Por que eu jogo isso?

Enquanto é inegável a diversão em matar pessoas ou fazer rituais de magia, os jogos mais inofensivos estão consumindo a minha vida.

Luan Urban
Deepen

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Quando eu tinha 11 anos, minha tia me levou para a igreja. Apesar de ser algo que eu preferia não fazer, não era um programa estranho porque venho de uma família religiosa, nem desesperador porque eram apenas duas horas. Duas horas ao lado de gente gritando obecenidades na língua dos anjos, mas ainda assim pouco tempo. Sentaria quieto e em pouco tempo estaria na sala jogando videogame. E foi o que fiz até passar mal.

Não foi nada demais. Talvez uma queda de pressão, talvez uma crise de ansiedade, nada necessariamente preocupante, mas o suficiente para uma pastora aparecer na janela do carro da minha tia e perguntar preocupada:

“Ele joga Pokémon?”

Stardew Valley, exclusivo para PC

No início dos anos 2000, as igrejas evangélicas tinham um problema específico com Pokémon. E eu entendo. Quer dizer, é em sua essência um jogo cheio de monstros repetindo o próprio nome e matando uns aos outros, não é necessariamente difícil encontrar algo que a igreja desaprove.

Na verdade, o que eu queria era voltar para casa e cuidar da minha fazenda no Harvest Moon. E eu sou o primeiro a admitir que dar comida para animais e plantar beterraba não parece divertido—e talvez não seja divertido, então por que eu fazia? Por que até uma pastora supôs que eu estava jogando algo melhor (que consequentemente traz mais mortes e mensagens sublimares satânicas)? E por que as fazendas virtuais continuam consumindo a minha vida sendo que eu odeio a natureza?

Animal Crossing: New Leaf, Nintendo 3DS

Numa pesquisa superficial, o argumento central é o de que quem se interessa por esse tipo de jogo quer fugir da sua realidade. É um argumento tentador, foram incontáveis as vezes que liguei o videogame porque estava estressado e não queria pensar sobre os meus problemas, mas isso diferencia jogos como Harvest Moon ou Animal Crossing de qualquer outro hobby? Acredito que não. Podemos fugir dos nossos problemas assistindo um filme, lendo um livro e jogando qualquer outro tipo de videogame. Não responde as minhas perguntas.

“Eu joguei um simulador de caminhões por 30 horas e nunca havia me sentido tão em paz”, encontrei no título de um artigo do ano passado. É um bom começo. Jogamos simuladores porque são relaxantes? Eric Barone acredita que sim.

Barone é o criador de Stardew Valley. Trabalhou sozinho, durante 4 anos, no jogo que resgatou os elementos que fizeram de Harvest Moon um clássico dos anos 90. Com as vendas do simulador o transformando em um desenvolvedor indie milionário, a pergunta “por que as pessoas compraram o seu jogo?” foi feita diversas vezes.

“A maioria dos RPGs leva o jogador a uma aventura grandiosa e cheia de perigos. Em comparação, ‘Harvest Moon’ era seguro e reconfortante”, disse ao Risca Faca. Seguro é uma definição importante. Durante meses, parte do meu tempo livre era jogar Animal Crossing no meu 3DS enquanto assistia algum seriado na Netflix, em qualquer outro tipo de jogo este multitasking não seria possível.

Primeiro jogo da série Harvest Moon, Super Nintendo

Para a IGN, a diretora de Animal Crossing: New Leaf contou “enquanto personalizo minha casa e meu personagem no jogo, eu imagino que seria legal ter uma vida assim de verdade. É muito atrativo ir atrás deste ideal”. Mesmo parecido com o argumento que rejeitei no começo deste artigo, ela foca em algo diferente. Enquanto a opinião popular alertava uma fuga da realidade, talvez Animal Crossing e outros life simulators são atraentes pela facilidade de alcançar sonhos reais quase impossíveis ou uma vida que já não existe mais na sociedade moderna.

Este tipo de especulação é divertida, mas talvez a resposta seja um pouco mais simples. Apesar de life simulators, Animal Crossing e Stardew Valley ainda são jogos. Talvez a pergunta correta não seja o motivo das pessoas jogarem, mas o motivo de se divertirem. E, depois de muito tempo refletindo, acho que sei por que me divirto todos os dias.

Mesmo entrando durante apenas quinze minutos no Stardew Valley, minha fazenda melhora. Sou recompensado por cada minuto que passo no jogo, até quando não uso o meu tempo de forma efetiva (um problema que também tenho na vida real e não tem avatar que mudará isso), estes reenforços me passam a constante sensação de que estou construindo algo. Se eu limpo a minha fazenda, consigo materiais. Se vendo materiais, consigo comprar sementes. Se entrego algo que plantei para um personagem, ele pode se apaixonar por mim. Tudo que faço dentro do jogo volta para mim como recompensa. É como se eu fosse um cachorro em treinamento—ganhando comida ou um carinho na cabeça quando faz xixi no jornal.

O que admito não ser a conclusão mais bonita, mas é a que um jogador de life simulators consegue chegar.

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