Conversas atrás do volante 2

Lucas Kircher
dellirium criativo
Published in
3 min readSep 8, 2014

- Pô, Carlos, valeu de novo pela carona.

- Que isso. Já fiquei sem carro também, entendo como é.

- Pois é, o mecânico falou que era simples, mas admito que não entendi nada do que ele disse.

- É assim mesmo, mas tem que concordar com o que ele fala. Manter as aparências de conhecedor, sabe?

Verdade. Só espero que depois dessa ele pare de morrer do nada.

- Tomara.

- Carlos, será que tem vida depois que a gente morre?

- Olha, vida não dever ter não. Senão não chamavam de morte.

- Tá, tu entendeu. Será que depois da morte tem um céu, um inferno, um purgatório?

- Então, eu acredito em Deus e coisa e tal, mas admito que não acho que tem céu não.

- Sabe que eu fico na dúvida, mas deve ter. Acho que tem. Só pode.

- Hm, não sei não. Eu admito que nem entendo a definição direito, sabe? O que é o purgatório? É tipo uma sala de espera do dentista?

- É algo assim.

- Mas e serve pra quê?

- Olha, Carlos, aí tu me pegou. Não faço ideia.

- Acho que a gente só morre.

- Mas assim, sem cerimônia nem nada? Sem um afterlife pra rever os amigos?

- Acho que só morre.

- Não tem isso de só morrer.

- Como não tem? Tu já morreu?

- Não morri ué, mas não faz sentido.

- Então, Pedro, como é que a gente vai saber?

- Ah, dá pra imaginar.

- Isso sim. Inclusive já pensei a respeito uma vez.

- E decidiu que só se morre?

- Na verdade fiquei meio cagado. Na minha cabeça rolou a possibilidade da gente morrer, mas ficar preso no corpo, sabe? Ver o pessoal ali jogando terra no teu caixão, esperando o fim dos tempos.

- Eita, Carlito, que coisa terrível, cara.

- Não falei que era bonito.

- Tá, mas se for cremado?

- É… aí não sei.

- Viu, essa tua morte é furada.

- Ok, e a tua, como é?

- Então, eu penso que quando se morre, a gente vai pro céu que quiser, onde tem o que se quer, sem precisar ser real, nem nada disso.

- Poxa, gostei. E o que tem no teu céu?

- No meu céu, tem tudo que tem aqui na vida real, mas eu moro na cobertura do meu prédio, ganho bem pra caramba e nunca tenho que levar o lixo pra rua.

- Sério mesmo? Mas esse teu céu é bem meia boca, ein?

- É que tem mais uma coisa, só não fica bravo, tá?

- Desembucha.

- No meu céu, a tua mulher mora lá em casa.

- QUE É ISSO?! QUE É ISSO?! CADE O RESPEITO NESSE CARRO?

- Calma, cara, não é bem assim. Eu explico.

- Pô, Pedro, te dou carona e tu rouba minha mulher no céu?

- Mas aí que tá, lá não importa se ela é a tua mulher, não importa nada entende. E pra te falar a verdade, ela só cozinha lá em casa. Carlos, eu sou apaixonado pela comida da tua mulher.

- Opa, ok, aí eu até entendo. Ela cozinha divinamente, mas é que tem um problema. A minha mulher também cozinha no meu céu.

- Cara, não tem problema. Tu pode ter quantas Eduardas tu quiser no teu céu, não importa, a coisa não tem regras.

- Não, não, tu não entendeu, a Eduarda é a pessoa menos multitarefa do mundo. Acho que mesmo depois da morte ela não ia dar conta. A comida dela é o que é porque ela foca todo o momento na comida. Imagina se estivesse em dois céus. Não, não vai rolar.

- Bom, pode ser. E será que não rolava um rodízio?

- Tipo como?

- Assim, segunda, quarta e sexta ela cozinha lá em casa. Terça, quinta e sábado na tua. E domingo é a folga.

- Meio machista isso, será que não?

- Acho que não, ela que escolhe se vai topar.

- Porra, mas onde é que tu morra? Tamô dirigindo faz uns 40 minutos e nada.

- Calma, já vai chegar. Voltando pro assunto, tu acha que ela topa?

- Tem que ver, né? Segura o volante que eu vou ligar pra ela.

- Mas agora?

-Ué, não vou esperar morrer pra decidir se o picadinho dela vai ser na segunda ou na terça. Prioridades, meu amigo, prioridades.

- Ok então, liga aí.

- Tá chamando. Alô, Eduarda? Sou eu. Olha só, eu tô dando uma carona aqui pro Pedro. É, o do trabalho. Sim, o que foi jantar lá em casa. Inclusive, foi bom tu ter tocado no assunto. O quê? Não, o jantar, comida. Eu tô definindo umas coisas aqui com ele e acho que tu vai ter que nos ajudar. Ein? Não, nada urgente. Pra quando? Eu vou saber pra quando, mas também pra que tanta preocupação? Não, ele não vai jantar lá em casa. Pelo menos não nessa vida.

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