Conversas atrás do volante 3

Lucas Kircher
dellirium criativo
Published in
3 min readJul 21, 2014

--

- Carlos, vou pegar o teu carro pra levar a mãe na rodoviária.

- O QUÊ?! O MEU OPALA NÃO!

- Daqui a pouco já estou de volta, amor.

- Eduarda, isso não é brincadeira. EDUARDA, VOLTA AQUI! O MEU OPALA NÃO!

(o carro liga e sai pela rua como um raio)

NÃÃÃÃÃÃO!

- Então, mãe, gostou de ficar lá em casa essa semana?

- Ai minha filha, a tua família é muito bonita. Mas esse teu marido é um cafajeste.

- Como assim, mãe? O Carlos é um ótimo marido. Até emprestou o carro.

- Mas ele tem uma cara de safado. Eu disse desde o começo que ele não valia nada.

- A senhora já não se deu conta que toda conversa de mãe e filha sobre o genro tem essa fala?

- É claro, homem é tudo cachorro.

- Que bobagem, mãe.

- Bobagem nada, minha filha, aquele ali já pulou a cerca.

- Ai mãe, que coisa horrível. O Carlos é um homem fiel. Uma pessoa direita.

- Ele é de direita? Tá explicado. Aposto que é a favor da livre iniciativa também no casamento.

- Isso não faz o menor sentido, mãe. E tu sabe que ele votou no Lula.

- Outro safado.

- Mas por que a gente tá falando de política, mesmo?

- Porque o teu marido tá te traindo.

- Claro que não, mãe.

- Tá sim, com a secretária.

- O Carlos nem tem secretária.

- Não disse que era dele. É aquela secretariazinha do patrão dele.

- Mãe, acho que ela é lésbica.

- É nada. Ai, minha filha, ainda não é tarde pra achar um bom marido.

- É óbvio né, mãe. Eu tô com tudo em cima.

- Tu nunca pensou em ligar pro filho de Etusa? Ele tá solteiro, ein.

- Que tipo de nome é Etusa?

- Não fala assim dela. É uma grande amiga da paróquia.

- Mãe, falando em religião…

- Ninguém tá falando em religião.

- Tá, mas olha só, a nossa família é do KKK?

- Do quê?

- Nada, nada. É que eu tava discutindo algo com o Carlos outro dia e surgiu uma conversa sobre isso. Mas deixa pra lá.

- Tá, mas voltando pro filho da Etusa.

- Etusa…

- Enfim, ele é médico, ganha muito bem, tem um baita apartamento e não é casado.

- Ele até que era bonitinho né?

- Ainda é, minha filha.

- Não, mãe, nem posso falar sobre isso, como é que eu ia largar a minha família assim do nada e ir morar com um médico qualquer?

- Qualquer nada, ele é neurocirurgião.

- Opa… Mas assim até é interessante.

- Eu disse, minha filha.

- Não, não posso pensar nisso.

- Então só vou citar umas coisas dele. Apartamento gigante numa cobertura; salário gordo; corpo magro; 1,90 de altura; carro do ano; cirurgião do ano; cachorro do ano; conhece o Papa, o Maradona, o Toniolo e é dono de um posto de gasolina.

- Muita coisa, ein?

- E tem um consultório próprio em bairro nobre.

- Com sala de espera e tudo?

- Tudo, até secretária ele tem. Imagina só, você entrando naquele escritório, um mundo de gente esperando para ter uma consulta com ele, gente que depende dele para viver. Aí você chega com aquele vestidão que ele comprou sem motivo aparente e vai entrando, na frente de todo mundo. Aí entra e lá está ele sentado na sua grande mesa.

- E o que mais mãe?

- Você vê que ele trabalhou muito, está cansado, papéis por todo o lado. E na mão dele, você sabe o que tem?

- A COXA DAQUELA SAFADA DA SECRETÁRIA DELE!

- O quê?

- É MAMÃE, AQUELA DESGRAÇADA ESPERA UMA BRECHA ENTRE OS PACIENTES E SEDUZ O MEU MARIDO. QUANDO ELE FALOU QUE IA PARA O SEMINÁRIO NO RIO, NA VERDADE FOI COM ELA NUM MOTEL.

- Minha filha, nunca imaginei que ele faria isso!

- É, mãe, e ele nunca me amou de verdade, só queria me usar.

- Aquele safado.

- Um safado.

- Safado.

-E sabe por que ele me deu aquele vestido?

- Por quê?

- Porque deve ter levado a secretariazinha pra jantar enquanto eu estava fora e ficou com a consciência pesada.

- Aquela vagabunda.

- Que vagabunda.

- Vagabunda.

- Ai, mãe, você tem razão, homem não presta.

- Não fale isso minha filha, você é casado com um ótimo homem, o Carlos é uma grande pessoa.

- É mesmo. Olha, chegamos.

- Um abraço, filha, te cuida.

- Você também, mamãe. Ah, e fala pra Etusa que o filho dela não vale nada.

--

--