Lucas Kircher
dellirium criativo
Published in
4 min readSep 8, 2014

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O alemão que sabia o que é que a baiana tem.

Olhando para o pedaço de papel na sua frente o Dr. Joseph Braun remoía se ter gastado todas as suas economias naquele projeto realmente havia sido uma boa ideia. Seu pai sempre o havia advertido a nunca investir seu dinheiro em coisas sem fundamento, mas talvez aquela fosse a única coisa que passava como exceção.

Nascido na Alemanha, mas tendo se mudado ainda jovem para o Brasil, Braun mantinha um sotaque característico. De certa forma, foi graças ao seu sotaque que ele iniciou a carreira acadêmica como astrofísico, quando, acidentalmente, seduziu a reitora da universidade local enquanto pedia direções para o banheiro.

Dr. Braun ostentava o orgulho de ser um cientista de grande renome na academia tendo escrito muitos artigos e projetos, embora completamente quebrado financeiramente por nunca ter tirado nada do papel. Ao ser avistado por jovens cientistas, ele estendia a mão para cumprimentá-los como se fosse um rei, mas a verdade é que o ato se encaixaria melhor se fosse um pedido de esmola.

Além do fascínio pelas ciências exatas, o doutor era um grande entusiasta da antropologia. Parte desse seu gosto pelo estudo do homem se deu por conta de uma das primeiras cenas que presenciou ao chegar em terras brasileiras. Era época de Carnaval e a cidade fervilhava de gente. Dentre os foliões, o pequeno Joseph avistou um grupo de baianas que giravam ensandecidamente. Mesmo não entendendo nada do que se passava, ele teve certeza de que aquilo precisava de uma explicação lógica, e que, de alguma forma, aquelas mulheres rodando em plena avenida seriam de grande importância na sua vida.

No entanto, foi apenas aos 60 e tantos anos de idade que ele encontrou o sentido nas baianas. Podendo unir um pouco da antropologia e da astrofísica, seu mais recente estudo propunha uma relação entre a movimentação dos astros e o comportamento humano nas grandes cidades. O mais importante, no entanto, era que esse projeto finalmente teria a chance de sair do papel.

Enquanto esperava no lounge da universidade, ansioso para apresentar sua descoberta à Fundação Universitária de Desenvolvimento Empírico Universal, Braun tentava ignorar o falatório que passava na televisão. Algo sobre as ações de alguma empresa farmacêutica qualquer. Finalmente ele foi chamado a entrar na sala onde apresentaria seu trabalho. Com polidez cumprimentou a todos e, sem delongas, iniciou a dissertação. Lá pelas tantas ele chegou à conclusão de seu trabalho.

- Caros colegas, como imagino que minha pesquisa foi capaz de mostrar, o movimento da Terra, e especificamente dela e nenhum outro corpo celeste, gera um aumento significativo na produção de diversas substâncias no corpo humano, até então ignoradas pela ciência moderna, mas que comprovo, agora, serem as causadores da burrice.

Ao se depararem com uma afirmação tão forte e contundente, os membros da bancada que assistiam a apresentação entraram em choque. O estudo era inegável. Brilhante. Eramos burros por culpa da Terra. Maldita.

- Mas Dr. Joseph – questionou o membro com bigode mais proeminente da bancada – que providências podem ser tomadas para que o problema seja solucionado?

Preparado, ele rapidamente lançou a solução.

- Em uma análise mais aprofundada, fui capaz de descobrir que um movimento no sentido anti-horário é capaz de regular a produção dessas substâncias, se a ação for realizada enquanto se escuta este CD com canções de iodelei.

- Mas isso é incrível! – exclamou o membro com o menor cheiro de talco entre os presentes. – Uma descoberta como essa é de suma importância para o desenvolvimento da humanidade como um todo. Imagine que tipo de avanços serão possíveis após o fim da burrice.

A sala inteira explodiu em aplausos.

Nas semanas que se passaram a técnica do Dr. Joseph Braun foi compartilhada com o mundo. Como o grande homem que era, o doutor fez questão de abrir mão de sua criação sem pedir nada em troca. Nos jornais, o nome de Braun era pauta constante, exceto durante a novela e jogos do Brasileirão. Ele havia se tornado um herói e sua pesquisa marcava uma nova era para a espécie humana. Uma em que a burrice teria novo significado.

Ainda que advertidos de que o efeito do fim da burrice só poderia ser visto depois de duas semanas de tratamento, todas as pessoas com capacidade de girar e ouvir tinham aderido ao método. É claro que isso causou mudanças significativas na vida das pessoas. O giro constante combinado com o iodelei gerava uma náusea terrível. Logo, empresas farmacêuticas lançaram remédios para combater os efeitos da luta contra a burrice, mas com um tempo, somente uma pequena empresa que há pouco chegara ao mercado tinha apresentado um antídoto realmente eficaz.

Coincidentemente, após duas semanas do lançamento do método contra a burrice, um faxineiro da Universidade de Cambridge se deparou com o estudo do Dr. Braun e foi capaz de provar que nada ali fazia sentido algum. Na verdade, nada estava escrito após a décima terceira página. Ao mesmo tempo, uma investigação financiada por uma associação de indústrias farmacêuticas revelou que o Dr. Braun havia adquirido uma quantidade absurda de ações de uma pequena empresa com sede nos Alpes alemães, terra do iodelei. Alarmadas com o golpe, as grandes corporações lançaram uma forte campanha para desmistificar o método contra a burrice, mas já era muito tarde.

Atualmente o doutor vive em sua ilha particular nas Bahamas, com sua esposa que conheceu na Bahia, e, pelas avenidas do mundo, muita gente continua girando.

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