ONGs estrangeiras financiam “atividades” de direita em universidades do Brasil

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5 min readJun 22, 2016
Foto: Felipe Malavasi/Democratize

“Muito além do Foro de São Paulo”: organizações estrangeiras como a Students for Liberty financiaram atividades e grupos estudantis dentro de universidades brasileiras. Ações para brecar greves e até mesmo atuações violentas, como foi o caso na UnB, começam a surgir.

Durante os protestos contra a presidente afastada Dilma Rousseff nos 2 últimos anos, muito se falou sobre o chamado “Foro de São Paulo”.

Para os manifestantes, tratava-se de uma organização que tinha como objetivo colocar em prática seu “plano bolivariano marxista” no Brasil e na América Latina, através de doutrinação ideológica na imprensa, escolas, universidades e afins.

Na verdade o Foro de São Paulo é algo bem distante disso.

Mas, para a surpresa dessa parcela de insatisfeitos com o governo Dilma, é um grupo do outro lado ideológico que tem colocado em prática a chamada “doutrinação política”, além de financiar atividades para expandir o seu pensamento dentro de universidades.

Meses atrás, a Agência Democratize publicou uma reportagem relatando a forma como o Movimento Brasil Livre, um dos principais grupos anti-petismo, se financiou para conseguir arcar com as grandes manifestações e viagens. Criado como uma célula de atuação da Estudantes pela Liberdade, só no ano de 2015 foram repassados mais de R$300 mil para as atividades do MBL. Os integrantes negam, porém não admitem a possibilidade de abrir o caixa do grupo e mostrar quem são os doadores.

Foto: Alice V/Democratize

“No primeiro ano, a gente teve mais ou menos R$ 8 mil, o segundo foi para R$ 20 e poucos mil, de 2014 para 2015 cresceu bastante. A gente recebe de outras organizações externas também, como a Atlas. A Atlas, junto com a Students for Liberty, são nossos principais doadores. No Brasil, as principais organizações doadoras são a Friederich Naumann, que é uma organização alemã, que não são autorizados a doar dinheiro, mas pagam despesas para a gente. Então houve um encontro no Sul e no Sudeste, em Porto Alegre e Belo Horizonte. Eles alugaram o hotel, a hospedagem, pagaram a sala do evento, o almoço e o jantar. E tem alguns doadores individuais que fazem doação para a gente”, disse Juliano Torres, diretor executivo do Estudantes pela Liberdade e um dos fundadores do MBL, para reportagem da Agência Pública em 2015.

A rede de “investimentos” tem se tornado cada vez maior, com foco na atuação dentro das universidades públicas do país: além do EPL, outros grupos como Instituto Ordem Livre, Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (ligado ao Opus Dei), Millenium (fundado por figuras como Armínio Fraga), Instituto de Estudos Empresariais (IEE), entre outros.

Para se ter uma ideia, o Instituto Millenium foi fundado no ano de 2006, como forma de articular uma oposição econômica ao governo Lula, que na época estava no auge de seus programas sociais e distribuição de renda. Para manter as atividades do grupo, organizações como Gerdau, Editora Abril, Pottencial Seguradora e Bank of America Merrill Lynch financiam diretamente o caixa do instituto anualmente.

Foto: Davis Turner/Bloomberg

Hoje, o EPL continua sendo o principal articular e recebedor de investimentos estrangeiros no Brasil. Em apenas três anos, o grupo já conta com mais de 600 membros, e desejam aumentar ainda vez o número: com o objetivo de doutrinar ideologicamente estudantes no ensino médio e universitário, foi criado o ‘Programa de Coordenadores dos Estudantes pela Liberdade’. A ideia é levar atividades do EPL em universidades e escolas nas quais o grupo não possui lideranças ou células de atuação.

Na Universidade de Brasília, tanto o EPL quanto outros grupos liberais contam com núcleos de atuação. E foi lá que aconteceu o episódio mais lamentável de violência recentemente.

Um grupo formado por dezenas de pessoas atacou universitários grevistas dentro do campus, com bombas e spray de pimenta. O objetivo do grupo, como mostra a reportagem da Mídia NINJA, era depredar o Centro Acadêmico de Sociologia, formado em maioria por estudantes ligados a grupos de esquerda.

Um estudante que estava no momento das agressões admitiu ter visto um integrante do grupo ‘Aliança pela Liberdade’, que é o núcleo de atuação do EPL dentro da UnB. “O Bertone [Gabriel, DCE da UnB] é fechado com aquele grupo que cometeu tal atrocidade, todo mundo sabe disso. Além de receber do EPL para atuar dentro da universidade, ainda apoiam e sustentam atividades de grupos criminosos como o Escola sem Partido, atirando bombas em seus próprios colegas”, disse o aluno do Centro Acadêmico de Sociologia, que preferiu não se identificar.

Professor de Ciência Política na universidade, Luis Felipe Miguel postou em sua página no Facebook: “A Universidade de Brasília se tornou — infelizmente — um laboratório da extrema-direita. Há tempos o DCE é controlado pela ‘Aliança pela Liberdade’, que ocupa localmente a posição do grupo Estudantes pela Liberdade, braço nacional da Students for Liberty. […] Estreitamente associados ao movimento ‘Escola sem Partido’, eles difundem a ideia de que a universidade precisa ser salva dos “comunistas” que a infestam. Têm utilizado estratégias de intimidação contra professoras/es e estudantes, que crescentemente passam de verbais a físicas”.

Assim como na Venezuela, onde um estudante universitário recebeu cerca de U$500 mil do Instituto Cato pelo seu papel na mobilização de protestos contra a suspensão da emissora privada RCTV, um membro do Movimento Brasil Livre também foi lembrado — em premiação feita pela própria Students for Liberty nos Estados Unidos. O universitário Julio Cezar Lins, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), recebeu o prêmio de “Student of the Year” na conferência da ONG estrangeira. Em seu discurso, Lins disse que espera ver o Brasil “prosperar com uma carga tributária menor, menos burocrática e com mais liberdade econômica”.

Na realidade, segundo informações de dissidentes da Students for Liberty no Equador, a premiação é uma forma de financiar as atividades de grupos políticos ligados ao SFL em países específicos — como foi o caso de Lins, uma das lideranças do MBL e do EPL nacionalmente.

Estima-se que pelo menos U$45 milhões foram investidos por ONGs estrangeiras na Venezuela, na tentativa de articular a atuação de grupos estudantis dentro das universidades do país contra o governo chavista. No Brasil, ainda não existe uma estimativa exata, por conta da variedade de grupos que atuam em segmentos diferentes.

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