#26 - o que não contaram sobre o fim do mundo

ninguém contou que quando o mundo acaba, algumas pessoas ficam para acender velas ou fazer yoga na sala, diante da tela de um computador. a louça, no fim do mundo, continua acumulando.

as contas chegam. algumas não, contudo, porque há caos no fim do mundo e nem sempre o carteiro encontra a casa certa. a gente pensa: será que o carteiro está bem? e passa um café.

os gatos ignoram o fim do mundo e nós, tem dias, sentamos ao sol e esperamos a pele arder até delirar. então, pensamos: eu queria ser um bicho. as plantas crescem ou morrem, de acordo com o humor do responsável. eu jamais imaginaria que, no fim do mundo, comprar um sofá confortável seria uma boa ideia.

chega o outono no fim do mundo, outra vez. a amiga ergue uma taça, sozinha na sala de casa, mais um aniversário, e pede paciência. breve, celebraremos. a mente dá seus pulos e sonha com um carnaval. peitos suados descendo uma avenida, estandarte, isopor, duas moças de maiô, meus amigos reunidos, um com pandeiro na mão.

mas tinha teto e, de repente, do lado de fora, bloco nenhum. as ruas meio vazias, os poucos foliões receosos, será que acabou mesmo? como faz, aquele negócio de alegria?

a gente, caminhando perdidas pelo centro duma cidade vazia, uns confetes no chão, segurando copos de cerveja quente, o sol se pondo no horizonte e eu lembro: deveria ter trazido a máscara.

não contaram, mas desconfio. depois do fim do mundo,

algum dia,

antes da festa,

haverá um silêncio imenso.