O ‘Plano Temer’: o que mudaria na política, economia e na Lava Jato

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7 min readMar 27, 2016
Foto: Anderson Riedel

Muito se fala sobre o possível impeachment da presidenta Dilma Rousseff na grande mídia, mas pouco se debate sobre como seria um governo de Michel Temer. Com seu partido e aliados na mira da Lava Jato, Temer teria que aplicar uma política repressiva e uma economia na base da austeridade para manter sua governabilidade. Saiba como.

Diante de duas semanas conturbadas em Brasília, o PMDB do Rio de Janeiro resolveu abandonar o governo Dilma. Não é por acaso: a cada nova notícia e manchete nos jornais, a possibilidade dos petistas continuarem comandando o Planalto é cada vez menor. Com uma base aliada reduzida a cada semana, a presidenta vai perdendo a tímida sustensão que seu governo tinha.

Mas não se trata das manifestações, da opinião pública ou até mesmo do possível envolvimento do governo em casos de corrupção: o motivo é outro, e se chama poder.

Recentemente, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) se reuniu com quadros tucanos, como o senador José Serra, para negociar um ‘pacto’ para seu possível novo governo. Não é a primeira vez que isso acontece. Reuniões com lideranças da oposição, como o também senador tucano Aécio Neves, tem ocorrido rotineiramente para o vice-presidente. O assunto tem sido sempre o mesmo: qual o momento certo para o PMDB abandonar o governo Dilma, isolando os petistas no Congresso, e apertando o impeachment cada vez mais. E claro, como funcionaria um governo comandado por Temer no Planalto.

Apesar do que aparenta, essa posição do PMDB de Temer não é de hoje. Já no final do ano passado, o vice-presidente virou manchete após sua carta para a presidenta Dilma ser divulgada de forma massiva para a imprensa. Nas suas palavras, um pouco de rancor e um tanto de teatro político. O “vazamento” dessa carta também não foi por acaso. No teatro pelo poder, é preciso deixar claro para a opinião pública que “apesar de ser governo, não estamos contentes”.

Esse é o Plano Temer.

E para entender como funcionaria, separamos três temas importantes para o Brasil nos dias de hoje, e como Michel Temer cuidaria de cada um caso se torne presidente da república — junto com seus novos aliados tucanos.

Foto: Felipe Malavasi/Democratize

A Operação Lava Jato no governo Temer

Com a recente divulgação pela Polícia Federal da lista incluindo os nomes de 200 políticos que receberam doações da Odebrecht, o sinal de alerta para governistas e principalmente oposicionistas é cada vez mais claro. Lembrando que não se trata de uma lista qualquer: boa parte das doações não são compatíveis com os valores declarados por vários políticos que constam nos documentos.

Nomes como o dos senadores tucanos Aécio Neves e José Serra estão inclusos, além de ícones do PMDB como o deputado federal Eduardo Cunha, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e o ex-governador Sérgio Cabral, também do Rio de Janeiro.

A impressão que nos dá é que conforme a Operação Lava Jato avança, a pressão no Congresso e dos movimentos de rua é que o impeachment é cada vez mais urgente.

Um possível governo Temer teria condições absolutas de ‘brecar’ as investigações da Lava Jato da seguinte forma: tendo maioria absoluta no Congresso para manter a governabilidade e interferir em possíveis investigações pela Câmara e Senado; o apoio já declarado de movimentos pelo impeachment de Dilma, como o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua, que devem brecar futuras manifestações contra o governo Temer caso mais denuncias acabem aparecendo; e claro, com a ajuda da grande mídia, blindando informações e fazendo a defesa do futuro governo em prol da estabilidade.

Temer, recentemente, foi mais uma vez citado nas investigações da Lava Jato.

Conforme a delação premiada de Delcídio do Amaral (PT), diversos executivos da Petrobras que foram condenados eram “apadrinhados” por Temer, ou seja, tiveram suas indicações a partir do vice-presidente.

Anteriormente, em agosto do ano passado, Temer já havia sido citado por Camargo, onde apontava que Fernando Baiano era “representante” do PMDB no esquema de corrupção na estatal — ou seja, seu possível “apadrinhado”.

“Havia comentários de que Fernando Soares (Baiano) era representante do PMDB, principalmente de Renan (Calheiros), Eduardo Cunha e Michel Temer. E que tinha contato com essas pessoas de ‘irmandade’”, consta detalhado em relatório dos investigadores sobre o primeiro depoimento prestado por Júlio Camargo à Procuradoria Geral da República (PGR), em março do ano passado.

Ainda em 2014, documentos apreendidos na Camargo Corrêa pela Lava Jato já trazia planilhas com nomes de políticos tucanos, além do próprio Michel Temer. As tabelas eram dos anos 90, e relaciona políticos, obras e valores em dólar. Além de Temer, nomes importantes do PSDB fazem parte dos documentos: José Aníbal e o ex-governador e já falecido Mario Covas.

A PF suspeita que esses valores se refiram a propina paga a esses políticos, provavelmente entre 1990 e 1995.

Com tantas evidências e cada vez mais próximo do PMDB e PSDB, fica clara a necessidade de primeiro decretar o impeachment e posteriormente brecar a Lava Jato, com o objetivo de tornar a política uma espécie de peça teatral, onde a estabilidade econômica e política é mais importante do que as investigações da Lava Jato.

Foto: Reinaldo Meneguim/Democratize

A política e a economia no governo Temer

Recentemente, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, disse em coletiva de imprensa que caso o impeachment de Dilma Rousseff ocorra, é obrigação dos movimentos sociais e sindicais pararem o Brasil. O que, de fato, deve ocorrer.

Porém, a situação pode ser um pouco mais complexa e perigosa do que parece.

Se um futuro governo Temer quer brecar a Lava Jato, precisa de governabilidade. Para isso, precisaria do apoio dos principais partidos de oposição ao governo atual: PSDB, DEM, entre outros. Mas pra isso, seria necessário controlar a economia e aplicar com mãos de ferro medidas de austeridade, o que seria o ajuste fiscal de Dilma ‘radicalizado’, com cortes em benefícios sociais.

Recentemente, o Estadão tocou no assunto. Citou o chamado plano ‘Uma Ponte para o Futuro’, documento lançado no final do ano passado com propostas para a retomada do crescimento econômico, criadas por figuras do PMDB. Dentro desse plano que faria parte do objetivo de Temer no Planalto, entraria questões como: revisão de gastos na área social e a criação de uma nova política para esse segmento (afetando programas como o Bolsa Família, PROUNI, entre outros), o fim de subsídios, e até mesmo “alternativas” (leia-se: privatização) para tornar o SUS mais eficiente.

A reportagem afirma que “a implementação das medidas, num eventual governo de transição, ficaria a cargo de um novo ministro da Fazenda”, citando como possíveis ministros o economista Henrique Meirelles, e até mesmo o nome escolhido por Aécio Neves em 2014, Armínio Fraga.

Uma série de privatizações deve ocorrer nos moldes das políticas de austeridade na Europa (Grécia, Espanha, Portugal, entre outros). Além disso, um dos programas afetados deve ser o Minha Casa, Minha Vida: há um consenso entre os articuladores do plano econômico de Temer de rever subsídios, sendo que um deles é o uso do FGST para financiar o programa de moradia popular.

O presidente do partido no Rio de Janeiro, deputado estadual Jorge Picciani, já admite um governo Temer e projeta um corte amplo no número de ministérios: “Com 15 pastas no máximo”, disse para o jornal Extra.

Ou seja, além da possível mobilização de setores populares com greves, paralisações e manifestações em todo o país por conta do impeachment de Dilma, o cenário pode se tornar ainda mais caótico com as medidas de austeridade que devem ser aplicadas pelo governo de Temer. Utilizando como exemplo países como a Grécia, que aplicaram a austeridade de forma radical, elevando o número de desempregados, diminuindo os programas de bem-estar social, além da série de privatizações, a reação da classe trabalhadora sempre foi de radicalização. O mesmo deve ocorrer aqui.

Porém, para evitar que o Brasil se torne uma ‘nova Argentina’, o Plano Temer deve contar com uma política muito mais repressiva contra sindicalistas e movimentos sociais, com o objetivo de manter a estabilidade política em Brasília, e assim evitar um possível descontentamento popular com casos de corrupção e a evolução da Lava Jato.

Para isso, Temer deve contar com apoio dos meios de comunicação para blindar sua administração e a política de austeridade, além de criminalizar os movimentos sociais e sindicais — como já tem feito habitualmente até mesmo no governo de Dilma Rousseff.

Portanto, o Plano Temer nada mais é do que a política de austeridade no seu modo mais radical, além de uma possível rota de salvação do quadro político brasileiro atual contra os avanços da Operação Lava Jato, na oposição e PMDB.

Lembrando que dificilmente Michel Temer e seu partido conseguiriam criar uma ‘coalizão’ pela governabilidade sem ceder tais garantias políticas e econômicas.

Um risco que vem se tornando cada vez mais próximo de acontecer.

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