O MST não enviou militantes para Nova Iorque: como um boato viraliza nas redes

eDemocratize
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5 min readApr 23, 2016
Foto: Reprodução/Facebook

Um boato tem se espalhado nas redes sociais de que o MST, Movimento dos Sem-Terra, teria enviado militantes com dinheiro público para Nova Iorque defender a presidenta Dilma Rousseff. Mas existe um problema: é mentira.

Não é preciso muita coisa para destruir reputações nos dias de hoje, principalmente pelas redes sociais. Não por acaso, o crescimento de perfis que promovem o ódio contra grupos específicos da sociedade são aqueles que mais rendem visualizações e compartilhamentos no âmbito da política.

Para entender todo o contexto por trás da foto que abordaremos, é preciso dividir a reportagem em partes.

Primeiro: o que dizem as redes sociais

Inicialmente, perfis como Revoltados On Line (mais de 1 milhão de seguidores) e Sérgio Moro (versão fake, com cerca de 200 mil seguidores) divulgaram em suas redes uma foto de 6 pessoas em Nova Iorque, segurando bandeiras do MST.

Segundo as publicações, eram manifestantes sem-terra que foram “enviados” para os Estados Unidos para se manifestar contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Alguns foram além e questionaram “quem pagou por tudo isso”.

Separamos alguns tweets que mostram como essa notícia foi compartilhada nas redes sociais, de forma consideravelmente agressiva.

Só no post da página Revoltados On Line, foram cerca de 3 mil compartilhamentos. O texto, seguido da foto, diz que “o MST não é uma instituição legal, não trabalham, dizem que vivem à margem da sociedade, mas tem dinheiro para mandar militantes à NY”, e termina: “O nosso dinheiro roubado pelo PT usado para enviar os vagabundos do MST à Nova Iorque, para se manifestarem a favor da guerrilheira Dilma”.

Mas parece que não foi bem assim.

Segundo: o que realmente aconteceu?

O Democratize conversou com a moça que aparece em destaque na foto, segurando a bandeira do MST. Seu nome é Angela Wiebusch, e ela mora em Nova Iorque faz mais de 2 anos, e faz parte de um grupo com atuação internacional chamado “Amigos do MST”.

Vejam bem: não são militantes sem-terra, e sim civis, pessoas comuns, que desejam apoiar a causa pela reforma agrária da sua forma, como possível.

Angela é uma dessas pessoas, e enquanto entregava panfletos na manifestação em Nova Iorque, acabou sendo fotografada por uma pessoa que recusou o panfleto. E claro, a foto viralizou.

Porém, não se tratava de uma manifestação propriamente do MST, e nem contra o impeachment.

Na realidade, esse protesto ocorreu no dia 18 de abril, três dias antes da comitiva da presidenta Dilma Rousseff chegar na cidade, e tratava de outro tema: o Massacre de Eldorado dos Carajás.

Para quem não sabe, esse triste episódio da história brasileira ocorreu no dia 17 de abril de 1996, no município de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará. Dezenove sem-terra foram brutalmente assassinados pela Polícia Militar do Pará. Isso ocorreu após 1.500 sem-terra que estavam acampados na região decidirem fazer uma marcha em protesto contra a demora da desapropriação de terras, principalmente as da Fazenda Macaxeira. A Polícia Militar foi encarregada de tirá-los do local, porque estariam obstruindo a rodovia BR-155. O secretário de Segurança do Estado na época, Paulo Sette Câmara, afirmou depois do ocorrido que teria autorizado “usar a força necessária, inclusive atirar”. Segundo o legista Nelson Massini, que fez a perícia dos corpos, pelo menos 10 sem-terra foram executados a queima roupa. Sete lavradores foram mortos por instrumentos cortantes, como foices e facões.

Foto: Júlio Rocha

Diante do aniversário desse massacre, o grupo Amigos do MST se encontraram no dia 18 em frente ao Consulado Brasileiro de Nova Iorque, além de outra cidade (São Francisco), para protestar por justiça e em memória do massacre.

Angela, que participa ativamente do grupo, acompanha seu marido em Nova Iorque por conta do trabalho — ele é funcionário da Organização das Nações Unidas, a ONU. Antes, morou em Genebra na Suíça por 10 anos, e mais outros 7 anos na América Central.

Ela, que aparece em destaque na foto, não gostou nada do que tem sido vinculado pelas redes sociais: “Me senti ofendida, gostaria de poder processar esta pessoa que usou a minha dito indevidamente e sem autorização. Faz parte de um artigo mentiroso”, disse para o Democratize.

Pra ela, existe uma questão muito maior nos julgamentos, que é o ódio.

“ O que me preocupa é o nível de ódio nos comentários. Essas pessoas deveriam ser qualificadas de incitadores ao ódio e violência”.

Panfleto que Angela e o grupo Amigos do MST entregavam em frente ao Consulado do Brasil em Nova Iorque

E é exatamente sobre o ódio e como um boato/mentira pode repercutir nas redes sociais que iremos falar agora.

Terceiro: o ódio baseado em mentiras e boatos

Separamos alguns comentários feitos nas publicações de direita com a foto, para analisarmos o nível de gravidade que uma mentira e boato pode gerar nas redes sociais.

Reprodução/Facebook

O que deveria ser um acontecimento histórico que poderia servir de reflexão para a sociedade, foi distorcido e transformado em manipulação política.

O Massacre do Eldorado dos Carajás mostra que a vida e o dia-a-dia dos militantes sem-terra não é, e nunca foi uma coisa fácil. Estão expostos a qualquer tipo de perigo, já que para a sociedade eles não passam de algo “descartável”, “criminalizado”. Depois de tanta manipulação midiática contra a luta necessária pela reforma agrária, como podemos quebrar o senso comum em busca de uma visão realista sobre os fatos?

O Brasil até hoje não realizou uma reforma agrária sustentável na medida da igualdade. Um país com tanta terra, mas pouca gente nelas.

É preciso quebrar estereótipos.

A sociedade civil, ao invés de aplaudir a atitude de 6 pessoas que resolveram lembrar, preferem esquecer e acreditar em mentiras, tacando pedras e fechando os ouvidos.

Saiba mais sobre o grupo Amigos do MST.

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