Flow: A boa e a má concentração

Num mundo em que tudo apita

Fabio Mont’Alegre
DER UMWELT

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Flow (fluxo) e Psychic Entropy (entropia psicológica) são dois conceitos criados pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi.

Estar no fluxo é estar tão concentrado numa tarefa que tudo ao seu redor some. Existe um sujeito e um objeto, uma relação direta. O objeto oferece pequenos desafios e pequenas vitórias ao longo do caminho, o que mantém o sujeito interessado.

É comum um escalador falar que sente que ele e a montanha são um só corpo durante a escalada. Isso é estar no fluxo positivo, porque ele te traz algum tipo de realização ao final (existe o negativo, falarei sobre isso em instantes).

Psychic Entropy é tudo que te chama a atenção e faz você se desconcentrar. Uma notificação do Whatsapp, um meme novo no Twitter. A Psychic Entropy está aumentando à medida que nos vemos cercados de gadgets que apitam o tempo todo.

O fluxo negativo é aquele que não traz nenhum tipo de sentimento de realização. O que os viciados em jogos sentem depois de 12 horas ou mais jogando video poker, por exemplo.

O que acontece no fluxo negativo é que ele explora um curto-circuito cognitivo descoberto pelo psicólogo B. F. Skinner nos anos 40.

Skinner inventou a Skinner Box, uma caixa de condicionamento comportamental para experiências com ratos de laboratório. É uma caixa com um botão e um compartimento. Quando o rato aperta o botão, ele ganha um petisco.

Quando as regras entre o sujeito e o objeto são claras, não existe um fluxo negativo. O rato está com fome, ele aperta o botão e o petisco cai pelo compartimento.

Quando o rato aperta o botão e não ganha o petisco, aperta mais uma vez e não ganha, aperta outra vez e então ganha, não existe mais uma lógica clara — acontece um curto-circuito que gera o fluxo negativo. O rato fica horas e horas apertando o botão e nada além daquilo importa. Ele não está mais apertando o botão porque está com fome.

A indústria do video poker usa descaradamente a pesquisa de Skinner para escrever o software das máquinas. Está presente na literatura a respeito, tanto de quem é contra e acha que indústria de jogos de azar deveria ser mais cerceada nos EUA, quanto na literatura técnica dos criadores dos jogos mais famosos.

A coisa é tão doida que aprendi no livro Addiction by Design: Addiction
Machine Gambling in Las Vegas
que os viciados em video poker não gostam de ganhar, porque isso interrompe o fluxo de colocar dinheiro na máquina e apertar o botão. É muito louco.

Agora, eu sou só um interessado no assunto. Imagino que empresas como Facebook, gigantes, tenham psicólogos as auxiliando, porque o mecanismo do newsfeed do Facebook guarda uma certa semelhança com uma Skinner box.

As regras da relação entre sujeito e objeto não estão claras — você nunca sabe quantas pessoas vão ler a sua postagem. Você fica, assim como o ratinho, esperando um agrado em forma de like, mas não sabe se eles vão vir. Dá para falar o mesmo do Twitter com RTs e FAVs, mas lá pelo menos você pode calcular melhor as chances de obtê-los, então, imagino, o fluxo é mais facilmente quebrado (Psychic Entropy).

No nível biológico, um agrado gera uma descarga de dopamina no corpo. A dopamina é uma substância que dá ao sistema nervoso a sensação de “eu vou conseguir, estou quase lá”. Ela é naturalmente liberada quando um corredor vê a linha de chegada, quando alguém está quase para terminar um livro, quando se está apaixonado (“com esse eu vou me casar e vai dar tudo certo”). É lógico que ela é viciante, porque ela diz ao nosso corpo tudo que queremos ouvir: “está tudo bem agora”.

Era deriva de um mecanismo evolutivo que trazemos dos nossos ancestrais que precisavam correr dos predadores e já estavam sentindo dor nas pernas (o runner’s rush que os corredores profissionais tanto falam). Ela é essencial para nossa biologia mas perigosa porque não foi feita para ser usada o tempo todo.

Já que a parte consciente da nossa cabeça não consegue controlar a parte que gera esses curto-circuitos, é muito importante entender a nossa relação com os seus gatilhos. Talvez seja até porque tanta gente queira sair do Facebook. Não traz realização alguma.

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