#23 temos vacina, mas calma lá

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
2 min readJan 18, 2021

Tão difícil que, nos três últimos dias, eu desisti. Depois de ler notícias e chorar sozinha na poltrona da sala, escolhi não saber mais. A única possibilidade no Brasil é a desistência.

Por não saber nada, foi maior ainda minha surpresa quando abri o Twitter e vi a foto da primeira brasileira vacinada. Um respiro para quem já tinha dado como certo que até o fim de 2021 não restaria brasileiro vivo, isso se não fossemos extintos até março, fechando o ciclo de um ano de delírio e agonia. O planeta, contudo, segue tentando.

Hoje mesmo, quarenta graus. Sai para comprar um ventilador e fiz o exercício ao qual me propus tem algum tempo: sempre espantar-me. Envolve jamais usar a expressão “novo normal”; e tentar, a todo custo, não ceder aos impulsos da ilusão da vida apesar da pandemia enquanto vivo numa rotina soterrada pela realidade da morte. Céu azul, sem nuvens. Nenhuma brisa às 3 da tarde. Vestidos, bermudas, chapéus e máscaras.

Desde que assisti ao filme Midsommar (2019) e fui surpreendida com a proposta de terror solar, parece sensato dizer que morar numa cidade turística durante uma pandemia é algo bastante perto de um pesadelo.

Cinco homens na mesinha da calçada, bituca de cigarro voando longe, careca avermelhada, suor descendo pelas bochechas, golada no copo de cerveja, garçom sufocando por trás da máscara preta, corre pra trazer mais uma e levar a bandeja de frango à passarinho pro casal da gin tônica. Solzão fritando a moleira de gente com rosto meio coberto caminhando devagar para evitar os grupinhos de turistas de sunga, canga e sorvete na mão.

Quando vi a enfermeira Monica Calazans, primeira brasileira imunizada, mostrando a carteirinha de vacinação, quase antecipei as lágrimas guardadas para o dia quando eu entrar no supermercado sem máscara. Então, já era noite, fui passear de bicicleta. Na praia, com água pela cintura, seis pessoas conversavam, muito animadas. Na areia, um casal caminhava de mãos dadas, outro dividia uma cerveja, um cachorro veio sacudir o sal do corpo ao meu lado.

Eu sei, ainda é cedo para sonhar com sorrisos descobertos, mas ontem senti um pouco de,

não ouso dizer esperança, isso não tem sido coisa para brasileiro experimentar, mas,

de respiro aliviado, isso eu senti.

Embora, sim, o planeta esteja obtendo algum sucesso naquela missão que, para nós, é bastante desvantajosa.

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