Declama, Mulher!
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2 min readJan 18, 2023

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MISTÉRIOS ALQUÍMICOS FUMEGAM NO CALDEIRÃO SÍGNICO DA
BRUXA: A INSURGÊNCIA DOS ARQUÉTIPOS FEMININOS NO PROCESSO
CRIATIVO

Durante esta quarentena, em alguns momentos de desaceleração da rotina (a sobrecarga perdura), vivencio um precioso estado de recolhimento e mergulho em mim mesma, e busco aprofundar leituras e meditar sobre o processo de criação.A essência de alguns livros me acenderam farpas, após concluir a leitura do Livro de Lilith e o Legado das Deusas, obras que
suscitam o resgate do feminino visceral e suas múltiplas nuances, senti-me reconectada aos poderes ancestrais e meu olhar rebrilhou, revisitando minha própria vivência criativa ao longo destes dez anos de escrita e publicação de livros.

A conexão com o feminino é o meu leitmotiv vívido, exponencial e atravessa toda minha
obra, desde Solfejo de Eros (2010), percebe-se a imersão contínua, através da releitura e convergência com figuras femininas mitológicas e arquetípicas (Vênus, Inanna, Medusa, Pandora, Selene, Melusina, A Grande Mãe, Lilith, entre outras). Tal fio condutor denota uma
crescente busca pela individuação, empoderamento, resgate da ancestralidade da mulher selvagem, tessitura e enaltecimento dos saberes mágicos e místicos da mulher numa sociedade violentamente patriarcal.

Em Mistrais (2014), a consciência lunar e o corpo em plenitude são explorados em profundos níveis sensoriais e imagéticos, a incorporação do sagrado feminino é celebrada com esplendor e a confluência de vozes é reverberação e invocação, em poemas como Febre das Musas e Desabotoando Pagu. Em Zarabatana (Patuá, 2016), o poderoso arquétipo da feiticeira na floresta é o mote dominante, vemos a Diana caçadora, deusa arqueira com sua aljava repleta de incandescentes setas, metáfora para os poemas: flechas sopradas sedutoramente, rumo ao cerne. Ártemis reina no grimório, mas não abdica da confabulação com outras deusas, sibilas e
magas.

Há em meus livros, gumes envenenados, a lâmina-língua sempre dilacerante, flores encantatórias, ervas mágicas e magmáticas, o sussurro serpenteante de Lilith no deserto, matilhas de poemas farejando sangue e seiva na pele, uma dança incessante de ninfas nuas ao luar, e sobretudo a genuína força ancestral da mulher loba, insubmissa, selvática, soberana senhora de si e dos rituais com a palavra.

Com luxúria e júbilo percebo-me, no espelho da criação, moira e demiurga, mordendo a maçã pura da Musa, flertando com o olhar fatal da Medusa, bacante rainha, entre flautas e zarabatanas, rugindo, dançando e caçando as chaves encantadas do sonho e os segredos selvagens dos versos e feitiços. O sentido de alteridade é pulsante: que minha voz encontre e levante muitas outras, mulheres miríades em mantra: navalhas afiadas lacerando todos os vultos violadores e opressores.

texto enviado por Anna Apolinário, insta: @palavradepandora

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