#21: Que mês é hoje?

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
2 min readNov 23, 2020

Peguei meu gato no colo, tocava uma musiquinha boa. Abracei ele e dancei. Não porque a solidão esteja imensa, afinal, flexibilização, e tem também o Filipe aqui comigo e a Julia ao lado.

Talvez, sim, porque alguma sanidade tenha se perdido no caminho, quem não? Na próxima semana volto ao trabalho presencial. Não sei mais se consigo fazer isso e com certeza não tenho mais roupa. Umas porque engordei, outras doei como se o mundo nunca mais fosse voltar ao normal. Talvez não volte.

Depois de um quase atropelamento, chegou a hora de levar a bicicleta para trocar as pastilhas do freio. Na bicicletaria, um dos mecânicos dançava com o cachorro. Que nem eu, com Flávio, o gato. Parece bobagem, mas foi uma diversão bastante considerável participar daquele momento de felicidade plena do homem que revisou meu veículo. No consultório do oftalmologista, antes do exame, passamos meia hora falando sobre como os mais velhos têm sido os mais resistentes em obedecer o isolamento social. O médico me contou da mãe, do filho, dos passeios e da possível reforma no consultório.

Meu cabelo cresceu, o astigmatismo aumentou, a miopia diminuiu. Cheguei a ir em um bar e sai para jantar, mas vem aí a segunda onda. O respiro lá fora foi só para conseguir outra vez segurar o fôlego dentro da rotina de dias tão iguais.

Anteontem, fazendo compras, pensei: vou levar morango, é época. Então, já no caixa, lembrei: não, não estamos mais em julho. A bicicleta já tem um ano, as lentes, mais de três. Esse gato, meu companheiro de dança, chegou na primeira semana de isolamento, era um bebê. Ontem olhei pra ele com pena, pensando: como vai ser sem mim nesta casa, hein? Afinal, esse gato sempre viveu a pandemia.

E agora parece que eu também.

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