#antesdofim: feito ilhas, à revelia
três dias atrás, viajaria para são paulo. não fui. eu ia ver Maria Bethânia, ela adiou. veria meus amigos, não deu.
anteontem, assisti a um show lindo. pouca gente na plateia, medida de prevenção, mas ainda tínhamos um show. não pisquei, tirei os sapatos, sentei no chão, queria que não acabasse.
amanhã, trabalho de casa. queria ver minha família, não sei se vai dar agora. as ruas, anteontem cheias de gente bronzeada, hoje estão mais vazias, um ou outro persistente, só.
meu poema preferido do Leminsk diz: a vida é as vacas que você põe no rio pra atrair as piranhas enquanto a boiada passa. não dá tempo de pensar, tudo muda enquanto a gente olha para o outro lado. enquanto corre ali pagar uma conta, vida fluiu.
a vida é o que nos escapa enquanto pensamos sobre a vida.
hoje cedo mandei mensagem para duas amigas que estão longe. bebi devagar meu café. ontem, fiquei na praia até o primeiro sinal da noite chegando no horizonte. tomei uma cerveja. entrei no mar quando não tinha mais sol para secar a pele. na areia, falamos bobagens, cantamos, rimos.
abracei uma amiga. dormi mais cedo. comprei própolis e vitamina c. pensei fugir para a casa da minha avó. reconsiderei. pode não ser bom para ela. de repente, pensar nas pessoas ficou constante e mais grave.
retomei a leitura de um livro há muito abandonado. ouvi, hoje, caetano cantando “if you hold a stone, marinheiro só”, bem alto, no fone. comprei meu sorvete preferido. pensei na felicidade de ter trazido na mudança os livros que não li. pensei nas minhas plantas, na gata que visita minha casa, nos discos que ainda não comprei, na saudade de quem está longe.
na noite de hoje, vou sentar no batente da porta e ver o céu.
eu não vou morrer agora, você também não. mas chega a ser bonito o modo como nosso susto diante da fragilidade da vida nos lembra o quanto é gostoso viver,
marinheiro só.
Para ouvir:
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*este texto foi escrito no dia 16 de março, quando ainda era permitido frequentar praias em Paraty e ainda não havíamos nos trancado em casa.
