A fuga contida de Pearl

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5 min readFeb 12, 2023

Pearl (Direção de Ti West, 2022) é um filme que com certeza tem muito a dizer.
Quando o assisti fiquei por dias pensando em diversos momentos. No entanto, uma das coisas que mais me fez revisitar mentalmente as cenas do filme foi a seguinte pergunta:
Por que Pearl não fugiu?
Pearl (interpretada por Mia Goth) é uma mulher jovem que se casou com um homem de situação mais confortável que ela na esperança de ter uma vida melhor e visando principalmente o desejo de deixar a fazenda de seus pais. Em contrapartida, ele quer uma vida bucólica, tanto que por mais que tenha boas condições, ele trabalhou como lavrador na fazenda dos pais de Pearl. Após este contato direto com o campo e por terem se casado, ele decide que vai morar na fazenda com a esposa e com seus
sogros. Devido à Primeira Guerra Mundial, ele é convocado e Pearl passa a esperar pelo seu retorno junto com seus pais de origem alemã. A mãe é extremamente rígida, crítica e poda qualquer imaginação e sonho da filha por acreditar que ela não deve perder tempo com distrações, visto que ela deveria ser responsável pela fazenda e pelas atividades que este espaço exige, assim como deveria ser responsável pelo pai, que é muito doente e exige cuidados constantes. É neste espaço de isolamento que Pearl
começa a praticar alguns atos de extrema violência, que já poderiam existir em sua mente, mas tomam forma neste contexto.
Além do enquadramento da Primeira Guerra Mundial, o filme usa da gripe
espanhola como um motivo extra pelo qual Pearl precisa se isolar com seus pais, principalmente devido à condição de seu pai e por isso, era melhor evitar qualquer outro fator que pudesse piorar seu quadro. Entretanto, às vezes ela precisa ir à cidade para comprar medicações para ele e é nesses pequenos momentos de liberdade que ela aproveita para ir ao cinema e se encantar cada vez mais com esse mundo, sonhando que possa se ver também em algum filme. Nessas idas ao cinema, Pearl conhece o
projecionista e como ele diz que já foi para a Europa e que deseja de retornar, ela vê nele uma chance para que juntos possam fugir e assim, ela poderia trabalhar no cinema.
Pearl sabe que haverá uma audição para uma trupe de musicais de Natal e ela enxerga nisso uma chance para alcançar seu sonho de atuar no cinema. Nessa ocasião, ela se desloca para a cidade já com malas prontas para sair da dali com a equipe responsável pela audição porque acredita fortemente que ela tem talento e grandes chances. Pearl acaba por não ser aceita na audição, o que fere e acaba totalmente com suas esperanças e com seu sonho de sair daquele espaço tão disfórico para ela.

Como disse anteriormente, o que mais me marcou no filme foi o fato de Pearl simplesmente não fugir e ir para alguma cidade maior e com mais chances de entrar no cinema, tentando assim realizar o seu sonho. Pearl não fugiu quando seria possível fazê-lo de alguma forma, seja pelas idas à cidade para comprar remédio para o pai, seja de noite, seja no dia da audição. Apesar de todas essas oportunidades, Pearl permanece no espaço que a segura de seguir e tentar tornar seus sonhos reais.
Pearl também poderia ter usado o carro do projecionista do cinema para fugir (não fica claro se ela sabe dirigir, mas seria uma possibilidade). Quando ela vai na audição, ela também poderia fugir, uma vez que já estava com suas malas prontas para sair da cidade. No entanto, mesmo com todos estes furos e pequenos momentos de liberdade, Pearl não vai embora. Ela não segue o que tanto repete durante o filme, de que não quer ficar na fazenda para sempre. Na realidade, ela fica na fazenda, para sempre, como podemos concluir em X — marca da morte (Direção de Ti West, 2022) que embora lançado antes de Pearl é um complemento anacrônico do filme em causa.

Na minha visão, considerando o que sabemos de Pearl, revelado em grande
parte pelo seu monólogo torrencial é que ela não tem forças para fugir. É possível que desde criança Pearl ouviu sua mãe desqualificar e podar seus sonhos, o que ficou mais intenso após o casamento e isolamento com os pais, já que na visão da mãe, Pearl deveria se preocupar unicamente em cuidar da fazenda e do pai, não deveria sonhar em ser atriz ou em se vestir como gostaria com os vestidos antigos que a própria mãe já não usa e os guarda por guardar, sem fazê-los ter qualquer utilidade. Durante a briga
entre as duas, a mãe diz que a filha é fraca e Pearl acaba por concordar com isso no final do filme. Essa criação a fez crescer insegura, com baixa autoestima e por isso não se vê como uma pessoa corajosa que consegue fugir do que a machuca. Pearl está presa a tudo que prende ela.
Ela consegue matar quem a fere de alguma forma, mas não consegue fugir
dessas pessoas. Ela não consegue se impor e nem tem forças para isso porque nunca foi construída uma estrutura para que ela tivesse forças e amor-próprio para se defender de outra forma, e não física, da forma que reage. Não quer dizer que concorde com as atitudes dela, porque na minha concepção, seria mais fácil ela ter fugido em algum momento.
Acho que o fato de Pearl carecer de forças para tomar alguma atitude foi um dos motivos que pessoalmente senti uma ligação com ela. Talvez seja o motivo também que ela tenha se tornado popular para algumas pessoas, porque se viram na representação da falta de autoestima e a falta de estrutura para que isso fosse construído e possível.
Mais uma vez, não acho que justifique os atos violentos praticados por ela. Para mim, parte do que Pearl representa é reflexo do que a carência de construir uma autoestima, de criar uma pessoa segura de si expressa.
Pearl não foge porque não tem forças. Ela não se acha forte ou confiante para fazer algo tão arriscado e seguir seus sonhos por si mesma, então se conforma em ficar onde nunca quis estar, na fazenda de seus pais até o fim, mas sem abandonar o lado sombrio e cruel em si, já que ela fará outras vítimas no futuro. Ela precisa de alguém ou um motivo externo para sair dali, por isso cria tantas expectativas com o projecionista e
com a audição para o musical de Natal. Por esperar alguém ou algo salvá-la, ela nunca salva a si mesma.

Enviado por Ren Scripta | Insta: @ren.scripta

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