antes de dormir tomei aquele banho demorado, com muito choro e água quente. Duas taças de vinho depois, consegui dormir. Combinei com Marcos que sairia às 6:30 da manhã do domingo, e que ele falaria com as crianças que fui resolver algo na rua… ou qualquer outra desculpa mais plausível.

Quando foi 19h10, depois de muitas emoções, lágrimas e risadas — porque a gente sente tudo ao mesmo tempo; peguei o vôo para voltar para casa. Resolvi dormir porque o dia fora intenso. Queria ler, levei livro na mochila, porém estava exausta, meus olhos ardiam. Me dei o direito de sentar e dormir, perdi até o pão quente do lanchinho. Às 21h15 pousamos. Desembarquei, comprei uma balinha para as crianças e fui encontrar todos na saída do aeroporto.

As crianças ainda não sabiam de nada. Entrei no carro com balas e chocolates para todos. Joaquim insistentemente queria saber onde eu estava, o que eu fiz o dia todo… "Mãe, já sei, você ficou no aeroporto comprando nossa passagem…"

De Guarulhos até em casa, de vez em quando a pergunta aparecia outra vez, e eu fui me esquivando dela. Enquanto isso contava para Marcos, disfarçadamente algumas eventualidades do dia.

Chegamos em casa. Pedi a pizza, de lei. E pedi que as crianças esperassem na minha cama, que já iria lá contar sobre o meu dia. Chegou a hora.

Falei que tinha ido a Vila Velha, tia Del estava muito mal e não reistiu. Joaquim já estava com os olhos cheios de água e Isabel quieta pensativa. Contei que fui ao enterro me despedir da nossa Delzinha. Mas, que tinha levado nosso cordãozinho e colocado na mão dela, pra que ela lembrasse sempre da gente.

Joaquim chorou. Isabel continuou parada pensativa. Eu abracei os dois. Joaquim chorava bastante. Eu falei que tudo ok chorar, sentir tristeza, saudade… que a gente ia sentir falta dela… Joaquim se levantou e saiu do quarto. Eu me certifiquei de que Isabel estava bem e fui atrás dele.

Quin estava na sala, no sofá. Pegou todos os albuns de foto e começou a procurar uma foto de Del. Ainda chorando. Marcos foi falar com ele. Achou a foto, era uma do batizado dele. Del segurou Joaquim no colo logo depois que ele foi apresentado.

Ele foi pro quarto. Eu fui lá sentei na cama com ele. Ele me abraçou, ainda chorando, "mãe como vou viver com saudade da tia del?", foi a pergunta que veio forte. Aí eu chorei. Falei que vamos sentir saudade, tristeza, falta…que agora era um dia de cada vez, e lembrar das coisas legais que vivemos com a Del. Entre um choro e uma pergunta também veio: "eu nunca vou ver ninguém falar?", eu quis rir. Acho que ele quis dizer que nunca tinha ido a um funeral sei lá. Não ri é claro. Mas falei "vai sim filho… fica tranquilo…", mal sabe ele que isso é uma coisa não tão boa assim.

O acalmei um pouco e fui tomar um banho. Entre uma coisa e outra a gente precisa de um respiro também né. Quando passei no meu quarto para entrar no banheiro, Isabel disse em disparada: "Mãe já orei pela tia Del tá?!"

Depois do banho, da pizza, deitei com Joaquim para ver filme. Não sei quem dormiu primeiro. Só sei que hoje ele acordou perguntando se o coração doía quando essas coisas aconteciam…

Nessas horas a gente descobre a nossa força de novo. A gente se redescobre e descobre a fé, a esperança e o amor. A gente lembra e relembra de um monte de coisa. E, principalmente, a gente aprende a contar os nossos dias que são poucos, a chorar nos dias de chorar, a rir e celebrar nos dias alegres. Em tempos como este a gente reaprende a viver um dia de cada vez.

Eu não tenho como resolver a dor do meu filho, eu aprendi que nessas horas de perda a gente deve dar a mão pra saudade e chamar ela pra dançar e caminhar com a gente. Não tenho respostas para todas as perguntas e para todos os por quês. Só sei que enquanto a gente caminha nesse caminho que tem alegria misturada com a dor a gente aprende que tudo é por enquanto, a vida é breve e o tempo vai passar.

Respire baby respire.

Beijo&Tchau.

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