#27 Quando nos encontramos pela última vez

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
3 min readApr 28, 2021

Foi na sala do antigo apartamento, no centro da cidade, onde não moro mais. Nem na cidade, nem no apartamento. Agora, pensando bem, talvez tenha sido no corredor, você saindo para o trabalho, eu à caminho do quarto com um livro na mão.

No casamento daquele colega de trabalho, eu lembro de pouca coisa. Deixei um copo de cerveja ao lado da caixa de som e sujei com vinho meu vestido. Era preto, ninguém viu, só eu sei.

Naquele quintal, chão de terra, galinhas ciscando e roupas no varal. Tinha café e pão de queijo, mas você não ficou.

Na sua casa, você cozinhou e não sei se notou o tamanho da minha alegria, porque sua comida tem sabor dos almoços na casa da minha avó. Gostei das plantas e dos quadros, tomei banho, deitei no seu sofá. Antes de ir embora, tirei uma foto sua.

Numa feira, eu estava vendendo livros e servindo bolo. E você segurava um capacete. Ou não?

Nos encontramos num sonho, numa pista de skate mas, antes disso, na porta da minha casa. Você colocava mochilas no porta-malas.

Ou não nos encontramos, ainda. Eu iria pra São Paulo, não deu.

Foi numa festa de família, eu usava uma saia vermelha, rodada, e você estava tímido.

Numa cidadezinha no interior de Minas Gerais. Lembro de nós duas lavando louça no tanque, do lado de fora da casa. As panelas eram muito grandes, deu trabalho, molhamos as roupas e observamos a água pingar no chão de terra vermelha.

Foi na rodoviária depois de um almoço colorido. Saladas, grãos e sucos. Uma despedida rápida, abraços, eu precisava voltar para o trabalho, pensávamos que seria até breve.

Festa em Brasília, num apartamento grande e vazio, achei tão estranho. Bebi catuaba, nos encontramos do lado de fora. Você fumava? Briguei com meu namorado e ele foi embora mais cedo.

Na minha casa, entre tantos outros rostos. Preferimos não nos despedir.

No apartamento quase vazio, algumas caixas pelo chão, o sol da manhã entrando pela janelona. Eu tinha tanta bagunça para arrumar e, por isso, conversamos pouco. Nos abraçamos e beijamos do lado de fora, quando te levei até a porta.

Dançando no salão do Sesc em Bauru, em algum show, foram tantos. Poderia ser qualquer uma daquelas noites, cerveja na mão ou taça de vinho, descalça ao lado da caixa de som ou parada lá no fundo, olhando de longe o palco e conversando com três pessoas.

Num restaurante, à meia luz, numa mesa cheia de gente. Você comia risoto de camarão. Eu, sem fome, escolhi duas casquinhas de siri. Quando vi seu prato, me arrependi. Você me mostrou fotos do seu gato.

Na rodoviária, esperando seu ônibus. Já usávamos máscaras, a sua estava pendurava na orelha, você fumava. Eu te dei recomendações, use álcool, cuidado, fique bem. Quando cheguei em casa, te mandei mensagem: você esqueceu o chocolate.

Foi num show de Carimbó, você fotografava a festa. Eu estava sozinha, bebi cerveja e dancei com desconhecidos. Comprei uma esfiha e voltei pra casa de bicicleta.

Se soubesse, teria ficado até o fim.

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