A ferramenta de Stanford para inovações tecnológicas médicas

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DEEP Wylinka
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8 min readSep 16, 2021

Intensificada pelos eventos mundiais dos últimos dois anos, temos visto a importância de inovações que impactam a saúde populacional, desde a prevenção até o tratamento de doenças, assim como o sistema de saúde em si, com o aumento da eficiência ou a otimização de processos afim de diminuir custos ou recursos necessários. Aqui na Wylinka fizemos muitos projetos para a geração de tecnologias em saúde, como o In.Cube do InovaHC, o mapeamento de tecnologias para a Associação Samaritano e o projeto de promoção de tecnologias para a Fiocruz, e neles nos deparamos com dezenas de ferramentas, uma delas o processo do Biodesign. Desde seu início, o programa de Biodesign de Stanford já gerou 51 empresas de tecnologia médica, com um impacto em mais de 3 milhões de pacientes no mundo, e, além de utilizarmos muito dele em nossos programas, resolvemos trazer aqui para a Deep de modo a divulgá-lo para mais pessoas. ;)

Photo by CDC on Unsplash

Criado em 2001 pela Universidade de Stanford — a mesma que desenvolveu o processo do Design Thinking (DT) como uma abordagem de inovação -, o Biodesign surgiu como uma frente metodológica para o processo de desenvolvimento de equipamentos/soluções médico-hospitalares, tanto de hardwares como softwares. Este método segue a premissa do DT, na medida em que parte de abordagens criativas e práticas para solucionar problemas e gerar com isso melhores resultados, entretanto aborda também alguns processos de desenvolvimento de produto.

Por se tratar de um universo com muitas peculiaridades, a cadeia da saúde demanda especial atenção a alguns fatores e, para entender quais são esses, preparamos um manual de funcionamento da metodologia. Então prepare seu café, e vamos lá… :)

As etapas do Biodesign

O processo de Biodesign é dividido em 3 grandes fases: identificação, invenção e implementação (na figura: Identify, Invent, Implement). Cada fase é dividida em dois estágios iterativos, e não necessariamente lineares. Por fim, cada estágio possui uma sequência de atividades-chave. O processo esquemático pode ser visualizado na figura abaixo.

Fonte: The Biodesign Process. Adapted from Biodesign: The Process of Innovating Medical Technologies, Yock P. et al., ISBN13: 9781107087354.

1 — Identificação

Assim como no Design Thinking, o Biodesign parte da identificação e entendimento do problema, e disso se trata a primeira fase do método — identificação (ou, Identify, no setor verde na imagem abaixo). O propósito desta fase é encontrar um número de demandas vindas de hospitais, pacientes ou atores que façam parte da cadeia da saúde, classificadas como “necessidades clínicas”, a partir de observações e, então, selecionar apenas as que se mostram mais promissoras, através análises amplas e superficiais do problema em si, das soluções que já existem para resolvê-lo, e do mercado. Para isso, a fase é dividida em duas etapas iterativas e não necessariamente lineares, Needs Finding (descoberta de necessidades) e Needs Screening (triagem de necessidades).

1.1. Needs Finding

“A well characterized need is the DNA of a great invention.” — Biodesign: the process of innovating medical technologies.

Na primeira etapa, o foco da equipe deve ser o entendimento do processo, das pessoas envolvidas nele, dos seus potenciais obstáculos, e das barreiras técnicas que possam ser modificadas, tudo isso para evitar aplicar esforços em vão em problemas que não sejam reais ou relevantes.

A jornada se inicia com uma análise das competências da equipe, de sua missão, seus pontos fortes e de melhoria, assim como de qualquer fator externo que demande tempo, custo ou riscos que afetem a obtenção de resultados, utilizando tais elementos como critérios de seleção para nortear a escolha da área em que a equipe se propõe a atuar. Esta atividade é de extrema importância pois alinha a equipe entre si e com a área que desejam ingressar, sendo uma forte base em momentos de incertezas e tomadas de decisão que a equipe terá ao longo da jornada.

Em seguida, a equipe parte para a exploração da área escolhida, realizando pesquisas para captar informações relevantes, as quais preparam a equipe para realizar observações dos procedimentos e, por fim, entrevistas para captar mais a fundo as causas dos problemas encontrados.

Com essa gama de informações, a equipe inicia a construção de uma declaração que será base para os estágios que seguem, a qual identifica o problema observado, a população que é afetada e o resultado esperado com alguma intervenção, evitando porém uma tendência a alguma solução específica. Em seguida, a equipe prossegue para um primeiro momento de validação desse problema, população e resultado esperado (estudados pela equipe na etapa anterior), através do contato direto com os potenciais usuários e outros atores envolvidos no contexto da área. Esse momento é importantíssimo pois fundamenta as primeiras ideias do que a solução deve possuir para gerar valor.

1.2. Needs Screening

Nesta etapa, um dos principais objetivos consiste em identificar as lacunas no que se refere às soluções disponíveis no mercado — no custo, na eficácia ou em outros fatores — a fim de aumentar a chance de aceitação, por parte dos stakeholders, da solução que será proposta pela equipe, além de verificar se o mercado escolhido será viável do ponto de vista comercial.

As atividades aqui consistem em análises mais profundas sobre o problema — seja este uma doença ou um processo ou procedimento hospitalar ineficiente ou custoso -, seu impacto econômico, tratamentos ou soluções disponíveis para atendê-lo, atores envolvidos (pacientes, os diversos profissionais de saúde, gestores de hospitais, operadoras de saúde, etc.) e suas exigências, competidores, e o mercado e sua dinâmica. Ao final desta fase, a equipe deve ter selecionado apenas a(as) oportunidade(s) mais promissora(s) para as próximas fases.

2 — Invenção

O objetivo desta fase é a concepção e elaboração de soluções que atendam a oportunidade identificada e selecionada na fase anterior, para então prosseguir à última fase do processo com um conceito final da solução.

2.1. Concept Generation

Para isso, inicia-se a etapa de geração de conceitos, na qual a primeira atividade consiste na ideação de potenciais soluções, através de abordagens como brainstorming, a partir dos fatos acumulados nas etapas anteriores. Em seguida, a equipe deve selecionar algumas dessas ideias com base no alinhamento com a declaração desenvolvida nas etapas anteriores, no entendimento no tempo, dinheiro e esforços que serão necessários para verificar o quanto a ideia seria prática, e através da coleta de feedbacks dos usuários ou atores envolvidos.

2.2. Concept Screening

Uma vez tendo as ideias selecionadas, a etapa de triagem dos conceitos se inicia, na qual a equipe deve identificar e mergulhar em alguns fatores imprescindíveis dentro do contexto de inovações em saúde, como questões de propriedade intelectual, regulatórias e de reembolso, para somente então partir para a as opções de modelagem de negócio.

Esse momento é um período-chave do processo de Biodesign, já que, em primeiro lugar, patentes — e outras formas de proteção da invenção — servem como forma de incentivo à equipe e facilita o processo de lançamento da solução. Em segundo lugar, a aprovação de órgãos regulatórios determinam a viabilidade da inovação, pois podem alterar algumas features da invenção em si, o processo de desenvolvimento ou até a comercialização da mesma. Em terceiro lugar, o entendimento da maneira como ocorre o processo de compras e pagamentos no contexto hospitalar é essencial para prever se a tecnologia poderá ser implementada e se terá viabilidade financeira para ser desenvolvida, tendo em mente quem são os players tomadores de decisão, os facilitadores e os pagantes. Diferente de processos comuns de startups, essa etapa é dealbreaker quando falamos de inovações em saúde.

Após passar por essas atividades, a equipe então estuda os tipos de modelos de negócio para dispositivos médicos, com suas vantagens e desvantagens, e escolhe o tipo de modelo de negócio apropriado baseando-se nas características da invenção e seus clientes.

Por fim, a equipe inicia a construção e testes de protótipos. As primeiras versões se dão em formatos esquemáticos desenhados, e então vão se materializando em versões materiais, funcionais e mais detalhadas. Nessa etapa, a equipe precisa priorizar estrategicamente quais elementos de um conceito de ideia apresentam os maiores riscos em termos de viabilidade técnica e que então devem ser analisados desde o início, tais como o tipo de material a ser utilizado. Além disso, os protótipos deve ser apresentado aos potenciais usuários para receber feedbacks e validação de interesse e aderência, levando em consideração as características ou features mais críticas para eles, assim como aquelas que os afastam. A equipe finaliza a fase de invenção com apenas um protótipo — aquele que possui maior chance de sucesso — utilizando, para sua escolha, todo o conhecimento que fora adquirido até então.

3 — Implementação

Uma ideia por si só não melhora a vida de ninguém se não for implementada, e por isso o processo do Biodesign tem como última fase a de implementação. O objetivo desta fase é a criação de um planejamento ou roadmap, através do desenvolvimento e integração de estratégias essenciais, a fim de desenvolver o conceito em um produto que seja real, seguro e eficaz para o paciente, atrativo para o cliente pagante e os provedores de saúde, e que portanto chegue ao mercado.

3.1. Strategy Development

Essa é a etapa mais longa de todo o processo, pois implica em considerar todos os elementos estudados na fase de invenção além de integrá-los com estratégias sobrepostas. Estas estratégias focam nas seguintes áreas-chave: propriedade intelectual, integrando-a com planos de P&D e testes clínicos; estratégia regulatória, integrando-a com gestão da qualidade do produto; estratégia de reembolso; estratégia de estruturação do negócio e habilidades em marketing, vendas e distribuição; e a combinação de todos os recursos para tornar o negócio competitivo e sustentável. A partir deste momento, a equipe trabalha junto a mentores e consultores, para endereçar a solução à melhor estratégia.

3.2. Business Planning

A última etapa do processo do Biodesign compreende em uma integração de todos os elementos trabalhados até aqui, e tem como foco a construção de uma startup — oferecendo apoio em gestão de empresa, geração de modelo de negócio, desenvolvimento de pitch convincente e captação de recursos.

Para aqueles que visam formas alternativas à criação de startups, esta etapa também aborda os processos necessários para que se obtenha uma parceria ou um licenciamento.

E no Brasil?

No Brasil, utilizamos a metodologia do Biodesign na primeira e segunda edição do Programa de Apoio a Inovação Interna do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo — o In.cube -, no qual por 18 semanas, 20 projetos de inovação são capacitados com as ferramentas para aplicá-las em sua jornada e, assim, levarem impacto a toda a cadeia de saúde.

A utilização dessa metodologia como ferramental para o desenvolvimento de inovações nacionais tem o potencial de gerar impactos que transcendem fronteiras, além de contribuir para uma sensibilização de agentes governamentais no sentido de desburocratizar processos que ainda sejam entraves e dificultem a viabilização de invenções brasileiras. Em alguns dos projetos, por exemplo, as reflexões das fases de análise de propriedade intelectual e políticas de reembolso no Brasil fizeram com que pesquisadores(as) pivotassem no modelo de negócios imaginado para se adaptar ao cenário competitivo de saúde nacional.

E se você tem interesse em rodar um programa de desenvolvimento de startups em saúde, que tal bater um papo com a gente para contarmos mais em detalhes sobre o uso do Biodesign no contexto brasileiro? É só é só mandar um email para o novosnegocios@wylinka.org.br que a gente pensa em coisas juntos! :)

E, ah, recomendamos bastante o livro (ou bíblia) do Biodesign. É grande e caro, mas vale a pena.

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Somos uma organização sem fins lucrativos que tem como propósito mobilizar e desenvolver instituições e ecossistemas para a inovação e o empreendedorismo.