#8: para situações inéditas, não há regras

Carolina Bataier
Diário do fim do mundo
3 min readMay 23, 2020

Isto não é um diário.

A intenção inicial era escrever, pelo menos, uma vez por semana. Mas, o que são as regras em tempos de pandemia? Uma das poucas constantes é a frase da Letrux: para situações inéditas, não há regras. Falando nela, vocês leram o texto bonito sobre ser artista e persistência? Recomendo.

Letrux fala sobre as dificuldades para se firmar como cantora, os perrengues e humilhações. Tudo elaborado numa linguagem doce, sem arrependimentos.

Ler tem sido outra constante nestes dias. Ler, meditar e não me apegar às regras. Abandonei as tarefas do duolinguo, há dias não faço faxina, voltei a beber refrigerante, ando ingerindo muito açúcar.

Desisti das lives. No começo, fiquei maravilhada em ver Leoni, sozinho no sofá da sala, cantando Moraes Moreira. Mas, desde quando vi Zeca Pagodinho entre os coqueiros, cantando samba diante do baterista com rosto mascarado, não consigo afastar a ideia de que a live só existe porque não há nada mais a ser feito. Vejo os artistas que gosto fazendo show na sala de casa e o único pensamento que me ocorre é: poderia ser ao vivo, uma cerveja, meus amigos, um sambinha.

Para as lives, fiquei amarga. Aceitei a condição de pessoa em isolamento esperando o momento de ver, ao vivo, em carne e osso, as pessoas que admiro. Enquanto isso, sigo com as atividades solitárias por origem: meditação, leitura, lágrimas no chuveiro.

Fazia dias, não descascava mexerica no sol. Hoje fui, antes mesmo do almoço, quebrando minha própria regra, que já era uma quebra de regra. Antes do fim do mundo, eu nunca tinha tempo para descascar mexerica no sol mais de uma vez por semana.

Mas hoje acordei e ouvi barulho lá fora. Era um homem alto, parado no meio da rua, gritando o nome do seu Odílio, o mecânico. Ele saiu na calçada, o homem falou do motor, um terceiro se juntou à conversa e eu senti alegria em presenciar de longe uma pequena aglomeração, vozes animadas, conversa sobre carro, quilometragem, fumaça. Um lapso de normalidade numa manhã de sábado. Sentimento contrariado, no fundo a preocupação com a saúde de seu Odílio, mas, sobressaindo, a alegria. Quase sai para comprar um frango assado na padaria e celebrar a persistência da vida, mas lembrei que, por causa do feriado em São Paulo, a cidade está cheia e os riscos aumentam.

Tive a fase do relaxamento, confesso. Sai para correr, fui até a praia, alonguei-me na areia. Agora, tenho evitado as saídas desnecessárias. Ando irritada com os detalhes da nova rotina: colocar máscara, lavar máscara, passar, limpar cada sacola, cada produto que chega da rua. Tenho saudades de ir ao supermercado e sair de lá comendo um chocolate, sem me preocupar com as mãos limpas. Tenho vivido pequenos ciclos de foco e desistência, cansaço e esperança. Tenho tentado pensar na pequenas alegrias: os gatos, as plantas, aprender malabares, as cores do céu.

Tenho sentido saudades da minha família, dos meus amigos. Tenho trabalhado muito, o que é bom, ocupa o tempo, a mente. Comecei a escrever um livro, juro, um romance. Se vai sair, não sei. A todo momento, repito baixinho, só para mim: para situações inéditas, não há regas.

Para ouvir:

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