Os muros separam as pessoas, mas as palavras juntam

(Des) Estigmatizar
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4 min readDec 3, 2018

por Júlia Duarte

Paula Plim — IMAGEM: DESESTIGMATIZAR/ Cristina Soares

O Festival Concreto aconteceu de 16 a 24 de novembro, em Fortaleza. Sendo essa sua quinta edição na cidade, a ação cultural, que faz parte do calendário nacional de programação cultural, reuniu mais de 40 artistas locais, nacionais e internacionais para trazer arte para as paredes cinzas da cidade. Em meio a um contexto nacional de repressão, ainda mais com apagamento de grafites em São Paulo, a realização do festival é fundamental para chamar atenção e acender a discussão sobre o que é arte urbana, quais seus limites, e como ela é recebida por quem vive na cidade.

O Concreto foca, esse ano, no centro da cidade como o principal espaço para as intervenções e deixou, além de muros pintados, reflexões e mensagens de resistência e luta. A assessora do festival, Maira Suspiro comenta que o festival é feito para ser visto e que as produções artística não podem ser “domesticadas”, tendo em mente, principalmente, a democratização da arte. Narcélio Grud, artista e idealizador do projeto, reflete justamente sobre isso quando afirma que “artes vistas e sentida por todos, quem passa no ônibus, quem vem comprar e vender, pro trabalhador, para o cidadão que flerta, o flâneur, o andarilho. O Festival de todos, para todos, de todas para todas.”

A questão da arte urbana, entretanto, vai muito além do ser vista, ela esbarra na aceitação da população. Dividido entre pixação e grafite, o que é arte e o que é vandalismo, a ocupação das paredes da cidades geram debates e criam uma linha clara de o que é aceito ou não. Enquanto o grafite é visto como arte, sinônimo de beleza e bem vista aos olhos de quem vê, o pixo é marginalizado, estigmatizado e tratado como “feio”. Enquanto o grafite é comercializado por marcas e empresas, só em 5 meses de governo de Doria, o número de prisões de pichadores dobrou em relação a um ano interiro do governo anterior. Em Fortaleza não é diferente. Em 2002 um jovem pichador foi morto a tiros por um segurança e desfecho do caso ocorreu apenas 2012.

Originalmente, segundo Maria Beatriz Rahde, graduada em artes plásticas pela UFRS e doutora em educação pela PUC-RS, a ação de pintar e fazer inscrições nas paredes surge com os homens primitivos e que esses traços e desenhos são “indício dos primeiros signos que ocasionaram, posteriormente, estudos interpretativos da inteligência emergente no mundo pré-histórico”. No decorrer da história humana, essa prática continuou a ser repetida. Em escavações na cidade Pompéia foi revelado que a erupção do vulcão Vesúvio preservou inscrições nas paredes que iam de propagandas políticas a poesias. Na Idade Média, padres escreviam nos muros de conventos rivais suas ideias e críticas.

Essa ações tomaram força e relevância anos 60 e 70 com a maior participação nos movimentos políticos mundiais. No Brasil, foi no período da Ditadura Militar que a pichação começou a se fazer visível, com frases contra o governo e, usando as paredes como mural público, as frases e desenhos lutaram com o povo, em um tempo de censura e falta de liberdade de expressão. Marquinhos Abu, pixador, grafiteiro e produtor do Festival Concreto, conta que esse é o caráter da pixação, passar uma ideia, criticar, marcar e deixar sua marca.

IMAGEM: DESESTIGMATIZAR/ Cristina Soares

Ele conta também que só no Brasil existe essa distinção entre pichação e grafite, no resto do mundo, as duas formas de ocupar as paredes têm o mesmo caráter. De origem periférica, em seus estudos reflete que os maus olhos da população em geral vem da pichação, na figura das TAGs, representarem a periferia, serem um grito dos oprimidos e essa resulpa é só mais uma forma da “manutenção das hierarquias raciais”. Essa distinção de quem é preso e quem é pago reflete em como Fortaleza, a 7 sétima capital mais desigual do país, lida com sua parcela mais pobre. Com repressão e segregação. Não podendo excluir que, hoje, a pichação também é usada por facções, o perfil do pixador, em sua maioria, não de roubo ou crimes, é de alguém que quer ser ouvido e quer deixar sua marca no mundo, mesmo que seja em parede qualquer pela cidade.

O fato é claro. A discussão sobre a arte urbana está longe de acabar. Os limites do que é arte e o que é vandalismo ainda será assunto seja entre a população, a universidade, o governo e a cidade. O festival Concreto, assim como outros, provoca esse incômodo de não saber qual o lado certo e o errado. Viver ou morrer pela pichação estampa os jornais. Fama ou cadeia. Não se tem a resposta pronta. O (des) estigmatizar tenta elucidar em seu trabalho que arte urbana é ocupar as paredes da cidade, é tirar o cinza dos muros, mas também dizer algo, deixar algo para ser lido, uma mensagem, uma declaração, uma denúncia. Os muros separam as pessoas e as palavras juntam.

Edição e Imagens: Cristina Soares

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