A misteriosa maldição de “Nova Jaguaruara”

Rodrigo Alves
DELÍRIO POP
Published in
4 min readNov 7, 2020

Imagine-se no interior do Ceará. À meia-noite, todas as luzes se apagam e a cidade cai na completa escuridão durante um minuto. Nem as velas e lanternas acesas escapam do apagão. Em Nova Jaguaruara, esse curioso evento acontece toda noite há pelo menos um século.

Capa em preto e branco no Kindle (foto própria)

Escrito pelo autor Mauro Lopes, finalista do “Prêmio Kindle 2017”, e publicado no mesmo ano, “Nova Jaguaruara” é um suspense nacional ao melhor estilo lenda urbana. Daquelas histórias que seus pais ou avós contam quando você é criança, sabe? E que seu grupo de amigos aumenta ainda mais quando o assunto da vez é terror.

Na história, somos apresentados à essa pequena cidade fictícia do Ceará, que parece estacionada no tempo, mas que inicialmente não aparenta ter nada de anormal, a não ser pelo evento comentado acima: o apagão a cada meia-noite. E como se não bastasse isso, este acontecimento está ligado a uma série de desaparecimentos, que fez sua última vítima há apenas 30 anos.

Ninguém entendia o fenômeno na cidade de Nova Jaguaruara, mas todos o conheciam muito bem. Um segredo que foi se perdendo ao longo das gerações, uma informação que por escolha era mantida em sigilo pelos mais velhos.

Após começarmos o livro com uma cena de suspense de prender os olhos, narrando o último caso de desaparecimento na cidade, somos introduzidos aos protagonistas dos tempos atuais: Vicente e sua equipe de técnicos, que visam estudar a região para a implantação de energia eólica — da equipe, Rose é minha personagem preferida. Os personagens já são recebidos por Pedro, recepcionista do hotel, com o alerta de nunca se aproximarem da temida igreja abandonada na entrada de Nova Jaguaruara. A chegada dos estranhos causa curiosidade e receio nos moradores. Além disso, todos sabem que algo estranho paira pelo lugar, mas optam por manter um pacto de silêncio, pois acreditam que se falarem sobre a origem desses eventos, um mal retornará.

Tempos diferentes

A história é narrada com pelo menos três linhas de tempo diferentes. No passado, podemos perceber que o autor faz menção à época do Brasil colônia, o que eu achei super interessante. Nesta linha, acompanhamos o desenvolvimento do curandeiro Bonifácio e do nascimento de todos os horrores que amaldiçoaram a cidade. No Brasil contemporâneo, além da equipe de Vicente, acompanhamos a personagem Raquel, uma professora que reside em outra cidade. Não sabemos, de início, se o tempo de Raquel se passa antes, durante ou depois de Vicente.

Confesso que esse esquema não me agradou muito, pois o modo como o autor colocou, me deixou um pouco confuso. Um capítulo inicia com um personagem que não conseguimos identificar logo de cara, em uma época que também não percebemos. No capítulo seguinte, somos apresentados a um personagem novo, em outro tempo. E nem sempre a troca de capítulos representa uma época ou personagem diferentes, pois podemos continuar com o mesmo protagonista.

Por conta disso, o início e meio da história acabam sendo um pouco confusos e arrastados, pois cada período requer um certo desenvolvimento e “os finalmentes” nunca chegam — pelo menos até Vicente e seus amigos começarem a se envolver nos mistérios de Nova Jaguaruara e lutarem por sua sobrevivência. A partir daí, a narrativa ganha um gás, pois o passado com Bonifácio também começa a se desvendar e vamos encaixando as peças desse quebra-cabeça que liga passado e presente. Nesse quesito, a história de Raquel acaba ficando um pouco solta das demais, apesar de eu ter adorado a personagem, acho que o livro funcionaria igualmente sem ela. O mesmo pode ser dito sobre outros personagens que são introduzidos e não apresentam grande importância para o andamento da trama principal, mas ainda assim ganham um espaço excessivo e isso acaba prejudicando o desenvolvimento de todos os protagonistas de uma forma geral.

Já a conclusão da narrativa é boa e original. O ar de confusão desaparece, pois já estamos mais acostumados com os personagens e suas passagens. O ar de suspense é bem colocado durante a narrativa e conseguimos sentir um leve calafrio lendo, principalmente perto do final. Por isso, para quem quiser dar um up na leitura — e na adrenalina, sugiro que leiam à noite.

De repente, a lâmpada do banheiro apagou, provocando-lhe um breve sobressalto. Rose, tomada pelo medo, ficou atenta aos outros sentidos. (…) E ela torceu para que não houvesse nada a mais ali.

Uma experiência singular

Apesar dos personagens medianos e da confusão já comentada, eu gostei do livro, pois o achei singular. E mais ainda por tomar o interior do Ceará como sua ambientação, algo que não costumamos ver nos romances e o autor traz para nós. Além disso, o mal que assombra a cidade possui um cunho religioso e sobrenatural, característica que está ligada diretamente à população bastante religiosa do interior do Nordeste.

A temida igreja abandonada parece ser o núcleo da maldição da cidade

A capa do livro é linda e misteriosa. E confesso, já ganhou pontos comigo por aí. A escrita é fácil de ler e a narração é em 3ª pessoa. Entretanto, ainda na escrita, senti falta de dialetos característicos da região, que marcam nossos queridos nordestinos e os apresentaria ainda mais aos leitores. Com mais ou menos 240 páginas, “Nova Jaguaruara” é uma leitura rápida e recomendada para quem busca algo diferente. A obra está disponível gratuitamente através do Kindle Unlimited.

Delirômetro: 👻👻👻👻/5

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