Conversas atrás do volante 1

Lucas Kircher
dellirium criativo
Published in
3 min readSep 8, 2014

- Carlos Alberto, o sinal abriu.

- Opa! Eduarda, me diz uma coisa, como tu acha que contratam pro Ku Kux Klan?

- Meu Deus, Alberto, como é que eu vou saber uma coisa dessas? Que pergunta horrível.

- Ué, mas horrível por quê?

- Ora, esse pessoal faz cada coisa maldosa.

- Tá, tudo bem, não tô falando que não, só queria saber como contratam.

- Ai, deve ser no jornal, nos classificados.

- Aposto que é junto das garotas de programa.

- Tem anúncio de puta no jornal?

- Ein? Não, deixa pra lá. Eu acho que não é no jornal, não. Muito na cara, sabe?

- Olha, o pedestre levantou a mão, tem que deixar passar.

- Não entendo essa coisa de levantar a mão. Se o sujeito não é daqui vai ficar confuso e passar por cima de todo mundo.

- Claro que não. É um sinal universal. Eu acho.

- Tá aí, deve ser assim que contratam.

- Na faixa de segurança, Alberto?

- Não, é a mão. Deve ter um sinal secreto, uma linguagem que o pessoal do KKK usa pra se comunicar com futuros membros. Tipo naquele filme que a gente viu quando foi na casa da tua mãe.

- Aquele com o carequinha? Que tu ficou falando que era gay?

- Não. De que filme tu tá falando, Eduarda? Eu vi isso contigo?

- Não lembra?

- Não.

- Enfim, como é que as pessoas vão aprender a linguagem secreta se eles ainda não são do KKK?

- É verdade, não pensei nisso. Será que é uma coisa de família?

- Tipo a máfia?

- É sei lá, uma coisa que passa de pai pra filho, sabe?

- Poder ser. Mas e como faz quando casa? A tradição passa para família do cônjuge?

- Talvez só possa casar com quem é do Klan.

- Klan quer dizer clan mesmo?

- Acho que não. Não sei. Faz sentido se for, né?

- Deve ser sim.

- Sabe, eu acho que é a coisa de família mesmo.

- E tem isso em Porto Alegre?

- Não que eu saiba. Mas no interior deve ter.

- Em Passo Fundo deve ter.

- Não entendo esse teu ódio por Passo Fundo.

- É um lugar horrível, Alberto. Olha as notícias por uma semana, se tiver alguma coisa de Passo Fundo, é só desastre.

- Minha mãe é de Passo Fundo.

- E tu ainda me perguntas por que eu não gosto de Passo Fundo.

- É um lugar incrível, Passo Fundo. Melhor cidade.

- Tá bom, então. Tu sabe que eu tinha um tio no interior que era bem no tipinho desse pessoal do Ku Kux Klan.

- O Tio Nelson?

- É.

- Mas pelas tuas histórias ele parecia ser tão gente boa.

- Ah, Carlos Alberto, ninguém fica falando das coisas ruins dos parentes pros outros.

- Na minha família falam.

- Sim, mas a tua família é toda de Passo Fundo.

- Só por parte de mãe. Mas afinal, o que é que ele fazia pra tu achar que era do KKK?

- Ai, ele tinha umas roupas estranhas e era super-radical.

- Tá, mas isso não quer dizer nada.

- Ele queimou uma cruz uma vez.

- Eita. Bom, pode ser que fosse contra a igreja, sei lá. Ele usava alguma roupa diferente, ou um uniforme?

- Tinha um capuz estranho, todo durinho.

- Durinho?

- Era pontudo.

- Eduarda, teu tio era do KKK.

- Será?

- Aham.

- Mas até a mamãe já colocou fogo numa cruz uma vez.

- PELO AMOR DE DEUS, EDUARDA! A TUA MÃE FEZ O QUÊ?!

- Eu era nova, mas tô lembrando agora.

- Ela é de Passo Fundo?

- Claro que não.

- Então a tua família é do Klan, Eduarda.

- Não pode ser.

- É sim.

- Ai, meu Deus.

- E se a teoria tá certa, eu também sou.

- Nunca pensei que tu iria te envolver numa coisa dessas, Alberto.

- Pois é.

- Será que a gente precisa avisar na paróquia?

- Melhor não, deixa quieto.

- Ai, Carlos Alberto, tô assustada. Como é que fomos nos meter com essa gente?

- Calma, mulher. Depois eu penso nisso. Agora me ajuda a encontrar um lugar pra estacionar.

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