5 lições sobre empreendedorismo na academia com a inventora do plástico ecológico de babaçu

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7 min readJun 11, 2021

Por que várias ideias geniais nascidas nas universidades têm dificuldade para encontrar o seu caminho no mercado? Em uma edição especial do podcast Ciência na Ponta, a gente conversou com a pesquisadora Bianca Maniglia, para conhecer o plástico biodegradável de babaçu que ela desenvolveu na USP. A entrevista foi muito divertida e pode ser conferida na íntegra no nosso Youtube.

Dessa conversa, tiramos vários aprendizados para que cientistas, com produtos tão relevantes como o dela, possam levar suas invenções para o dia a dia das pessoas.

Filme plástico produzido pela Bianca com resíduos de babaçu — Foto: Divulgação/FFCLRP

O plástico de Babaçu, totalmente ecológico

Plásticos biodegradáveis! Esse é o sonho de muitas empresas e consumidores que procuram estratégias para diminuir o seu impacto no meio ambiente. Motivada por resolver o problema das sacolinhas de mercado, Bianca desenvolveu um plástico totalmente biodegradável feito de subprodutos da indústria de óleos e pigmentos, aproveitando resíduos de babaçu e urucum .

Mas, como em toda inovação, a ideia inicial se transformou completamente durante o processo e Bianca descobriu novos caminhos: “O que mais me surpreendeu foi a variedade de aplicações. Empresas de todos os tamanhos nos procuravam. Eu, que comecei querendo resolver o problema da sacolinha de mercado, recebi proposta de gente querendo fazer expositor de joias e embalagem de barbeador, que foi uma aplicação que tinha mais a ver com a natureza do meu material, que é mais firme e não pode ter contato com a água.”

Durante o mestrado e o doutorado, em Ribeirão Preto, Bianca desenvolveu o que a gente chama de casting: um quadradinho pequeno de plástico que comprova que a fórmula e a metodologia para a síntese do material funcionam. Mas foi no pós-doutorado, na Politécnica da USP, que Bianca ganhou visibilidade. No seu projeto, usou a infraestrutura do laboratório para descobrir como produzir esse plástico em grande escala.

Agora sim a pesquisa começava a caminhar para testes de viabilidade que aproximavam o produto da aplicação real. Com a divulgação feita pela USP, ela começou a receber propostas de diversas empresas. “Quando acabei o doutorado, [o projeto] foi publicado no jornal da USP. Começou um boom de empresas ligando, desde empresas grandes a empresas pequenas. Até blogueiras que vendem biquini estavam procurando o plástico de babaçu.”, conta Bianca.

Apesar da grande procura, o plástico ainda não chegou ao mercado. Com a conclusão do pós-doutorado, Bianca foi para França trabalhar com outros projetos para desenvolvimento de polímeros e hoje orienta pesquisas na USP nessa mesma linha.

O que fazer para que mais projetos geniais como esse não se encerrem junto com as bolsas de mestrado ou doutorado?

5 caminhos para dar liga nas inovações baseadas em ciência

Vamos ver como a história desse projeto incrível aponta caminhos para potencializar a interação academia-mercado.

1. Timing e Continuidade: professores que puxam a fila:

Um dos maiores entraves indicados pela história da Bianca é o timing de desenvolvimento: enquanto empresas querem desenvolver produtos em três meses a academia pode precisar de anos. Por que isso acontece?

De forma prática, essas diferenças aparecem no formato de trabalho e alocação dos recursos para pesquisa: um acadêmico que recebe bolsa de mestrado ou doutorado precisa seguir etapas e parâmetros de desenvolvimento que, na indústria, tendem a ser muito mais rápidas e flexíveis: “A pessoa forma e o projeto acaba e nem sempre dá para, num mesmo projeto, desenvolver tudo o que a empresa precisava.”, explica Bianca.

A falta de mecanismos de continuidade faz com que muitas inovações parem no meio: “A gente tem quebras de pesquisa. Você faz um desenvolvimento no seu doutorado, mas vai embora porque acabou [a formação]. (…) Aí vem um próximo aluno, que ainda vai se qualificar para dar continuidade a essa pesquisa. E isso é muito complicado em termos de indústria.”

Bianca observou que os professores têm mais condição de assumir parcerias com as empresas. “Como eles dão continuidade à pesquisa, eu os vejo se abrindo para empresas. Eu considero que, para os professores, essa ideia de montar startup ou de montar parcerias é bem superior. A gente vê isso acontecendo.”

2) Evolução das políticas de inovação para driblar a burocracia

Quando a barreira do timing era vencida, começava outro dilema: “A empesa concordava com o nosso tempo; a gente ia para a burocracia dentro da universidade e elas fugiam: ‘se eu preciso de tanta burocracia, eu tento desenvolver outra coisa.’ (…) Me dá tristeza tantas dissertações, tantas teses sendo colocadas ali na biblioteca e acabou. Poderiam ter virado excelentes produtos, excelentes materiais e não houve continuidade.”

Por isso, é essencial o desenvolvimento das políticas de inovação das universidades, para que os NITs e agências de inovação construam e testem modelos de parcerias que diminuam os riscos e garantam celeridade no processo de licenciamento ou co-desenvolvimento. Além das políticas, um trabalho para difusão de oportunidades e aconselhamento dos cientistas é essencial para que mais parcerias nasçam dentro das universidades.

A Wylinka possui um histórico de projetos de capacitação de NITs para prospecção e avaliação de tecnologias, bem como materiais e metodologias para embasar a negociação com empresas. Acesse nossa área de conteúdos e saiba mais.

3) Desenvolver a cultura de empreendedorismo e inovação entre os pesquisadores

Bianca nunca pensou em abrir uma startup, mesmo sabendo da qualidade do produto que tinha nas mãos. “Falta essa orientação para o pesquisador. A gente não sabe de nada disso, não tem acesso a esses conhecimentos. (…) Eu nunca abri uma startup, nunca fiz um programa de empreendedorismo; fui desenvolvendo o produto no doutorado e pós-doutorado, mas nunca geramos uma conexão com as empresas, também porque nunca dava o encaixe.”

Essa é uma das transformações que a Wylinka busca promover. Sem a visão de mercado, eles acabam perdendo oportunidades e podem ter dificuldade de alinhar o resultado das suas pesquisas com a demanda desses possíveis parceiros.

“Realmente, eu acho que a gente precisa saber vender o nosso peixe. A gente trabalha mais com as desvantagens do nosso produto do que valorizando as suas vantagens.”

Pelo que temos visto nesses anos de atuação com o público de pesquisadores, quando professores e pós-graduandos têm contato com eventos de sensibilização e pré-aceleração, a visão sobre a jornada de desenvolvimento da pesquisa muda drasticamente. Em 2019, por exemplo, uma professora da UFSJ foi selecionada para um dos nossos programas de pré-aceleração e, um ano depois, já tinha conseguido fechar parcerias para desenvolver os testes clínicos do seu cosmético junto com uma empresa parceira.

4) Conectar a pesquisa com startups e empreendedores

Sabemos que nem todo pesquisador que deseja ver sua pesquisa aplicada está disposto a abrir uma startup. Os programas de empreendedorismo acadêmico são excelentes oportunidades para desenvolvimento de habilidades comportamentais, abrir portas para parcerias com empresas e para aprender a comunicar bem o potencial das pesquisas — fatores importantes para o sucesso na vida acadêmica do pesquisador.

Mas ainda são raros os casos de cientistas que conseguem tocar suas empresas em paralelo à carreira acadêmica ou mesmo trocar uma carreira pela outra. Bianca chegou a receber um convite para empreender, quando estava na França: “um grupo de brasileiros me procurou e falou ‘a gente conseguiu uma aceleradora na Holanda, você gostaria de entrar com a gente nesse negócio?’ E eu falei: ‘Bem legal, mas eu não tenho essa coragem!’. Eu acho que o cientista precisa de um amigo da área de negócios. A gente sabe da técnica, mas tem aquela timidez.”

“Eu acho que o cientista precisa de um amigo da área de negócios. A gente sabe da técnica, mas tem aquela timidez.”

Por isso, é extremamente importante fazer a conexão entre as startups com a academia. Muitas vezes, a startup precisa do conhecimento técnico e não tem recursos para desenvolvê-lo; do outro lado, o pesquisador precisa de alguém para tocar o negócio enquanto se dedica ao desenvolvimento do produto. Foi o que vimos no ano passado, em um projeto que conectou as tecnologias do CPQD com startups da área de cidades inteligentes e realidade aumentada.

5) Busque a patente e a propriedade intelectual

Por último, mas não menos importante, a história de Bianca nos ensina sobre um assunto pouco difundido entre os acadêmicos que é a propriedade intelectual. Geralmente, os cientistas demonstram seus resultados com a publicação de artigos. Porém, essa publicação pode impedir o pedido de patente da tecnologia mais à frente, uma vez que os dados já foram divulgados.

“Eu perdi uma grande oportunidade de garantir a propriedade intelectual. Na época do mestrado, o foco do grupo era publicação de artigos e, assim que possível, publicamos o resultado. Depois, com a procura das empresas, eu vi o potencial de invenção. (…) Se preocupar com publicações na academia faz a gente se atropelar em relação a pedidos de patente.”, relata Bianca.

“Se preocupar com publicações na academia faz a gente se atropelar em relação a pedidos de patente.”

Assim como a maioria dos pesquisadores do Brasil, ela não teve acesso a capacitações sobre inovação e nem conhecia as possibilidades da proteção da sua invenção. Somente no pós-doutorado Bianca entrou com o pedido de patente em cima da evolução do projeto. Um pedido foi aceito e outro está a caminho.

O conselho de Bianca para o pesquisador que está desenvolvendo um produto é buscar a proteção desde os primeiros resultados. “O potencial aparece muito antes e o interesse das empresas também. (…) Corra atrás, acredite que seu resultado é interessante para ser patenteado. Vá atrás das burocracias que são demoradas, tenha paciência, e quando sair, aí sim, você publica.”

A história de Bianca é incrível e o seu projeto chegou a resultados muito favoráveis nos quesitos sustentabilidade e custo-benefício. Esperamos que o plástico de babaçu encontre novos caminhos para chegar ao mercado!

A Wylinka trabalha para que esses caminhos possam ser construídos! Temos uma série de metodologias desenvolvidas para cada uma dessas etapas que a história da Bianca nos mostrou.

Trabalhamos com programas de sensibilização e capacitação empreendedora para acadêmicos, como por exemplo o StartupTech e a metodologia Science Business Model usada em programas de pré-aceleração para base científica, como o Incube do Inova HC e o Catalisa, do Sebrae.

Para facilitar a conexão e alinhamento entre a academia e o mercado, temos ferramentas e metodologias para mapeamento de soluções, avaliação do potencial mercadológico de tecnologias e, especialmente, para o desenho de parcerias de sucesso entre universidades e empresas.

São 8 anos vivenciando essa jornada todos os dias! Acesse nosso site e conheça o impacto das metodologias e projetos da Wylinka!

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Somos uma organização sem fins lucrativos que tem como propósito mobilizar e desenvolver instituições e ecossistemas para a inovação e o empreendedorismo.