Conversas atrás do volante 1
- Carlos Alberto, o sinal abriu.
- Opa! Eduarda, me diz uma coisa, como tu acha que contratam pro Ku Kux Klan?
- Meu Deus, Alberto, como é que eu vou saber uma coisa dessas? Que pergunta horrível.
- Ué, mas horrível por quê?
- Ora, esse pessoal faz cada coisa maldosa.
- Tá, tudo bem, não tô falando que não, só queria saber como contratam.
- Ai, deve ser no jornal, nos classificados.
- Aposto que é junto das garotas de programa.
- Tem anúncio de puta no jornal?
- Ein? Não, deixa pra lá. Eu acho que não é no jornal, não. Muito na cara, sabe?
- Olha, o pedestre levantou a mão, tem que deixar passar.
- Não entendo essa coisa de levantar a mão. Se o sujeito não é daqui vai ficar confuso e passar por cima de todo mundo.
- Claro que não. É um sinal universal. Eu acho.
- Tá aí, deve ser assim que contratam.
- Na faixa de segurança, Alberto?
- Não, é a mão. Deve ter um sinal secreto, uma linguagem que o pessoal do KKK usa pra se comunicar com futuros membros. Tipo naquele filme que a gente viu quando foi na casa da tua mãe.
- Aquele com o carequinha? Que tu ficou falando que era gay?
- Não. De que filme tu tá falando, Eduarda? Eu vi isso contigo?
- Não lembra?
- Não.
- Enfim, como é que as pessoas vão aprender a linguagem secreta se eles ainda não são do KKK?
- É verdade, não pensei nisso. Será que é uma coisa de família?
- Tipo a máfia?
- É sei lá, uma coisa que passa de pai pra filho, sabe?
- Poder ser. Mas e como faz quando casa? A tradição passa para família do cônjuge?
- Talvez só possa casar com quem é do Klan.
- Klan quer dizer clan mesmo?
- Acho que não. Não sei. Faz sentido se for, né?
- Deve ser sim.
- Sabe, eu acho que é a coisa de família mesmo.
- E tem isso em Porto Alegre?
- Não que eu saiba. Mas no interior deve ter.
- Em Passo Fundo deve ter.
- Não entendo esse teu ódio por Passo Fundo.
- É um lugar horrível, Alberto. Olha as notícias por uma semana, se tiver alguma coisa de Passo Fundo, é só desastre.
- Minha mãe é de Passo Fundo.
- E tu ainda me perguntas por que eu não gosto de Passo Fundo.
- É um lugar incrível, Passo Fundo. Melhor cidade.
- Tá bom, então. Tu sabe que eu tinha um tio no interior que era bem no tipinho desse pessoal do Ku Kux Klan.
- O Tio Nelson?
- É.
- Mas pelas tuas histórias ele parecia ser tão gente boa.
- Ah, Carlos Alberto, ninguém fica falando das coisas ruins dos parentes pros outros.
- Na minha família falam.
- Sim, mas a tua família é toda de Passo Fundo.
- Só por parte de mãe. Mas afinal, o que é que ele fazia pra tu achar que era do KKK?
- Ai, ele tinha umas roupas estranhas e era super-radical.
- Tá, mas isso não quer dizer nada.
- Ele queimou uma cruz uma vez.
- Eita. Bom, pode ser que fosse contra a igreja, sei lá. Ele usava alguma roupa diferente, ou um uniforme?
- Tinha um capuz estranho, todo durinho.
- Durinho?
- Era pontudo.
- Eduarda, teu tio era do KKK.
- Será?
- Aham.
- Mas até a mamãe já colocou fogo numa cruz uma vez.
- PELO AMOR DE DEUS, EDUARDA! A TUA MÃE FEZ O QUÊ?!
- Eu era nova, mas tô lembrando agora.
- Ela é de Passo Fundo?
- Claro que não.
- Então a tua família é do Klan, Eduarda.
- Não pode ser.
- É sim.
- Ai, meu Deus.
- E se a teoria tá certa, eu também sou.
- Nunca pensei que tu iria te envolver numa coisa dessas, Alberto.
- Pois é.
- Será que a gente precisa avisar na paróquia?
- Melhor não, deixa quieto.
- Ai, Carlos Alberto, tô assustada. Como é que fomos nos meter com essa gente?
- Calma, mulher. Depois eu penso nisso. Agora me ajuda a encontrar um lugar pra estacionar.