#18: Como fugir de uma reunião online

Oi? Vocês me ouvem? Alô?? Acho que eu não tô ouvindo vocês. Caiu. Parece que meu sinal de internet tá bem fraco. O computador reiniciou. Travou, não sei porquê. Acabou a luz. Cortaram minha luz. Gente, tem um barulho muito alto, vocês estão ouvindo? Tá insuportável. Quem tá com o microfone ligado? Ahn? Oi? O quê? Desculpa, vou ter que sair, desculpa mesmo. Esqueci o arroz no fogo.

Dor de barriga. Enxaqueca. Intoxicação alimentar, sério mesmo, gente, sem condições, comi alguma coisa e não tô legal. Uma TPM terrível, pessoal, podem passar um resumo no email? Acho que atacou uma crise de labirintite. Tem umas bolinhas nos meus olhos, tipo bolha de sabão, coisa esquisita, não consigo olhar para a tela.

O carteiro veio trazer uma encomenda e emendou uma conversa sobre a saudade da família, não teve como cortar, coitadinho, fiquei com pena. Vizinho veio pedir açúcar, tropeçou no degrauzinho aqui da entrada, caiu, se cortou, acredita?, precisei ficar cuidando da criança enquanto ele ia de ambulância para o pronto socorro. Estou com um pressentimento muito ruim sobre minha participação nessa reunião, peço mil desculpas desde já, mas prefiro evitar. Meu gato tá há três horas girando atrás do próprio rabo, tô preocupada, de acordo com o kin 165 significa doença próxima ou o fim de uma era, depois envio pra vocês um link sobre kin, já ouviu falar?, é verdade mesmo, peço perdão mas preciso sair. Não tenho roupa. Fui convidada para participar de um ritual xamânico online e é obrigatório (pois é, obrigatório, o moço foi enfático) ficar três dias sem interações mediadas por tecnologias em vídeo para fazer a purificação do espírito e a limpeza do campo energético. Comprei pelos Correios uma ametista roxa de uma loja ótima, mas ela mudou de cor do dia para a noite, isso não pode ser um bom sinal, melhor evitar o excesso de comunicação evasiva. Mudei de religião e minha nova crença não permite. O zoom faz parte de um plano de dominação global baseado em big data, reconhecimento, captura e cadastro de traços faciais, o Teams também, Skype também, Whatsapp nem se fala. A solidão do isolamento me causou uma síndrome ainda desconhecida porém já documentada em alguns países asiáticos e no Canadá de paixão pela própria imagem quando vista em salas de reunião de plataformas eletrônicas, vai ser bastante desconfortável para mim e pra vocês também. A solidão do isolamento me causou uma síndrome ainda desconhecida porém já documentada em alguns países asiáticos e no Canadá de paixão repentina e incontrolada por colegas de trabalho em reuniões mediadas por plataformas de mediação de reuniões online e desse modo, se eu não sair agora desta sala virtual, corro risco de furar o isolamento social para aparecer na porta da sua casa com um buquê de rosas vermelhas e uma caixa de bombons, sim, é bastante grave, peço desculpas, qualquer um de vocês pode ser a vítima. Ando ouvindo vozes e não consigo mais distinguir o real do virtual, ontem tentei pausar o meu gato clicando no ar como se houvesse uma tela entre a gente, uma coisa horrível, acho melhor evitar por um tempo todas as telas. Tem um desconhecido vivendo no sótão da minha casa e não posso me distrair por muito tempo para evitar uma invasão maior e descarada, vai ser terrível desligar o computador e dar de cara com ele no sofá comentando a novela. Não, minha casa não tem sótão. Nem porão, nem televisão muito menos novela. Nem computador, nem internet, aliás, quem são vocês?

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