#22 Só acaba quando termina

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
2 min readDec 30, 2020

Assisti à retrospectiva — do Porta dos Fundos, para a Globo me faltou coragem — e fiquei com aquela sensação. Caramba, isso foi em fevereiro? Parece que faz anos. O Secretário de Cultura simulando propaganda nazista, por exemplo. Coisa de outra vida, outro século. Mas foi ali, 2020.

Mal consigo lembrar de quem eu era em março. Ganhei uns quilos, adotei gatos, troquei uns móveis, comprei uns cremes pro rosto, um rolinho de quartzo rosa para massagem facial. Tive a fase de focar as resoluções no que está ao meu alcance de modo bastante fútil, o famoso skincare. Se o mundo acabar, morro com a pele ótima. Mas ontem, no Twitter, alguém escreveu: tô vacinado. Um brasileiro morando em algum desses países com governo minimamente competente. Essa notícia resolveu mais rugas na minha testa do que os cremes com vitamina c e ácido hialurônico.

Talvez o acúmulo de desgostos seja parte da experiência de ser adulto e só calhou a nós viver um momento um pouco pior. Seria difícil de todo modo, mas tivemos o azar de passar por uma pandemia, tipo o Mário na fase da água. Vai ter inimigo do mesmo jeito só que além disso você precisa nadar. Vida adulta, uma grande Olimpíada do Faustão. De vez em quando, a gente cai em pé, são e salvo, num banquinho almofadado. Mas não pode descuidar, logo mandam um tiro de canhão ou a coisa gira e você escorrega.

Tento, também, colocar em perspectiva histórica, pensar nos recortes socioculturais mas isto aqui é um diário de quarentena, não uma dissertação. Enfim, sou uma pessoa consciente e se reclamo, o faço do alto dos meus privilégios. Um deles, a terapia. Outro, meditação. Coisas que me ajudaram a passar por 2020 sem cortar a franja nem gastar todo meu salário em garrafas de vinho. Mas, agora, no dia 30 de dezembro, me parece não fazer muito sentido falar em datas.

Ontem, no Youtube, Fernanda Montenegro apareceu numa propaganda, de costas, numa praia, nos pedindo para ter esperanças no ano que vem. Mas nem a voz da nossa virgem Maria conseguiu me convencer a acreditar na virada do dígito. Os últimos meses me ensinaram a ter fé nas coisas palpáveis e todo o alívio do fim do ano está representado pelo descanso no recesso, nada além.

Não tem cor da calcinha, champanhe nem lentilha. Para 2021, eu quero agendar os exames de rotina atrasados, continuar me exercitando e cuidando para sobreviver, ainda de máscara, ainda sem festas. E quero, também, a vacina. Quando ela chegar, dou por encerrado 2020.

Se, depois, vai ser bom ou ruim, não sei. Pelo menos, vamos ter passado de fase.

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