#19 Livro de receitas

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
2 min readOct 11, 2020

Cozinhei pela primeira vez um peixe inteiro, desses que a gente faz no forno. Fiquei na dúvida se cortava ou não a cabeça, cortava ou não o rabo, se temperava só por fora ou por dentro também, pensei em ligar pra alguém, em procurar na internet.

Fiz do meu jeito e ficou ótimo. Não passo a receita porque foi improviso, posso dizer os ingredientes e você faz o seu.

Outro dia, numa peça de teatro, o ator falou: não sigo receitas e, por isso, cada prato meu é único. É esse meu estilo, eu pensei, e guardei comigo aquelas palavras. Às vezes dá certo.

Hoje, tomando açaí e dançando in between days, pensei que talvez tenha finalmente esgotado as possibilidades de ser eu. Tantas combinações entre quatro paredes e sete meses. Yoga, meditação, bambolê, malabares. Teve a fase do chocolate todo dia, a cerveja, o suco pelas manhãs, doce de leite, guacamole, pão de queijo, todos os delivery da cidade.

Dois ciclos de meditação, pole dance, corrida na rua, bicicleta no fim de tarde e alongamento na praia. Curso de escrita, de leitura, de dança. Live com amigos, contos, plantas, gatos, incensos, livros, novas almofadas e todas as possibilidades de coexistência desses fatores. Cerveja depois da meditação, alongamento de pijama, funk e incenso no chuveiro, faxina ao som de sertanejo, malabares no quintal, pôr do sol de cima do banquinho do jardim onde eu nunca havia estado, uma tarde inteira de choro rasgado e sem aviso prévio, umas lágrimas murchas arrancadas com música, acordar de madrugada sonhando que uma igreja velha desabava sobre minha cabeça, boas noite de sono.

Mudei a posição de dormir, mudei os móveis da casa, comecei terapia. Outro artista me falou que o contrário da vida não é a morte, mas a falta de movimento e isso eu também guardei.

Hoje, chegou mais um livro pelos Correios, abri e estava lá:

O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o Senhor Bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.

É do Guimarães Rosa, o mesmo que disse: sertão é dentro da gente.

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