#24 Um passeio fora da nave

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
3 min readFeb 8, 2021

Eu acho que me apaixonei pela voz do Tim Bernardes naquele momento quando ele diz: “ouvir… aquela canção do Roberto”. A versão de Baby com a Gal Costa foi uma das coisas bonitas dos últimos dias e finalmente consegui chorar por algo bom. As lágrimas vieram junto com a notícia da minha tia vacinada. Gal, Tim, vacina. Alguma esperança.

Outra pessoa desconhecida me parou na rua pedindo para bater uma foto. Eu, umas das únicas de máscara num centro histórico cheio de turistas. Ela, uma moça viajando sozinha. Sentou na porta dum casarão, virou o rosto para o lado oposto da câmera, pediu pra eu focar na perspectiva da rua de paralelepípedos, postou nos stories. Devolvi o celular e passei álcool nas mãos. Penso, toda vez que faço isso, se as pessoas consideram indelicado. Espero que não, nada pessoal. Tem funcionado, quase um ano e eu sigo na turma do pulmão ileso. A mente, ninguém garante. Hoje a tarde, choveu. Acordei do cochilo sentindo frio e o primeiro pensamento: é febre. Faltou ar, senti dor no peito, fiz o exercício de respiração que aprendi na yoga, inspira em quatro tempos, segura dois, expira em quatro. Passou.

Comprei mais um curso online. Se sair viva, saio também mais sabida. Semana passada, foi de autorretrato e na atividade sobre fotografar algo que fale de mim, pensei nos óculos. Óbvio demais. Pensei em coisas do teatro, não encontrei nada mas, durante a busca, achei um papelzinho amassado. Uma lista de compras de meses atrás: vitamina c, lençol, calcinhas, incenso. Os colegas da turma, no zoom, disseram que são elementos essenciais para a pandemia. Concordo, menos as calcinhas.

Tem sido estranho viver nessa suspensão da vida. Algumas pessoas engravidando, outras morrendo, gente mudando de emprego, viajando, fazendo cursos, divorciando, comprando móveis, mas esse elefante branco no meio da sala — eu sempre quis usar essa expressão num texto. A vida precisa continuar mas, se continuar, talvez não continue. Enfim, ficamos sem saber o que fazer com as mãos.

Semana passada, a Folha de São Paulo resgatou as notas sobre a expedição da Apollo 14 até a lua em 1971. No dia 5 de janeiro daquele ano, a notícia era: Astronautas poderão passear pelo espaço se o sistema falhar. Essa possibilidade era uma alternativa no caso de problema na junção de duas partes da nave no momento do retorno à Terra, ou algo assim. Com tubos de oxigênio e presos à embarcação por um equipamento chamado de cordão umbilical, eles poderiam flutuar pelo espaço e isso parece uma solução honesta. Caso vocês não retornem, pelo menos poderão dar um rolê nesse vão imenso entre a Terra e a Lua, coisa que pouquíssimos seres vivos terão a oportunidade de fazer.

A nota dizia ainda que a necessidade de um passeio era, contudo, bastante remota. Apesar disso, eu espero, do fundo do meu coração, que eles tenham aproveitado a chance.

*

--

--