#25. Correndo nas ruas e boiando no oceano

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
2 min readMar 18, 2021
Forrest Gum, depois de meses correndo

A atenção às pequenas coisas, mantra de zen budistas à influencers de positividade, se tornou nosso colete salva-vidas. Antes, era filosofia, mindfullness, técnica de concentração, resistência às ansiedades cotidianas. Hoje, é tudo que temos.

Por algumas semanas, vivi com a sensação de afundar no oceano, em queda livre. Naqueles dias, correr na rua ajudou a sentir meu corpo vivo e garantir o sono à noite. Compreendi Forrest Gump em sua vontade de correr sem nunca mais parar.

A terapeuta perguntou o que tem me trazido alegria. Respondi: olhar os gatos brincando. Hoje cedo, eu e minha irmã passamos alguns minutos em silêncio diante da cafeteira, observando o líquido escuro subir através do vidro transparente. Ontem, mesmo silêncio apreciando cada gesto de Juliette maquiando Thaís no pay per view do BBB. Toda manhã, pego um cachorrinho — são sete, recém-nascidos — sento na rede e balanço com ele até o bichinho pegar no sono. Depois, devolvo à casinha e observo se aninhar com os irmãos e a mãe contar um a um com o focinho, desconfiada de mim, certificando-se de que estão todos ali. Lavo a louça, passo o rodinho na pia, seco a louça e respiro fundo. No outro dia, tudo igual, outra vez.

Decidi viajar, mantendo toda a segurança possível — janelas abertas, máscaras, álcool, somente eu no banco de trás. Céu azul, me veio Caetano Veloso cantando: o estado de São Paulo é bonito, apesar de tanto pasto, tanta cana. Era uma manhã de terça-feira, fazia sol, céu aberto. Vento no rosto, uns dinheiros a mais por esse prazer. Vi desenhos nas nuvens: um tigre baforando narguilé, um soldado romano levantando a sobrancelha. Acho que voltei a ter olhos de criança.

Minha avó está vacinada. Bebemos café, olhamos as galinhas passeando na grama, ciscando à procura de bichinhos. Não nos abraçamos, melhor ter paciência. De longe, ela me disse: queria apertar você.

Eu também. Por enquanto, contenho os sentimentos, aprendo a usar a respiração para relaxar os músculos e observo o café ferver como quem boia no oceano, segura pelo colete salva-vidas mas sem muito movimento, assim, quietinha, parada, para não atrair os tubarões.

Para ouvir:

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