Cultura, protestos e fervo: ações LGBTTT pluralizam discussões sobre o tema

eDemocratize
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5 min readMay 31, 2016
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Com propostas que se somaram através de perspectivas plurais, a cidade de São Paulo contou com três fortes mobilizações para a defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, neste fim de semana.

No sábado, o Democratize esteve no “1º Festival Florescer”, produzido em uma casa de acolhida para mulheres transexuais e travestis em situação de vulnerabilidade social. No mesmo dia, houve a “14ª Caminhada das Lésbicas e Bissexuais”. E no domingo, aconteceu a “20ª Parada do Orgulho LGBT”, que, pela primeira vez, entrou no calendário oficial de eventos da capital paulista.

O 1º Festival Florescer, produzido no sábado (28), pelo Coletivo Poesia é da Hora, foi realizado em parceria com o Centro de Acolhida Florescer, um espaço localizado no Bom Retiro, com 60% das vagas destinadas a mulheres transexuais e travestis inseridas no Programa Transcidadania, da Prefeitura de São Paulo.

O local possui quatro quartos, banheiros, lavanderia, refeitório, três salas de atendimento, salas de convivência e quadra poliesportiva. O serviço existe para atender a transgêneros que já vivenciaram múltiplas violências, como o abandono familiar, a exclusão escolar, o desrespeito a sua identidade nos diversos espaços sociais e o preconceito em espaços de formação, saúde e emprego.

“É preciso quebrar o estigma que a sociedade põe sobre nós, de que devemos ficar excluídas e marginalizadas. Somos inteligentes, somos fortes, temos potencial. E este espaço oferece ressocialização para o desenvolvimento do potencial de cada ser humano que está aqui”, afirma Marina Scuciatto, moradora da casa de acolhida.

Inaugurado há dois meses e meio, através de iniciativa da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), em parceria com a Coordenação Regional das Obras de Promoção Humana (CROPH), o Centro de Acolhida Florescer tem recebido suporte intersecretarial e de diversos movimentos sociais.

“Este centro de acolhida merece todo apoio pois embora o espaço seja muito novo, os resultados já têm sido muito positivos. A casa é muito bem cuidada e a convivência entre as moradoras é muito boa, o que mostra que o projeto tem futuro”, explica o Secretário Municipal de Direitos Humanos, Felipe de Paula, presente no 1º Festival Florescer.

O evento de sábado teve apresentações do Sarau Poesia é da Hora (ganhador do prêmio Carrano de Luta Antimanicomial e Direitos Humanos), Rap Pluz Size, de Issa Paz e Sara Donato, dança, música, poesia e discotecagem. O microfone também ficou aberto para quem quisesse compartilhar sua arte.

Agatha D’Oliveira, travesti que mora na periferia da Zona Leste de São Paulo, foi uma das surpresas do dia. Cantora de samba e poetiza, Agatha trabalha com música desde pequena mas há apenas três anos, se deu conta de que sua arte também poderia ser uma ferramenta de luta política contra a opressão às minorias.

“Já fui um homem cisgênero, privilegiado, com fácil acesso aos espaços sociais, mas a partir do momento em que me reconheci como mulher na sociedade, me vi à margem e me dei conta do absurdo que acontecia no Brasil. Aí comecei a entender o que era recorte de classe, de gênero, racial, e fui desconstruindo o que é imposto para nós desde pequenos, como o machismo e a transfobia, porque a gente só entende mesmo a gravidade das coisas que acontecem quando vive isso na nossa pele”, explica.

A cantora parou os estudos no ensino médio por conta da opressão que sofria dentro das escolas quanto a seu gênero e feminilidade, mas está voltando agora, para terminar o Ensino Médio. No entanto, mais do que um diploma, Agatha quer levar a discussão de gênero e transfeminismo para dentro dos espaços educacionais e culturais, e fazer o combate à transfobia através de sua voz.

“Somos resistência, estamos aqui para lutar contra o poder opressor do patriarcado e contra a marginalização das minorias. Minha formação política veio de amigos, veio do gueto, da favela, e minha formação cultural veio da vivência no barracão de zinco onde eu vivia com minha avó, que era cantora de roda de samba. Se não fosse a arte, eu já teria caído nas estatísticas suicidas em que somos empurradas, por isso, agora quero ajudar a vida de outras pessoas através da minha arte”, complementa.

No mesmo dia do festival, aconteceu a 14ª Caminhada das Lésbicas e Bissexuais. O ato começou no início da tarde de sábado, no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, e seguiu em passeata até o Largo do Arouche, também região central. Entre as pautas, fim do machismo, lesbofobia e bifobia.

A caminha é construída coletivamente e o tema central escolhido para este ano foi “O grito de resistência das lésbicas e bissexuais periféricas não será mais sufocado! Queremos discutir gênero nas escolas, respeito na saúde e andar nas ruas sem violência”. A lesbofobia nas periferias foi um dos principais assuntos levantados, em memória da morte da Luana Barbosa, lésbica negra violentamente espancada pela Polícia Militar em 9 de abril deste ano, na periferia de Ribeirão Preto. Luana foi abordada por três policiais militares, espancada na frente do próprio filho de 14 anos e acabou morrendo.

Em apoio ao ato, a irmã de Luana esteve na 14ª Caminhada das Lésbicas e Bissexuais, assim como Jéssica Tauane (Canal das Bee), Djamila Ribeiro (que, recentemente, assumiu a secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo) e a rapper Luana Hansen. O coletivo Levante Mulher também participou do protesto contra as opressões de orientação sexual e repúdio à lesbofobia e bifobia.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Já no domingo, a 20ª Parada do Orgulho LGBT, ou Parada Gay, pautou o direito à lei da identidade de gênero e a luta contra a transfobia. Foram 17 trios elétricos, que percorreram a Avenida Paulista e Rua da Consolação, até o Vale do Anhangabaú, onde um palco foi montado para os shows de encerramento.

A transexual Viviany Beleboni, que no ano passado foi alvo de polêmica e ataques virtuais após desfilar em um dos carros crucificada como Jesus, este ano, se apresentou fazendo nova referência a símbolos religiosos. Viviany carregava uma bíblia cuja capa estava escrito “Bancada Evangélica — Retrocesso”. O livro também tinha notas de dólares na parte de trás. Sua roupa era composta por duas balanças, em alusão à (in)justiça brasileira no que tange os direitos LGBTTTs.

A mobilização para o tema escolhido para a Parada Gay, que pede a aprovação da Lei de Identidade de Gênero, em tramitação na Câmara dos Deputados, faz parte da luta pelo fim da transfobia no Brasil. No entanto, uma bancada conservadora tem dificultado os avanços na discussão. Recentemente, deputados de dez partidos apresentaram projeto para suspender o direito de transexuais e travestis a usarem seu nome social nos órgãos públicos do governo federal, direito concedido pelo governo Dilma Rousseff, em abril.

Por Tatiana Oliveira, do blog A Última Crônica, especial para o Democratize
Com colaboração de Victor Amatucci, do blog ImprenÇa

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