#17 no banheiro do busão

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
2 min readSep 15, 2020

Começou com “é só por 15 dias”; depois veio o “pode ser que dure até agosto”, nós achamos absurdo e cá estamos em setembro. Mais ou menos, na verdade, para algumas pessoas acabou, embora eu não confie. Depois da terceira cerveja, o maxilar já soltinho, o garçom vindo com a bandeja, o olhar para na borda do copo e o cérebro apita. Vírus, febre, um calafrio, ih, peguei, minha mãe será, UTI de barriga pra baixo, tem gente que morre dois meses depois me disseram, essa cerveja tá com gosto estranho, meu nariz hoje cedo, deve ser o tempo seco ou não. Corre pro banheiro, diante do espelho apoia a mão na pia, tira rapidinho, procura o sabonete, mas tem que apertar pra sair, respira, tá tudo bem, volta pra mesa mas perdeu o fio da conversa, difícil repuxar, hein?

Um amigo não vê os pais desde dezembro. Admiro. Eu entreguei-me às pequenas flexibilizações, embora com culpa imensa quando envolve a possibilidade de colocar alguém em risco.

Entrei num ônibus e foi terrível. Duas máscaras para trocar na viagem, tubinho de álcool, lanchinhos embalados, papel toalha, um compromisso: jamais usar banheiro de rodoviária. Na hora do xixi, passei álcool na cabinezinha do ônibus. Já era difícil, ficou pior, mas pelas minhas contas a rotatividade ali é menor que nos sanitários do posto&lanchonete. A outra opção era mijar na garrafinha, sem chances por enquanto. Pia, maçaneta, assento mesmo sem sentar, tudo limpinho, a empresa deveria me dar desconto na passagem pelo serviço. Agora preciso voltar pra casa e vai encher, parece, nenhuma cautela, nada de regra para controle de lotação. Talvez eu compre duas poltronas. O Brasil é o país do se vira.

Não recomendo o risco.

Não recomendo, aliás, nenhuma flexibilização a não ser os pequenos passeios ao ar livre para colocar a cabeça no lugar, alcançar algum horizonte, tentar, talvez, esquecer que já foram sete meses e tudo anda meio triste, mas para não terminar este texto tão pra baixo, eu deixo o que hoje me disseram:

Cada dia a mais, um dia a menos. Para quê, você decide.

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