#5: se for, vá de máscara

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
2 min readApr 25, 2020
de Julien Mauve

Depois de 30 dias em home office, comecei a sair para pedalar. É isso ou a saúde mental indo embora e eu prefiro evitar o excesso de álcool enquanto ainda tenho controle sobre isso.

Hoje, sai pouco depois das três da tarde. Observando as cores do céu sobre a superfície do rio, notei: nunca havia passeado por ali nesse horário. A rotina nos furta tanta coisa, não é mesmo? Eu descobri, hoje, novas cores na minha cidade. Ao redor dos barquinhos ancorados, as manchas brancas, azuis, cor de rosa, a depender do gosto do dono da embarcação.

Perto da praia, sentados na proa, um casal conversava. Ela, de máscara cinza. A dele, preta com bolinhas brancas. Saíssem velejando, seriam confundidos com piratas, se o mundo inteiro não estivesse usando máscaras.

Pelos Correios, minha mãe mandou duas. Uma com flores pequenininhas, outra cor de rosa. Usei para ir ao supermercado e, quando tirei, respirei aliviada. Entre as prateleiras, todas as pessoas tinham os sorrisos encobertos. Já vivemos novos tempos, penso, enquanto lembro do arrepio que sentia ao ver orientais usando máscaras nos aeroportos.

Tinha gente na praia, mas pouca. No caminho de pedras sobre o mar — são uns 70 metros — um homem sem camisa ouvia o quebrar das ondas, um rapaz de boné esticava a vista até o horizonte e outro, de jeans e camiseta, caminhava devagar para não perder o equilíbrio. Na areia, duas mulheres conversavam ao lados das bicicletas e, na água, barquinhos, cinco ou seis, deixavam o cenário parecido com uma pintura.

Vivo aqui faz cinco meses. Não foi um começo fácil. Vim sozinha, não conhecia nada, choveu muito, senti saudades do cerrado, da família, dos amigos. Não vim pelo sonho, mas pela vida: precisava de emprego, fiz uma prova, passei. Paraty nunca havia sido um plano e é, agora, o cenário onde eu reaprendo o mundo.

Hoje, aconselhei um amigo: tenta meditar. Com persistência, funciona e, para mim, vale mais que mil palavras de otimismo. Ando irritada com as pessoas otimistas e peço desculpas se este texto, sobre mar e barquinhos, sair parecido com um pedido para você olhar o lado bom da vida.

As coisas estão difíceis, talvez piorem, talvez o mundo não se cure, talvez, depois, nada mude, algumas pessoas vão morrer, muitas vão chorar e a gente não sabe nada sobre o futuro.

Então, se você tem quintal, vai lá. Se a rua está vazia, saia para uma voltinha. Vai só. Vai pedalar na estrada de terra, se você pode. Alonga na garagem, faz um bolo, acende incenso, canta no chuveiro, planta uma horta, dobra as roupas do armário, tira o pó dos livros. O presente precisa de manutenção.

Medita.

E, se quiser, compra um vinho. Mas, vai de máscara.

Para ouvir:

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