#28 favor não criar esperanças

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
2 min readJun 13, 2021

meu vizinho acredita na existência do vírus mas, em vez da máscara, prefere pagar uma grana num ciclo de meditação e cura do pulmão.

um novo tipo de negacionismo, bastante presente no instagram. não negam a doença mas, em vez de distanciamento, preferem proteger o campo energético com meditações de cinco mil reais o fim de semana — jantar vegano incluso. o golpe tá aí, cai quem quer, como dizia o jovem três meses atrás.

este é um dos problemas de ser da última geração que nasceu analógica: quando consigo aplicar uma gíria nova, ela já saiu de moda. usar expressões antigas é meu protesto contra a rapidez do mundo, tal qual os hippies do anos 70 que ainda hoje, já vacinados e de cabelos brancos, seguem vestindo batas floridas e chamando as pessoas de bicho.

mas o grande protesto seria o sumiço virtual. depois de um ano morando na internet, esse desejo é cada vez mais frequente. afinal, ser millennial nascida nos anos 80 tem também suas alegrias. a gente sabe como levar uma vida longe das telas. ou pelo menos sabia, até o ano passado.

tive que ir ao centro da cidade e um casal de turistas, ambos sem máscara, me pediu para tirar uma foto. quando a moça estendeu o celular em minha direção, dei um passo atrás e perguntei se tinham álcool. não tinham. então, não vai ter foto, desculpa.

depois, me arrependi um pouco da chatice, poxa vida, custava uma foto? mas estavam sem máscara, então não se cuidam tanto e se não se cuidam o celular pode ser um pequeno laboratório de variações da covid, vai que um representante da nova cepa gruda no meu dedo, eu uso óculos, coloco a mão no rosto o tempo todo, um descuido e pronto. a verdade é que não sei mais se perdi todas as minhas habilidades sociais ou só continuo bastante precavida.

minha gata pariu. agora, somos seis aqui em casa. de humana, só eu. isso quer dizer que se eu optar pelo caminho da inexistência de habilidades sociais, estou bem amparada. parece que há possibilidade de eu vacinar no mês que vem, embora o brasil tenha nos ensinado a jamais criar esperanças. não muda muita coisa, também, porque só voltaremos a alguma normalidade quando 90% da população estiver vacinada, átila falou. e, talvez, voltar não seja a palavra certa.

com certeza não é.

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