Amizades tóxicas

É gente boa, só é meio filha da puta né, dá umas respostas ignorantes, não liga muito pro que os outros pensam, fala mal pelas costas…

Samuel de Almeida
Desen
5 min readDec 13, 2017

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Nos últimos anos, vimos a discussão sobre relacionamentos tóxicos ganhar uma relevância importante; sobretudo no que diz respeito às relações afetivas (por falta de nome melhor, já que muitas vezes o que menos há nelas é afeto) heterossexuais, onde homens que exploram suas companheiras das mais diversas formas, e também nas homossexuais onde há a reprodução desse comportamento, com um dos lados assumindo um papel de força sobre o outro.

Mas e nos relacionamentos de amizade, até que ponto pode ser tóxica uma pessoa com relação à outra, que considera sua amiga? Nos casos mais evidentes, alguém se aproxima com a intenção de prejudicar ou tomar algo, mas vamos considerar por enquanto as relações sem “intenção destrutiva” — pessoas que talvez acreditem estar dando o seu melhor, quando na verdade estão prejudicando a saúde mental daqueles com quem convivem.

Não é tão difícil identificar quando uma amizade está sendo tóxica, ou até mesmo abusiva: falamos sobre nosso cotidiano, e o outro não dá ouvidos, quer apenas falar sobre si mesmo; contamos sobre um relacionamento, e a pessoa faz algum comentário maldoso sobre seu parceiro, mesmo sem conhecê-lo; comemoramos um pequeno avanço em algo importante, e a resposta é parecida com mas também, isso é o mínimo que você devia fazer, né?

Se você convive com uma vítima* de amizade tóxica, sabe que ela reclama de atitudes do coleguinha com tanta frequência, que te faz pensar se essa relação é mesmo uma amizade, e caso você questione isso, a resposta costuma ser algo como “ah, mas ele(a) é gente boa, só é meio filha da puta, dá umas respostas ignorantes, não liga muito pro que os outros pensam, fala mal pelas costas… é o jeito dele(a)“.

É, talvez esse sujeito não seja tão gente boa assim.

* Estou usando o termo vítima para facilitar a compreensão, mas é importante ressaltar que nas amizades é normal que os relacionamentos tóxicos sejam multidirecionais, ou seja, alguém é tóxico comigo, mas eu também sou; com essa ou uma outra pessoa.

Claro, tudo isso pode acontecer em amizades saudáveis, mas nesses casos sabemos que foi um deslize, num momento em que o outro estava chateado com algum problema, por exemplo, não um comportamento frequente.

A repetição dessas interações pode ir, aos poucos, corroendo a nossa saúde mental — há uma queda na auto-estima, perdemos a vontade de fazer novos amigos, nos sentimos estranhamente cansados quando pensamos na pessoa.

Mas se uma amizade tóxica pode ser tão óbvia, e tão prejudicial, porque muitas vezes demoramos para notar o caso, e quando o fazemos, demoramos ainda mais para tomar a decisão de nos afastar de quem está causando o problema?

Vou tomar a liberdade de arriscar uma resposta, e você pode deixar um comentário se discordar ou tiver algo à acrescentar. Se concordar, pode comentar também, que nem tudo na internet precisa ser treta, né? 😄

Bem, o mais provável é que a nossa permanência em uma amizade tóxica venha de uma combinação de alguns fatores, e os mais notáveis são:

Gratidão explorada

O mesmo problema que pode amarrar muitas pessoas em relacionamentos abusivos também faz sua parte nas amizades tóxicas. Sentimos o desejo de estar perto desse indivíduo porque ele nos ajudou em um momento de necessidade. Se esse for o seu caso, a gratidão pode funcionar de uma forma mais saudável — você pode deixar claro para a pessoa que agradece o que ela fez por você, e estará presente se ela precisar, mas não tem que estar lá o restante do tempo.

Carência emocional de grupo

Normalmente, a pessoa que está intoxicando a amizade é uma figura importante no grupo do qual você faz parte. Não estou falando sobre cargos ou algo do tipo, mas simplesmente ela também é amiga do restante do grupo.

Você até quer se afastar, mas sabe que o restante do pessoal ainda não percebeu o quanto esse indivíduo está sendo negativo para todos (dificilmente a pessoa será tóxica só com você) e não quer ser aquele que causa a discórdia; portanto, acredita que para manter distância da pessoa teria que se afastar de todos, o que talvez aparente ser um preço caro demais.

Confusão entre força e negatividade

Muitas vezes podemos perceber os traços negativos de uma pessoa tóxica (não se importar com o que os outros pensam, fazer piadas com todas as situações, falar na cara quando não gosta de algo) com sinais de força — sinceridade, personalidade, atitude. E quem não quer estar perto de alguém com sinceridade, personalidade e atitude?

Normalmente essa confusão cria a síndrome do jeito dela. Provavelmente você nunca ouviu falar nisso com esse nome, porque eu (acredito que) acabei de inventar, mas síndrome do jeito dela é responsável por situações do tipo:

- Cara, como você anda com essa pessoa? Ela só vive falando mal dos outros!

- Ah, mas é o jeito dela.

- Você acha que essa pessoa é sua amiga mesmo? Ela nunca comemora as suas vitórias!

- Ah, mas é o jeito dela.

Como se desintoxicar?

Infelizmente, nenhum suco de laranja, abacaxi, gengibre e espinafre é forte o suficiente para fazer um detox de amizades ruins, mas talvez exista uma receita com esse poder. O primeiro passo é identificar e assumir para si mesmo quando está em uma destas relações — os parágrafos acima podem ajudar com isso.

Em seguida, não há muitas alternativas.

Você pode juntar forças e questionar as atitudes da pessoa, fazendo ela perceber o que tem feito de errado, caso as ações não tenham mesmo uma intenção destrutiva. A partir daí, caberá a ela transformar-se ou não.

Caso ela permaneça com os mesmos comportamentos, a responsabilidade volta para as nossas mãos. É necessário tomar uma atitude consciente de se afastar dos coleguinhas tóxicos.

Claro que não será uma decisão fácil, e eu não quero te fazer acreditar que seja; afinal, muitas vezes será realmente preciso se afastar, ao menos por algum tempo, dessa pessoa por quem você sente algo de positivo, e também de todo o grupo de amigos do qual ela faz parte.

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Samuel de Almeida
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Aquela bio com uma crise existencial por não saber me definir.