Mistério e misticismo no Sul do Brasil em “Desalma”

Rodrigo Alves
DELÍRIO POP
Published in
4 min readNov 9, 2020

Região serrana, névoa, florestas macabras e bruxas. Com um hype que iniciou em 2019, com o primeiro anúncio da série, Desalma estava sendo bastante aguardada pela galera que curte esse clima de mistério, bruxaria e suspense — eu inclusive. A produção brasileira estreou com tudo no Globoplay em outubro deste ano e deixou a expectativa de todos nós nas alturas. Dito isso, arrisco dizer que essa mesma expectativa acabou sendo um problema, pois a série não foi tudo o que eu esperava.

Capa oficial da série com as protagonistas Ignes, Haia e Giovana

Uma coisa eu posso afirmar sobre “Desalma”: a sua ambientação ficou incrível. Então já vou começar por aí. A belíssima vegetação da região serrana do Rio Grande do Sul foi muito bem aproveitada em cena, fazendo um contraste muito bem elaborado entre o verde da natureza e o clima cinzento da cidade. As casas de madeira, a névoa e os planos que pegam a floresta de coníferas de cima é lindo e misterioso ao mesmo tempo, lembrando muito os planos que vemos nos filmes da saga “Crepúsculo”, onde há bastante foco nas florestas.

Colônia de imigrantes ucranianos

Além disso, a história acontece na cidade fictícia de Brígida, onde tudo parece ter parado no tempo. A estética mística da série é de fato um ponto alto. Podemos perceber também que a cidade é uma espécie de colônia de imigrantes ucranianos, que vieram para o Brasil na década de 80. Até mesmo o acidente nuclear de Chernobyl é citado.

Inclusive, tudo no lugar é voltado às tradições da Ucrânia, desde seus folclores às datas comemorativas, nomes e dialetos. Todos respiram a cultura ucraniana 24h e sentem-se como tal, mesmo os nascidos no Brasil. Eu penso que por um lado é interessante, pois conhecemos mais desses costumes que são novos para nós, mas por outro, sinto como se os personagens fossem brasileiros que não dão valor à própria cultura e ficam “babando” o tempo todo a estrangeira.

Passado e presente

A história é contada em dois momentos: o presente, que começa com o retorno de Roman (Nikolas Antunes) à Brígida e seu misterioso suicídio, e o passado, onde vamos descobrindo mais sobre a morte da jovem Halyna (Anna Melo), em 1988. Esses dois acontecimentos são a chave para o andamento de toda a narrativa e se ligam de uma forma inesperada.

Conhecemos também as personagens Ignes (Cláudia Abreu), Giovana (Maria Ribeiro) e Haia (Cássia Kis), que são as mães protagonistas da trama. E, juntamente com Anna Melo, foram as que melhor atuaram. Ignes é mãe do estranho Anatoli (João Pedro Azevedo) e precisa descobrir o que há de errado com seu filho. Giovana é a viúva de Roman, que decide conhecer Brígida, a cidade natal onde ele cometeu suicídio. Apesar de ser uma das três principais, Maria Ribeiro foi pouco aproveitada e teve o menor tempo de tela.

Cássia Kis arrasou como a bruxa Haia Lachovicz

Cássia Kis faz a famosa e temida bruxa da cidade. Mãe da falecida Halyna, ela é imponente, lê cartas e faz oferendas noturnas na floresta. Para mim, Haia e Halyna carregaram a série. Os demais personagens são pouco desenvolvidos e com uma atuação bem fraca.

Já a narrativa começa bem lenta e ganha um gás após o 4º episódio. O roteiro possui alguns furos de explicação e continuidade que, ao pararmos para analisar, são itens básicos que poderiam ser evitados ou melhor contados. Como o cachorro da família aparecer do nada em uma cena de busca ou o plot do crânio achado na floresta, que não teve desenvolvimento e parece ter sido colocado ali apenas para assustar. A ligação entre o passado e o atual é feita de forma inesperada, mas a conclusão da trama é bem fraca e, para mim, ficou pouco explicada.

Outro ponto onde coloquei uma expectativa altíssima foi a celebração de “Ivana Kupala”, que me lembrou um pouco o evento do filme “Midsommar”. A tal comemoração é comentada durante todos os episódios como uma festa sombria e bastante aguardada, mas quando finalmente acontece, parece mais com uma festa rave e não recebe a devida atenção. E, pela cidade ter o ar de estacionada no tempo, a repaginada que os jovens deram à Ivana Kupala não casou em nada com o lugar.

A celebração de Ivana Kupala, em 1988, segue o mesmo estilo do ritual em “Midsommar”

A questão do hype

Por fim, posso dizer que a série não atingiu todas as minhas expectativas, mas também não é uma obra descartável. Acho que isso se deu muito pelo hype colocado por mim e por todos os amantes do suspense desde seu primeiro anúncio.

Mas digo que fiquei admirado pela ambientação e fotografia que trazem uma atmosfera de regiões do leste europeu e pela tentativa válida de uma produção brasileira de suspense, pois não costumamos ver muitas obras nacionais focadas nesse gênero. Com isso, aproveito para ressaltar que a série não é do tipo terror, ficando apenas com um leve suspense mesmo — sem medos. E deixo aqui no final que também curti muito a abertura e encerramento, que mostram diferentes visões da floresta ao som de uma música parecida com a de “Stranger Things”.

Delirômetro: 👻👻👻/5

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